Ao contrário do que ocorria no início deste blog/revista eletrônica, ultimamente não tenho conseguido resenhar todas as minhas leituras neste espaço. Falta tempo, às vezes falta paciência e, de tempos para cá, ando bastante caótico em minhas leituras, muitas vezes com quatro, cinco livros ao mesmo tempo.

Entretanto, este “O Sequestro da América”, do pesquisador e cineasta Charles Ferguson, não poderia faltar. Primeiro por mostrar uma visão dos Estados Unidos a qual não estamos acostumados, segundo por explicitar algumas razões que causaram a crise econômica americana não somente pelo lado dos agentes do mercado financeiro, mas pelo da política e da academia. E, terceiro, por mostrar um quadro onde os Estados Unidos estão se tornando social e economicamente um país não muito diferente de muitos do terceiro mundo.

Ferguson, para quem não ligou o nome à pessoa, é autor do excelente documentário “Trabalho Interno” (Job Inside), que já resenhei neste blog. No livro ele aprofunda questões debatidas e explica de forma mais detalhada como a “bolha” no mercado imobiliário se formou, cresceu e explodiu, causando uma crise não somente nos mercados financeiros como nas economias “reais”, não somente nos Estados Unidos.

Em muitos momentos até para mim que sou economista o texto se torna árido, pois os produtos financeiros criados pelas instituições eram por natureza intrincados. Títulos gerados por hipotecas reais, de baixa qualidade, foram seguidos por títulos “sintéticos”, baseados em apostas, muitas vezes contra o produto “real” que era vendido. Como as remunerações dos agentes eram em curtíssimo prazo, o que importavam eram lucros crescentes, ainda que comprometendo a continuidade futura das instituições.

Com isso, passou-se a fornecer financiamentos imobiliários de risco cada vez maior, muitas vezes para contratantes que não teriam financiamentos aprovados em um sistema racional de crédito. Utilizava-se muito o sistema de “renda declarada”, onde o contratante dizia a renda que tinha – e nada era averiguado. Entre outras transgressões.

Como os bancos em geral pegavam estes empréstimos (chamados de “subprime”), reembalavam em outros outros produtos financeiros e os revendiam, o risco da inadimplência se concentrava em quem comprava estes produtos financeiros. O livro deixa claro que os bancos de investimento sabiam que estes “produtos” eram lixo, com risco altíssimo, mas a própria estrutura organizacional os fazia cada vez mais ampliar este tipo de produto financeiro.

Outro aspecto chocante é ver como os operadores de mercado e os CEO destas instituições financeiras sabiam que havia uma bolha e que provavelmente estavam destruindo a instituição em que trabalhavam. O raciocínio era de que os ganhos pessoais de curto prazo eram tão elevados que permitiriam que tais agentes amealhassem uma fortuna considerável antes que a bolha estourasse, ou seja, poderiam sair incólumes financeiramente de doloroso processo – deixando a outros a conta a ser paga.

O leitor deve estar se perguntando: e o governo americano, não puniu ninguém? Não.

Talvez um dos momentos mais claros do exemplar é a descrição de como o mercado financeiro americano “se apropriou” dos órgãos de controle destas mesmas instituições, bem como dos dois partidos políticos dominantes na América. Nos dias de hoje, 0,01% da população americana, os mais ricos, controlam 24% das doações financeiras aos partidos Democrata e Republicano, que se comportam de forma cada vez mais parecida em termos econômicos e em especial nas políticas voltadas aos grandes trustes e ao mercado financeiro. Basta se ver que os principais ocupantes de cargos na área econômica do governo americano são oriundos destes agentes financeiros que fraudaram a economia – ou seja, não houve punições virtualmente a ninguém.

TioSamMENDIGOTambém entra neste balaio o comportamento da academia americana, onde os principais especialistas das mais prestigiosas universidades foram cooptados a fim de defender os interesses destas corporações. Em português claro, muitos especialistas foram comprados por estes grandes bancos de investimento a fim de publicar trabalhos acadêmicos defendendo muitas vezes o indefensável. Por outro lado, grandes universidades possuem entre seus principais doadores de recursos exatamente estes mesmos agentes causadores da crise econômica, o que torna mais difícil atrelar a pesquisa científica neste campo a causas justas à maior parte não somente da população americana como à mundial.

Um bom exemplo apresentado é o fato de que três meses antes da quebra da Islândia um renomado acadêmico escreveu sobre a “solidez do sistema financeiro local”. Deu no que deu: os bancos quebraram, o país quebrou, e o que era uma nação com sólidos indicadores econômicos e sociais teve seu futuro comprometido por décadas – e por um governo de direita.

Mas os capítulos finais do livro talvez sejam os mais polêmicos. O autor descreve a deterioração econômica e especialmente social dos Estados Unidos nos últimos anos, mostrando que seus indicadores, muitas vezes, são semelhantes – e até piores – a de países de Terceiro Mundo. O mesmo 0,01% mais rico que citei anteriormente controla hoje 6% da renda nacional norte americana, e com concentração de renda subindo. É o mesmo extrato que se apoderou do poder político e econômico e que determina as políticas em seu benefício, ainda que em prejuízo da maioria esmagadora da população.

Soa familiar ao leitor?

Mais: a educação americana se deteriorou de tal forma nos últimos anos que não é exagero afirmar que, em média, a educação americana tem uma qualidade pior que a brasileira. É um quadro parecido com o nosso: um sistema educacional de alta qualidade para a elite e um de baixa qualidade para as camadas mais pobres. O autor chega a afirmar que a sociedade americana está se tornando uma sociedade de castas, onde a condição social de nascimento determina o futuro do indivíduo – ao contrário da histórica característica local de dar a todos as mesmas oportunidades.

Ferguson chega a citar no final que os EUA estavam se transformando “em um Brasil”. Entretanto, imediatamente ele afirma que o Brasil vem nos últimos anos reduzindo a desigualdade social e aumentando as oportunidades, de modo que a comparação seria imprópria. O Brasil teria uma situação econômica e especialmente social melhor hoje.

Estou longe, bem longe de esgotar os assuntos aqui, mas é surpreendente verificar que, hoje, os Estados Unidos estão em uma situação média pior que a brasileira em termos de desigualdade e indicadores sociais. A crise de 2008 trouxe uma rápida deterioração dos indicadores do “Tio Sam”, em especial quando pensarmos em termos de condições de vida da população como um todo.

Bom, na Livraria da Travessa o livro custa R$48. É leitura em muitos pontos árida até mesmo para economistas como eu, mas indispensável para se entender que o senso comum sobre os Estados Unidos não corresponde à realidade atual.

Abaixo o leitor pode conferir a íntegra de “Trabalho Interno”, com legendas.

2 Replies to “Resenha Literária – “O Sequestro da América””

  1. Estou lendo e gostando muito do livro! Me interessei quando vi seus tweets comentando. Já havia assistido o Job Inside e é impressionante a lista dos responsáveis pela crise e que continuam ocupando cargos importantes, tanto na iniciativa privada quanto nos órgãos de controle do governo. O Ferguson aprofunda bem o tema nesse novo livro e a leitura tem que ser atenta mesmo para não se perder entre o emaranhado de operações financeiras realizadas.

  2. Eu acredito que existe sempre uma soluçao para todos problemas mundial se consegue mudar se todos os governante deste planeta parassem so um pouco e se lembrassem que a vida e mais importante que tudo ,porque tudo se e colocado na mente das pessoas atraves de neuro ipinose,se vende ilusao para as pessoas e elas acreditam .as pessoas vivem como animais .so tem um jeito de mudar isto .so tem um jeito de mudar isto ,mudar o sistema de ensino ineterplanetario para ensino quantico .

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