Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos sambistas do compositor Aloisio Villar.

Rei Momo sarado

Senti um frio na espinha com a história contada por meu pai. Pensei na Julinha, no filho de Proença. Primeira história que me senti realmente mal. Fiquei quieto por algum tempo e perguntei por Priscila e o filho. Meu pai contou que foram morar no interior. Emocionado comentei “que tragédia”. Mais um para as estatísticas. Mais um crime não solucionado. Testemunhas existiram, inclusive do desfecho que contei, mas nada foi resolvido. Ninguém foi preso.

Apenas duas pessoas foram punidas com essa tragédia. Priscila que perdeu o amor de sua vida e o filho que cresceria sem pai. Um jovem cantor de talento, riso fácil, querido…

… E morto por cometer um crime terrível. Ser negro. A escravidão pelo mundo acabou faz pelo menos dois séculos. O Brasil foi um dos últimos, fato que vergonha, a acabar com a mesma. Mas parece que até hoje não acabou totalmente.

Livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela.

Continuamos vendo o jogo. O Flamengo virou e venceu, mas nem curti muito. Levantei, despedi-me de meu pai que disse “A vida é feita de histórias boas e tristes, um bom livro também”. Fiquei com a frase na mente.

Cheguei em casa e mesmo com a hora adiantada liguei para Bia. Ela perguntou se algo ocorrera e perguntei se Julinha estava acordada, queria ouvir a voz dela. Minha ex perguntou se realmente estava tudo bem e disse que sim, só precisava falar com nossa filha. Julinha atendeu e perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu que sim e estava com sono. Pedi desculpas por lhe fazer levantar àquela hora e disse que lhe amava. Ela respondeu que também me amava e desliguei.

Fui dormir pedindo a Deus que me deixasse por aqui até a Ana Júlia ser uma mulher formada que pudesse caminhar sozinha.

Dia seguinte peguei a mochila e parti para Santa Catarina cobrir o campeonato de surf. Não entendia nada sobre o assunto, mas o jornal não tinha outra pessoa para mandar. Eu queria fazer outros tipos de matérias. Política, economia, policial e começava a me sentir desprestigiado.

Mas faria bem uma viagem. Novos ares, novos assuntos. Cheguei ao hotel pra fazer check in quando ouvi alguém gritando “Salve Pedro de Oliveira!!”. Quando olhei para trás vi o Etiópia, Rei Momo do carnaval carioca. Etiópia, claro, era um apelido gozador porque o negão tinha mais de cento e cinquenta quilos. Abracei Etiópia e comentei que era uma boa surpresa vê-lo por lá. O homem disse que depois da folia do Rio e ainda participar dos carnavais de Uruguaiana e na Argentina precisava de um pouco de descanso.

Subi, deixei minhas coisas no quarto e aproveitando que ainda tinha algumas horas até o campeonato fui para piscina do hotel bronzear um pouco meu corpo branquelo. Estava lá com óculos escuros curtindo um solzinho quando tomei um banho sem nem saber de onde. Assustado, tirei os óculos e vi o motivo. Etiópia havia se jogado na piscina e a água foi toda em cima de mim.

O Rei Momo depois se sentou ao meu lado e educadamente comentei que lhe achava mais magro. O homem disse que já estava recuperando o tempo perdido e emagrecera por causa de uma louca. Fiquei curioso e perguntei que louca.

Pronto, mais uma história.

Etiópia era Rei Momo da cidade do Rio de Janeiro há mais de dez anos. Rei Momo é aquela figura bonachona, divertida, que comanda a folia. Geralmente é gordo, apesar da ditadura do politicamente correto às vezes tentar acabar com essa figura. No restante do ano Etiópia é vendedor de lojas de tamanho especial no SAARA, Rio de Janeiro. Local com várias lojas populares na rua da Alfândega.

Um dia Etiópia estava lá vendendo quando uma loira linda, corpo sarado, boca carnuda e bunda espetacular entrou na loja. O rei momo logo se ofereceu para atender e ela, que se chamava Carol, pediu pra ver roupas para seu pai. Etiópia mostrou algumas peças para Carol e ela se interessou por duas calças e quatro camisas. O vendedor assinou um papel e mandou que a mulher fosse até o balcão. Na hora de pegar o papel Carol olhou bem para ele e disse “conheço você”.

Etiópia perguntou se ela lembrava de onde. Carol parou alguns segundos pra pensar e respondeu “você é o rei momo!!”. O homem sorriu e respondeu com a cabeça que sim.

Carol abriu um sorriso e se disse emocionada em estar na presença do rei momo. Pegou seu celular e perguntou se poderia tirar uma foto com ele. O homem concordou e a moça pediu para que outro atendente tirasse a foto. O atendente tirou e Carol comentou com Etiópia que se lembrava de quando ele foi à Renascer de Jacarepaguá, ela é da ala da comunidade da escola. Completou dizendo que o achava um ótimo rei momo, um orgulho para a cidade.

Etiópia agradeceu palavras tão carinhosas e contou que no dia seguinte seria eleição da escolha do rei momo para o próximo carnaval e contava com a torcida de Carol. A moça sorriu agradecendo o convite e contando que estaria lá. No dia seguinte Carol estava no local como prometido e Etiópia mostrou samba no pé e que merecia ser novamente rei momo. A escolha foi previsível e o homem venceu de novo. Foi com amigos beber para comemorar, entre eles Carol e beberam até de madrugada. No fim da farra o rei momo perguntou se poderia levar a moça em casa, que prontamente aceitou.

Etiópia levou Carol até em casa e ao parar o carro decidiu arriscar e tentar um beijo. Custaria nada, mesmo tendo certeza que levaria um fora. Tentou e para sua surpresa foi correspondido. Sim. O cara tinha cento e cinquenta quilos e conseguiu pegar uma loura escultural. A verdade era que Carol estava gamadinha por ele e isso ficou claro desde que foi comprar as roupas.

O homem vivia um dos momentos mais felizes da vida. Reeleito rei momo, com uma namorada linda e queria aproveitar todos os momentos. No dia seguinte bem cedo ligou para Carol e lhe convidou para o cinema. De noite estavam no shopping para assistir o filme. Etiópia tentou comprar pipoca, mas a loira disse que não era necessário, pois jantariam depois.

O filme acabou e Etiópia verde de fome chamou Carol a um restaurante. Sentaram no local e antes que o rei momo fizesse o pedido Carol virou pro garçom e disse “dois pratos com saladas e dois sucos de beterraba ta?”. O homem nada entendeu e Carol pegou na mão do namorado dizendo “é para o seu bem”.

Etiópia tinha esperança de comer quando chegasse em casa, mas Carol foi junto com o namorado para seu apartamento. Pegou um saco preto e colocou dentro todas as guloseimas que tinha na casa. Logo depois pôs no lado de fora para os garis levarem. No dia seguinte bem cedo Carol acordou Etiópia. O negão assustado perguntou se a casa estava pegando fogo e a loura respondeu que não “iriam queimar calorias”. Mandou que botasse um short e camisa que iriam correr na praia.

Um pesadelo se iniciava na vida do rei momo. O homem foi obrigado a correr na praia e esbaforido ainda teve que passar em uma academia com Carol pra se matricular. Foram para o mercado comprar produtos light, frutas, legumes e voltaram ao apartamento de Etiópia. No local Carol deu ordens expressas para a empregada de qual teria que ser o cardápio do rei momo.

Etiópia tornou-se um rei momo triste, pior: cheio de fome. Todos invejavam o sambista por estar ao lado de uma mulher tão linda, mas o homem já entrava em desespero. Todos os dias era acordado cedo por Carol para correr na praia. Voltava e comia uma maçã. O almoço era salada e suco de beterraba, a janta pão integral com margarina diet. O inferno na Terra para um gordo.

Ainda tinha a academia todos os finais de tarde com um personal trainer sargentão. Uma hora de bicicleta, mais meia hora de esteira, meia de ginástica e mais meia usando aparelhos. Realmente Etiópia emagrecia a olhos vistos, mas mostrava tristeza, cansaço e nem conseguia sambar mais direito.

Carol se mostrou “mão de ferro”. O rei momo tentava subornar a empregada em vão. A mulher tinha medo de Carol e contou que não lhe ajudaria. Os amigos também não deixavam Etiópia comprar um “podrão” na rua. Nem comer escondido o coitado do homem conseguia. Etiópia estava insatisfeito, nada feliz e decidiu que reagiria.

Uma noite deu desculpa para Carol contando que não poderia sair. Contou para namorada que estava doente, ela tentou ir para o local e o rei momo pediu que não fosse porque era catapora. Carol nunca tivera a doença, então achou melhor não ir. Etiópia saiu escondido e passou horas na rua. Voltou acompanhado conseguindo escapar da câmera da portaria e dando um dinheiro pro porteiro falando “você não viu nada”.

Subiu devagar com a companhia. Abriu lentamente a porta do apartamento e foi direto pro quarto.

Nesse meio tempo Carol se sentiu culpada e foi até o apartamento de Etiópia. Foi entrando no elevador dizendo ao porteiro que não precisaria anunciar. O homem em desespero ligou para o apartamento do rei momo que tão entretido no quarto não prestou atenção.

Carol tinha a chave e entrou no local chamando pelo namorado. Ninguém respondeu então foi direto ao quarto. Mexeu na maçaneta, abriu a porta e pegou Etiópia em flagrante…

.. .atracado com uma pizza gigante calabresa.

Carol deu um grito “Etiópia, seu traidor!!” e o homem pego com a boca na botija ou melhor na pizza não tinha o que dizer. Apenas falou..

“Amor, não é nada disso que você está pensando”.

Dessa forma o rei momo Etiópia perdeu a namorada.

Mas reconquistou a liberdade.

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