rei momo rio 2013 igAbrindo a semana do Ouro de Tolo, a coluna “Histórias Brasileiras”, do historiador e professor Luiz Antonio Simas, conta as origens da Majestade do carnaval, o Rei Momo.

Na foto (crédito: iG), a corte do carnaval carioca para 2013.

A Majestade do Carnaval

Alguém aí já ouviu falar do jornalista Moraes Cardoso?  Pois o sujeito em questão foi, simplesmente, o primeiro Rei Momo da história do Carnaval do Rio de Janeiro, no início da década de 1930. Cronista de turfe do jornal A Noite, balofo de proporções vesuvianas, com o espírito galhofeiro, Moraes Cardoso foi escolhido pelos colegas de redação para desfilar pelas ruas da cidade durante o tríduo, representando o famoso monarca da folia. A coisa funcionou e, até 1948, quando ‘cantou para subir’, o jornalista representou a majestade do furdunço carnavalesco.

Esclareço aos foliões de plantão: o Rei Momo é um personagem oriundo da mitologia grega; conhecido como o filho do Sono e da Noite.  Galhofeiro, sacana, irreverente, ele atazanou a paciência dos outros deuses até conseguir ser expulso do Olimpo pelo próprio Zeus, o rei da cocada preta de lá. Momo não queria fazer nada de útil, preferindo passar os dias a se divertir, comer e tomar vinho. Foi deportado para a terra!

Ao chegar por aqui, Momo começou a se apresentar nas cidades tirando a máscara, erguendo um estandarte festeiro e tocando guizos que convocavam os homens para arruaças, porrancas e orgias. Tudo era permitido nos locais em que o deus exilado levantava o seu estandarte.

Na Roma antiga, à época das grandes festas saturnais, escolhia-se alguém, em geral um soldado, para representar o zombeteiro Momo. O escolhido era coroado e tinha o direito de comer, brincar e encher a cara até o esgotamento. Era, depois disso, desmaiado de tanto vinho e comida, conduzido ao altar de Saturno e gloriosamente sacrificado ao deus.

O personagem Rei Momo foi, portanto, um glutão e bebedor insaciável na tradição mitológica. O primeiro Rei Momo carioca, Moraes Cardoso, honrou a coroa com um apetite pantagruélico e o físico de um cachalote. Era o que, em tempos politicamente incorretos, chamaríamos de rolha de poço, balofo, orca, Dona Redonda…

Não se justifica, portanto, uma tendência perigosa que vem tomando conta de alguns carnavais no Brasil: a da escolha do Rei Momo sarado, malhador, com pouco percentual de gordura e outros salamaleques. Em 2011, por exemplo, a prefeitura do Recife – terra de um dos maiores carnavais do mundo – emitiu a seguinte nota:

Numa época em que prezamos a saúde da população, a Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) acredita ser contraditório estimular o desenvolvimento da obesidade nos homens que desejam assumir o posto de soberano do Carnaval. E nesse sentido, muita gente aplaude a decisão da PCR, que no seu 47º Baile Municipal do Recife, no Chevrolet Hall, escolherá um Rei Momo com silhueta esbelta e músculos bem definidos.

Belo Horizonte, São Paulo, Salvador e o próprio Rio de Janeiro, em tempos mais recentes, andaram com essa maluquice de valorizar o físico saudável como critério de escolha do monarca. Aqui, ao menos, parece que essa determinação caiu por terra e o Rei Momo atual até que é gordinho: mas não passa disso.

Nos meus tempos de moleque, e muitos leitores do Ouro de Tolo certamente podem confirmar o que relato, o Rei Momo carioca era escolhido em um concurso fabuloso, que abalava os alicerces do Largo da Carioca. Os candidatos ao mais alto posto da nobreza brasileira devoravam quantidades inacreditáveis de frangos de padaria, se esbaldavam com travessas de macarrão, comiam centenas de doces, encaravam engradados de cerveja e, depois do banquete profano, se exibiam para mostrar o samba no pé. Tudo isso no verão carioca, com temperaturas senegalescas.

Esclareço ainda que os glutões sambavam devidamente acompanhados de moças em trajes sumários, candidatas ao posto de rainha e princesa do Carnaval. Não sei como não morreu ninguém durante um concurso desses.

Deixemos, pois, de invencionices cretinas.

O Carnaval de rua é uma festa de inversão dos padrões sociais desde, pelo menos, a Idade Média. Durante os dias de folia há que se subverter a ordem estabelecida. Foi esse o sentido que a própria Igreja Católica deu ao fuzuê, ao admitir que as pessoas pintassem o sete e se despedissem da carne antes dos rigores da quaresma (aí está, na expressão despedida da carne, a origem latina da palavra Carnaval).

O Carnaval é, portanto, a hora em que guardamos no fundo do armário os nossos trajes civis e retiramos dos cabides as fantasias de piratas, jardineiras, odaliscas, faraós e beduínos alucinados. O rei Momo é o ícone desta ideia de inversão; não pode, portanto, submeter sua realeza aos ditames da regra, ao politicamente correto em sua face mais boba.

Clamo aos amigos, com este arrazoado, que só respeitem as majestades carnavalescas balofas, suadas, empanzinadas, com o corpinho de uma chupeta do Vesúvio. Que os homens do poder pintem e bordem com a imagem da Rainha Elizabeth, com o nariz do Príncipe Charles, com as barbas de Dom Pedro II e com os chifres do Duque da Cornoalha. Mas respeitem Momo.

Só os desregrados, afinal, merecem dos súditos da folia a reverencia e a saudação devidas aos verdadeiros monarcas do povo: Evoé!

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