Nesta quinta feira, a coluna “Sabinadas”, do jornalista Fred Sabino, traça um perfil da retomada da carreira de Felipe Massa e de suas perspectivas.
Aproveito para fazer um desabafo de quem gosta de automobilismo. Todo mundo que acompanha e gosta de Fórmula 1 sabe que a categoria sempre teve um certo nível de falcatrua, seja através de interpretações “criativas” do regulamento ou mesmo de práticas pouco recomendáveis.
Só que a união Alonso e Ferrari elevou o nível da canalhice – o termo é forte, leitores, mas não encontro outro – a um patamar inimaginável. Dick Vigarista ficaria com inveja do piloto que afirma “não tenho milagres, faço dos milagres minhas leis” e da equipe que tem como lema “os fins justificam os meios”.
Lembro aos amigos que o tricampeão Vettel afirmou na coletiva pós título que “eu aprendi a ser honesto” e que “os outros tentaram de tudo para nos derrotar, mas aprendi a fazer as coisas do modo certo”. Em um mundo onde as declarações dos pilotos são muito pasteurizadas, é um bom exemplo da repulsa que as atitudes da Ferrari e de Alonso causaram mesmo em um meio bastante aético como é o da Fórmula 1.
Ao leitor que deseja conhecer quem é Fernando Alonso sugiro a leitura da biografia Bernie Ecclestone, já resenhada neste blog.
Que fique claro: as palavras acima são de minha responsabilidade, não do colunista. Vamos ao texto.

O primeiro passo de Massa
Já há algum tempo venho prometendo uma coluna analítica sobre Felipe Massa. Pois bem, chegou o momento.
Não vem ao caso aqui ficar comentando sobre a questão do, digamos, jogo de equipe empregado pela Ferrari nas últimas temporadas – que fique claro: não concordo com a maioria dos expedientes usados. Para quem gosta de automobilismo é um tanto redundante ficar ‘chovendo no molhado’ com essa história.
Portanto, falemos tão e somente sobre o desempenho de Felipe Massa. Vale, é claro, lembrar a sua carreira para contextualizar o atual momento.
Felipe chegou à Fórmula 1 no começo de 2002, após a conquista do título da Fórmula 3000 Italiana, uma categoria nem tão badalada assim. No entanto, o inegável ótimo desempenho e a parceria com o empresário Nicolas Todt, filho do então chefe da Ferrari, Jean Todt, proporcionaram um contrato com o time italiano. Este “emprestou” Massa para a Sauber, cujo carro era empurrado pelos motores de Maranello.
No primeiro ano, Felipe pontuou logo na segunda corrida, na Malásia (na época só seis pontuavam, o que realça a façanha dele), mas alternou outras boas exibições com erros. Ainda desobedeceu a uma ordem da equipe para ceder uma posição a Nick Heidfeld em Nürburgring, o que irritou profundamente Peter Sauber. Após uma batida com Pedro de la Rosa em Monza, foi suspenso para a corrida de Indianápolis. Depois, bateu no Japão e foi dispensado.
Com a reputação em baixa, virou piloto de testes na Ferrari, numa época em que eles ainda eram valorizados. Com a cabeça no lugar, aprendeu, aprendeu e aprendeu o máximo que pôde com Michael Schumacher e Rubens Barrichello. Entendeu melhor o funcionamento de um carro de F-1 e, principalmente, manhas de acerto, e foi reconduzido à condição de titular na Sauber.

Aí Felipe renasceu.
Em 2004, cometeu bem menos erros e, embora tenha marcado menos pontos do que o experiente Giancarlo Fisichella, deixou impressão bem melhor do que em 2002. No ano seguinte, superou o campeão mundial Jacques Villeneuve e teve excelentes atuações, como no Canadá, onde segurou o Williams bem mais veloz de Mark Webber e terminou em quarto. Com isso, pavimentou o caminho rumo à vaga de titular na Ferrari, substituindo o insatisfeito Barrichello.
Embora sempre veloz, Massa começou errático o primeiro ano de Ferrari. Mas foi crescendo, crescendo e, num ano em que Fernando Alonso e Michael Schumacher estavam em forma exuberante, acabou beliscando poles e vitórias convincentes na Turquia e no Brasil. Isso confirmava que era, de fato, um piloto de equipe grande. Com a primeira aposentadoria de Schumacher, Felipe estava garantido em 2007, ao lado do sempre forte Kimi Raikkonen.
Todos se apressaram em dizer que o Homem de Gelo iria congelar Massa (perdoem o trocadilho), mas não foi assim. Felipe teve erros pontuais, mas dominou e venceu corridas. E estava na frente do finlandês na tabela até faltarem cinco das 17 corridas.
Mas uma falha mecânica ridícula na suspensão do carro em Monza, quando Massa também estava à frente tirou pontos preciosos e inevitavelmente Kimi foi o escolhido para encarar os “companheiros” Lewis Hamilton e Fernando Alonso e a fortíssima McLaren. Em meio à implosão do time inglês após a divulgação do escândalo de espionagem, Hamilton desligou o cérebro, Alonso foi prejudicado pelo próprio time e Kimi aproveitou. Mas Felipe não saiu com a reputação arranhada.
O ano de 2008 foi o mais marcante da carreira de Felipe. Ele começou mal de novo a temporada, com duas não-pontuações. Mas depois, com segurança e atuações novamente convincentes, o brasileiro venceu seis provas e o título bateu na trave. A postura dele após o revés, agradecendo à torcida em Interlagos e reconhecendo a vitória de Lewis Hamilton, foi exemplar. Só que o que era para ser a consolidação de Massa como candidato constante a tíutlos acabou sendo o começo de um calvário.
Tudo começou com um problemático carro feito pela Ferrari para 2009. Como o time italiano (além de McLaren, BMW Sauber e Renault) optou pela nova tecnologia do Kers (sigla em inglês para sistema de recuperação de energia cinética, em que a energia armazenada nas freadas é reaproveitada como potência para o motor), a equação toda ficou problemática para o time de engenheiros devido ao aumento de 30 quilos do peso do carro.

Outros fatores, como a volta dos pneus slicks e os polêmicos difusores duplos adotados por Brawn, Toyota e Williams jogaram a Ferrari para trás e tanto Felipe como Kimi Raikkonen sofreram na primeira metade do ano. Aos poucos, Felipe reagiu, sempre marcando mais pontos do que o finlandês, e era o quinto colocado no campeonato, atrás das duplas de Brawn e Red Bull. Antes do infeliz treino classificatório do GP da Hungria…
O acidente em Hungaroring, do ponto de vista puramente clínico, não deixou sequelas segundo os médicos e o próprio Felipe. No entanto, Nelson Piquet, que teve um grave acidente em 1987 e demorou a recuperar os reflexos, acha que não e sempre diz que a queda de rendimento de Massa se deveu ao acidente.
De qualquer forma, Massa voltou no começo de 2010, desta vez com a indigesta companhia de Fernando Alonso. No começo, o brasileiro chegou a liderar o campeonato, mas, aos poucos, o espanhol começou a ser constantemente mais veloz.
Na Alemanha, exatamente um ano depois do acidente, Massa foi obrigado pela Ferrari a ceder a liderança a Alonso.
Mais do que o acidente em si, para mim o grande fator para a queda acentuada de Massa nos anos seguintes foi o episódio de Hockenheim. A confiança, que já estava em xeque pela pressão exercida sobre Alonso dentro e fora da pista, foi abalada de vez.
Some-se a isso a própria dificuldade que os pilotos tinham para conduzir os carros da Ferrari produzidos nesta fase – o próprio Alonso, em forma exuberante, não teve como combater os fortíssimos Sebastian Vettel e a Red Bull desde então.
Aí veio uma reação em cadeia.
Felipe sempre sustentou que a pressão da imprensa, da torcida e a constante boataria envolvendo outros pilotos não o afetaram. Mas fato é que desde 2010 Felipe vinha tendo pouquíssimas atuações de destaque, o que reduzia ainda mais a confiança. Pior: Alonso, de um jeito ou de outro, dava um jeito de tirar leite de pedra. Este ano, o quadro parecia irreversível, pois Massa vinha pior do que nunca e a renovação com a Ferrari se mostrava dificílima. Mas…

Massa reagiu, enfim.
Evidentemente o trabalho com os engenheiros nas férias de agosto ajudou Felipe a ter mais confiança no carro e a atacar mais na pilotagem. Mas a postura dele também mudou para melhor. Claramente para quem acompanha a Fórmula 1 de perto o ano todo, Massa passou a se preocupar menos com o externo e se concentrou como há muito não se via. E, como aquele atacante que passa um jejum de gols e desencanta, Felipe cresceu.
Os resultados logo apareceram, tanto que na reta final do campeonato deste ano, Felipe incomodou Alonso. Classificou-se três vezes à frente do espanhol no grid. Uma delas, nos EUA, não valeu nada porque a Ferrari provocou uma punição após o treino de sábado para dar um posto a mais ao espanhol, que largaria do lado limpo da pista – e teve de ceder posições ou não atacar Alonso na Itália, Coreia do Sul, EUA e Brasil.
[N.do.E.: esta é uma dúvida que tenho para 2013: Massa poderá chegar à frente de Alonso nas corridas ou terá sempre de ceder a posição independente da situação ou do estágio do campeonato?]
Em Interlagos, aliás, pude ver pessoalmente um semblante para lá de positivo em Felipe, que estava feliz com a esposa e o filho andando pelo paddock. A ótima corrida de Austin, onde ele largou em 11º e chegou em quarto, colado em Alonso, deu uma grande injeção. E a corrida de Felipe em Interlagos foi excepcional, no nível da época anterior ao acidente.
A começar pela largada, na qual Felipe ganhou três posições e pulou para segundo. Depois, num jogo de equipe aí sim dentro do aceitável pelas circunstâncias, Massa atrasou Mark Webber e permitiu que Alonso pulasse para segundo. Na sequência, em uma péssima decisão estratégica da Ferrari, caiu para 14º. Mesmo assim, Felipe não desistiu e voltou ao segundo lugar. Depois, outra cessão de posição a Alonso, também normal, e um emocionado terceiro lugar – Felipe chorou no pódio.
O que dá para concluir depois desse longo (confesso) texto é que o primeiro passo Felipe Massa deu para voltar a ganhar corridas: ou seja, ter confiança para estabelecer um ritmo de corrida veloz e realizar ultrapassagens arrojadas. Não fez mais porque, nesta altura do campeonato, era inevitável trabalhar para Alonso pelas posições na tabela. Nas nove corridas que encerraram o campeonato, Massa fez quase tantos pontos quanto Alonso (114 a 97, diferença aproximadamente de um segundo lugar) e tendo de ceder posições.
Mas, para que o torcedor brasileiro recupere definitivamente a confiança (olha a palavra confiança aí de novo), Felipe tem de se concentrar em começar bem a temporada-2013 e pontuar de forma sólida e convincente. Estando bem na tabela, na pior das hipóteses bem próximo de Alonso, Massa pode finalmente evitar as situações constrangedoras que vimos nos últimos anos.
Vocês podem perguntar, com razão: então está tudo bem e aquele Massa de 2007/2008 definitivamente voltou? Não sei, é impossível prever. Mas um primeiro passo foi dado.
Aguardemos.
Fotos, na ordem:
Pódio do GP do Brasil de 2008
Pódio do GP do Brasil de 2012
Massa colado em Alonso no GP do Brasil de 2012
Acidente de Massa nos treinos do GP da Hungria de 2009
Pódio do GP da Alemanha de 2010
Fotos Ferrari/Divulgação exceto a do acidente (reprodução da internet)

One Reply to “Sabinadas – "O primeiro passo de Massa"”

  1. Muito boa resenha sobre o Massa. Concordo que o acidente pesou demais na queda de performance. Mesmo não sendo muito simpático ao piloto, espero sinceramente que ele retome o caminho das vitórias. Não ter ninguém para torcer na F1 (ou melhor, ficar só secando o babaca do Fernando Alonso) tá chato.

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