http://www.youtube.com/watch?v=YamDhfIi6Hs

No último feriado assisti, em DVD, ao documentário “Trabalho Interno”, vencedor do último prêmio Oscar na categoria “melhor documentário”. Não tenho assistido a muitos filmes mas este, pelo tema, me interessou bastante.
Até pela minha profissão a recente crise econômica mundial tem me interessado bastante. Somente aqui neste blog resenhei “Enganados” e “O Mundo em Queda Livre”, livros; e “Capitalismo: Uma História de Amor”, outro documentário sobre o tema.
Este “Trabalho Interno” tem um perfil mais técnico, por assim dizer. Mas ainda assim é um retrato assustador de como os Estados Unidos se curvaram a Wall Street, centro financeiro do país. E, pior, arrastando boa parte do mundo desenvolvido junto – o Brasil foi uma das poucas exceções. Em vários momentos do filme me peguei soltando palavrões de espanto com os absurdos que ocorreram, primeiro para se chegar à crise e depois no enfrentamento desta.
De forma didática o documentário mostra como a ganância de poucos levou a uma “bolha” no mercado imobiliário americano. E, a partir daí, o jogo de lobby e de pressão exercidos pelos representantes do setor financeiro de forma a evitar punições, processos judiciários e a regulamentação da atividade financeira americana.
A base da crise teve origem em empréstimos de risco altíssimo concedidos por empresas americanas para a compra de casas, com juros absolutamente extorsivos e hipotecas impagáveis. Estes eram “reembalados” em produtos financeiros (derivativos) sofisticados, revendidos a instituições financeiras de outros países como se fossem empréstimos “triple AAA” – ou seja, investimentos tão seguros quanto os títulos do Tesouro Norte Americano, considerados os de menor risco do mundo.
Por outro lado, a seguradora AIG desenvolveu um “produto” atuário que era uma espécie de “seguro” contra o risco de calote destes empréstimos. Se os clientes não pagassem a seguradora honraria o valor segurado nos prêmios.
Complementando a verdadeira “bomba relógio”, os próprios bancos de investimento que “reembalavam” estes empréstimos de altíssimo risco passaram a comprar este produto da seguradora americana. Ou seja, estavam apostando contra o próprio produto que vendiam, ou sendo mais claro: os empréstimos vendidos como “seguríssimos” eram considerados não somente passíveis de apostas contra seu pagamento como, em memorandos internos, classificados como o que realmente eram: um produto fadado ao calote.
Complicado, leitor? Então vamos ser didáticos: o mutuário tomava um empréstimo para a compra de sua casa própria sem a comprovação dos documentos necessários, em um valor muito mais alto que sua renda permitiria e em taxas de juros de cálculo complicado e absolutamente escorchantes. Ou seja, mais cedo ou mais tarde o calote se tornaria inevitável.
A concedente deste empréstimo conscientemente ignorava (omitia) o risco destes empréstimos habitacionais e vendia os direitos destes a grandes bancos de investimento de Wall Steet. Estes “empacotavam” os recebíveis destes empréstimos em derivativos – produtos financeiros sofisticados – e os revendiam a bancos de todo o mundo. Por exemplo, um mutuário em Denver poderia, na prática, estar devendo a um banco inglês ou islandês.
Entendeu? Pois é, agora vem a segunda parte: a seguradora AIG vendia um seguro contra o risco de calote destes produtos derivativos, os empréstimos “sub prime” travestidos de “triple AAA”. Em um determinado momento os mesmos bancos de investimento que vendiam estes produtos como “seguros” passaram a comprar em massa os referidos seguros: ou sejam, estavam apostando contra os próprios clientes.
Os riscos eram imensos: um calote nos empréstimos, lá na ponta, faria estes produtos perderem o valor para os clientes e depreciaria seus ativos – causando o risco de falência. Por outro lado, estes acionariam seus seguros e deixariam a AIG em situação muito complicada.
Completando o quadro, a concessão indiscriminada de empréstimos fez o preço dos imóveis americanos subir muito, gerando um maior “valor financeiro” e fazendo muitas famílias refinanciarem suas casas a fim de pegarem o valor excedente para consumir – sem se importar com as condições impagáveis a médio e longo prazo.
Na prática, o que havia era uma espécie de “corrente financeira” (os leitores mais antigos sabem do que falo) onde a entrada de novos incautos financiava os mais antigos. Falando com a linguagem do filme, é uma espécie de “esquema Ponzi”, onde os rendimentos eram pagos com os capitais dos novos entrantes.
Paralelamente, os executivos destes bancos infiltravam-se no governo americano e nos órgãos de regulação de forma a impedir a ação regulatória e a garantir salvaguardas – em um caso clássico de “porta giratória”. Além disso, quanto mais altas as taxas de juros cobradas maiores os bônus para os executivos financeiros – um caso curioso de renda vinda do ato de prejudicar o cliente.
Como diria o filme “Tropa de Elite”: “Capitão, vai dar merda.”
Deu.
Em um determinado momento estes empréstimos começaram a ficar impagáveis e a gerar um calote generalizado. Alavancados, os bancos de investimento norte americano ficaram em dificuldades e a “quebra” do banco Lehman Brothers desencadeou um processo de pânico nos mercados globais – que estavam “comprados” nestes derivativos sem valor – agravado pela posterior quebra da seguradora AIG (os seguros contra estes empréstimos se transformaram em um sinistro de grandes proporções).
Complementando, os empréstimos de curto prazo de uma maneira geral foram suspensos e muitas empresas que por suas características utilizavam linhas de crédito de curto prazo como “capital de giro” passaram por sérias dificuldades financeiras. Com isso muitas tiveram de demitir funcionários e mesmo fechar as portas, o que causou uma crise imensa na chamada “economia real”, na qual boa parte do mundo desenvolvido está imersa até o momento em que escrevo.
O filme mostra ainda que as consequências para Wall Steet foram quase nulas, com os principais responsáveis pela crise não somente saindo impunes como ainda mais ricos. Boa parte do socorro do governo americano acabou na forma de bônus por “bom desempenho” aos mesmos executivos que causaram o desastre.
Além disso a AIG foi nacionalizada e não houve qualquer tipo de regulação efetiva do mercado após a crise – óbvio: todos os postos chave da economia eram ocupados por egressos de Wall Street. Em português claro, acabou em uma enorme pizza, apesar das comprovadas fraudes e gestão temerária.
Dois aspectos pouco falados são enfocados pelo filme: o papel das empresas de rating e os economistas acadêmicos que ganham uma fortuna prestando consultoria a estas empresas – muitas vezes com pareceres “encomendados”.
O primeiro caso é claro: empresas que deveriam alertar para a má qualidade dos derivativos em questão acabaram de certa forma “cooptadas” e participaram efetivamente da fraude. Trabalhei em rating durante praticamente seis anos e sei que muitas vezes o cliente fazia pressão por uma avaliação mais favorável, embora jamais tenha visto isso se confirmar.
Quanto às universidades, fica claro por um lado o papel “direcionador ” das escolas de Economia para o mercado financeiro e também a atividade dupla de vários de seus próceres na vida acadêmica e no mercado – resvalando na fraude.
Fico longe de esgotar aqui os assuntos do documentário, mas é indispensável para entender a atual crise. E impossível não se indignar. Apesar de algumas vezes escorregar na linguagem técnica.
Para saber mais:

9 Replies to “Trabalho Interno (Job Inside) – Uma Resenha Técnica”

  1. Ótima explicação para o documentário que para quem não entende a linguagem técnica, ficou claro!

  2. Sou aluno da Puc e estou fazendo um trabalho sobre esse filme, sua resenha me ajudou muito, obrigado

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