Nesta quarta feira, a coluna “História e Outros Assuntos”, do Mestre em história Fabrício Gomes, fala sobre a Revolução Iraniana de 1979 e a sua perspectiva a partir do filme “Argo”.

O colunista, a propósito, é autor do livro “Sob a sombra das Palmeiras: o ISEB, os militares e a imprensa (1955-1964)”, que pretendo resenhar proximamente e que pode ser comprado aqui.

Vale lembrar aos leitores que a Revolução Islâmica, comandada pelo Aiatolá Khomeini, contava com amplo apoio popular na ocasião. Khomeini retornou do exílio em paris para assumir o poder literalmente nos braços do povo, que era contra o regime impopular comandado pelo Xá.
Embora não sejam livros específicos sobre o assunto, “Confissões de um Assassino Econômico” e especialmente “O Petróleo – Uma História mundial de conquistas, poder e dinheiro” (ambos já resenhados neste blog) traçam um excelente panorama da história iraniana no Século XX, que é muito interessante.
Petróleo, alias, que é indispensável para se explicar a história do país persa – e não árabe, como muitos pensam. Passemos à coluna, após a foto.

Argo e a Revolução Iraniana Revisitada
Em 4 de novembro de 1979, a embaixada estadunidense em Teerã foi invadida por centenas de estudantes iranianos e fundamentalistas islâmicos radicalmente contrários às interferências da política externa dos EUA no país, que vinham ocorrendo desde 1953, quando o Xá Reza Pahlevi fora restaurado ao poder no Irã com o apoio estadunidense e britânico – de olho nos interesses petrolíferos na região.
O Xá governava o país desde 1941, mas em 1953 deixara rapidamente o Irã, neste momento comandado pelo primeiro-ministro Mohammed Mosaddeq – um nacionalista, contrário às interferências estrangeiras no país e simpático à hierarquia islâmica xiita. Mosaddeq nacionalizara as companhias de petróleo e fizera Pahlevi abdicar. No mesmo ano, com forte apoio logístico dos EUA, o Xá retornou e reassumiu o poder que lhe fora temporariamente tomado.
O Xá governou o Irã com mão-de-ferro desde então, combatendo o clero xiita. Seu principal sustentáculo no poder era a Savak – sua polícia secreta -, responsável pela censura, por prisões, torturas, desparecimentos e assassinatos de opositores ao regime. Uma espécie de Guarda Pretoriana criada e concebida em 1957 com o auxílio da CIA, e que chegou a ter, em seus quadros, mais de 60 mil agentes, assombrando o Irã até 1979.
Em 1979 aconteceu a Revolução Iraniana, que aboliu o sistema de governo autocrático de Reza Pahlevi, substituído por uma República Islâmica. A principal crítica ao regime anterior, além da ditadura do Xá, residia na crescente ocidentalização do país, em progresso desde 1975, quando Reza Pahlevi decidira diminuir o papel do islamismo no cotidiano do reino, ressaltando as conquistas das civilizações pré-islâmicas, como por exemplo, a civilização persa.

 

Outra medida que sofria forte oposição entre os xiitas fora a substituição do calendário lunar pelo calendário solar. O governo iraniano tinha nos EUA seu maior fornecedor de armamentos e as únicas camadas sociais beneficiadas pelas reformas implantadas pelo Xá foram a elite e os funcionários de altos escalões que trabalhavam nas multinacionais do petróleo.
O regime feudal fora também abolido – com os líderes religiosos perdendo suas terras – e as mulheres passaram a ter direito a voto – fato encarado como uma afronta pelos xiitas. De tal modo que se agradava uma pequena parcela da população, por outro despertava grande indignação na maior parte do país. A população pobre era justamente a parcela mais religiosa e menos ocidentalizada.
A comemoração dos 2500 anos do Império Persa, em 1971, foi outra gota d´água em um copo que estava em vias de transbordar. Ao custo de cerca de US$ 300 milhões, as comemorações afrontavam o cotidiano dos mais pobres. Fontes apontam que entre as várias extravagâncias ocorridas, destaca-se o preparo de uma tonelada de caviar por 200 chefs vindos de Paris, entre outras.
Portanto, a Revolução culminaria em fevereiro de 1979, quando o Xá já não estava mais no país (deixara o Irã no mês anterior). O principal líder islâmico, que guiou o país para a adoção de um regime teocrático – um sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de alguma religião, podendo ser exercido direta ou indiretamente pelos clérigos de uma religião, foi Ruhollah Khomeini – o aiatolá Khomeini – exilado na França desde 1964.

 

Tudo isto serve como introdução ao filme “Argo”, dirigido por Ben Affleck. 
Quase trinta anos cruciais da história do Irã – e suas conturbadas relações com os EUA – são apresentados aos espectadores, logo no início deste filme, de forma didática e com imagens reais, da época, de modo que servem de introdução para a história (verídica) que o diretor quer mostrar: a invasão da embaixada estadunidense e os polêmicos desdobramentos ocorridos logo em seguida.
Estes culminariam (o filme não mostra isso) na derrota do democrata Jimmy Carter na reeleição à Casa Branca. Muitos analistas apontam que a desastrada tentativa de resgate dos 52 estadunidenses reféns, na embaixada, por helicópteros, na conhecida “Operação Eagle Craw” – que resultou na destruição de duas aeronaves e na morte de oito soldados dos EUA e um iraniano – foi fator que pesou para a vitória de Ronald Reagan naquele ano. Há indícios de que o próprio Reagan negociou com o governo iraniano para que a soltura dos 52 estadunidenses ocorresse somente após as eleições, o que de fato ocorreu – eles ficaram 444 dias reféns na embaixada.

A maior dificuldade que Affleck enfrentou para realizar esse filme é paradoxal: o pouco conhecimento público pela história – sim, esse episódio permaneceu secreto até recentemente. Também pesou o perigo de se cair na costumaz armadilha ufanista e patriota dos filmes produzidos nos anos 1980 – nos estertores da Guerra Fria (lembrando que sim, a URSS apoiou inicialmente a Revolução Iraniana) – e principalmente nos anos 1990 e anos recentes desta época, após o 11 de setembro, quando o “inimigo” passou a morar no Oriente Médio.
Em um tom absolutamente neutro, propondo-se a contar uma história desconhecida, “Argo” marca um gol de placa e chama a atenção para um episódio histórico pouquíssimo explorado e que desencadeou na época, internamente nos EUA, uma onda de repúdio a qualquer coisa que tivesse relação com o Irã.
Uma grata surpresa promovida por este diretor que em 1997, aos 25 anos, ganhou seu primeiro Oscar como roteirista de “Gênio Indomável”. Tudo no filme remete aos anos 1970, a começar pelo logotipo “retro” da Warner – utilizado na época, aos figurinos, aos tons de cores fidedignos àqueles anos.
Se ainda não viu, corra para assistir. “Argo” é um dos filmes que irão concorrer ao Oscar 2013.

2 Replies to “História e Outros Assuntos: "Argo e a Revolução Iraniana Revisitada"”

  1. Ótimo filme. A Revolução iraniana e os seguidos “choques” do petróleo que se seguiram, são fundamentais para entender a ascensão de políticos de estilo linha-dura no ocidente, como a dupla Reagan/Thatcher, assim como o neoliberalismo dos anos 80 e consequentemente, a desregulação e o encolhimento do Estado, além de marcar o início da islamofobia nos EUA.

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