E vamos a um post que está se tornando tradicional neste Ouro de Tolo. Com pequenas alterações e atualizações a cada temporada, todo ano está presente nesta época do ano, sendo um tema importantíssimo.
Nos últimos anos, tenho desenvolvido certa aversão às festas de Natal e Ano Novo, em especial depois que meus avós faleceram. O mito do Papai Noel renasceu nas minhas filhas, mas a motivação ainda não é a mesma.
Todavia não falarei disso. Mas, sim, de uma verdadeira praga que ocorre todo mês de dezembro: a temporada anual de hipocrisia.
Como que por encanto, todos aqueles que foram canalhas o ano inteiro recebem um espírito bem aventurado e se transformam em verdadeiros santos: só faltando a canonização pelo Vaticano. É um tal de “felicidades” para lá, “sucesso” para cá, confraternizações mil…
Ambiente de trabalho, então, é bem isso. O sujeito pisa no teu pescoço o ano inteiro, mas quando chega dezembro… Dá uma de bom samaritano e deseja com um sorriso nos lábios: “feliz natal” e “próspero ano novo”. Especificamente neste ano, tem gente que se fizer isso comigo me obrigará a ser bastante indelicado, para se dizer o menos…
Aí chega o dia dois de janeiro e o cidadão volta a pisar no pescoço dos outros ou a vender a mãe (dos alheios) para obter dez “merréis” a mais. Igual às festas corporativas, onde ninguém quer ir mas acaba sendo voto vencido. Vai para fazer média ou para ver se fatura algum brinde – escassos nestes tempos de downsizing e disciplina de capital.
Sem contar que muita gente acaba se excedendo na bebida e na comida, dizendo e fazendo coisas incongruentes e criando a falsa ilusão de que “o mundo os ama”. No dia seguinte sobram a ressaca e os sorrisinhos marotos dos colegas – isso, se não ocorrer algo pior. 
Normalmente, adoto a tática denominada pela especialista Glória Khalil como “4S”: Surgir, Saudar, Sorrir e… Sumir. Normalmente permaneço o tempo indispensável em que minha presença se faz obrigatória: ou seja, até ter minha estada registrada em uma ou duas fotos.

Entretanto, este ano tomei a decisão de não participar de nenhuma confraternização corporativa, a menos que seja formalmente obrigado a tal. Tive decididamente um ano bem ruim em termos profissionais, e não tenho o menor motivo para comemorar – ao contrário, estou contando os dias para acabar o ano neste aspecto.

Aliás, publiquei em 2010 coluna com um “guia” de comportamento para estas festas – vale a leitura, ainda está bem atual. Isto evita alguns comportamentos que podem, até, destruir a sua carreira na empresa. Já vi com meus próprios olhos situações deste tipo, sem dúvida alguma bastante constrangedoras. Evite estas verdadeiras arapucas – em geral associadas ao excessivo consumo de álcool.

Mas este não é o único aspecto da questão.

As pessoas deveriam mostrar-se como elas são. Não adianta nada desejar “boas festas”, brindar naquele restaurante carésimo que o superior escolheu e distribuir sorrisos forçados a granel se no restante do ano ele só pensa em como se dar bem e puxar tapetes alheios. Cada vez o mundo é mais egoísta, mais individualista, menos solidário; o que torna ainda mais hipócrita este tipo de comportamento “altruísta” e “companheiro”.

Outra questão irritante é o tal do amigo oculto. Acaba-se forçado a participar, aparentando uma coisa que você não é, provavelmente ganhando um presente que você não vai gostar ou, o que é ainda pior: aquelas listinhas com uma única opção que o forçam a atravessar a cidade, em um esforço que talvez só se faria por suas filhas.

No dia da entrega dos “presentes” ainda temos de sorrir aquele amarelo ao lado do infeliz que sorteamos ou o outro que nos escolheu – e nos ofereceu uma “lembrança” absolutamente inútil na maioria das vezes. Isso quando não acontecem “papeizinhos frios”, onde aquele puxa-saco habitual sempre tira o chefe ou é “sorteado” por este – aí ocorre aquele espetáculo constrangedor que todo leitor com alguma estrada na vida corporativa conhece muito bem…

Pelo menos tem uns dois ou três anos que não preciso participar deste espetáculo dantesco.

Foco no ambiente corporativo mas isto vale para outros ambientes, onde acaba se tendo de ir a confraternizações onde não se tem a menor intimidade com as pessoas. E a cada ano estas festividades estão se iniciando mais cedo – no final de novembro ou até mesmo antes.

Será que é pedir demais querer que as pessoas também em dezembro sejam como são o ano todo? Assumem-se uma série de compromissos não por se querer estar no local, mas sim por uma “moral” absolutamente hipócrita e que denota uma conveniência absolutamente superficial e rasteira.

E se você, em um rasgo de sinceridade, diz que não vai a um destes compromissos, é taxado de “individualista”, “anti-social”, “arrogante” e coisas correlatas. Ainda que durante o restante do ano tenha se mostrado solícito, companheiro e demonstrado total espírito de equipe.

Mais uma tremenda demonstração do mais puro espírito da cara de pau é a tal da “caixinha”.

O cidadão passa onze meses inteiros xingando aqueles que possuem funções menos remuneradas, mas dá uma gorjeta no final de ano para “se sentir menos culpado”. Pragueja, defende o extermínio, acha um absurdo que frequente os mesmos lugares, mas no último mês do ano dá aquele “trocadinho” e pensa que está redimido de todo o seu comportamento natural nos onze meses anteriores.

Acho o cúmulo.

Seria muito mais justo e muito mais humano se o comportamento verificado no mês de dezembro se repetisse ‘ad eternum’. Ceder a vez no trânsito, respeitar as prioridades no trabalho, adotar um comportamento mais adequado, menos cínico e tendo por base a bondade e a cortesia.

Não deixar o colega “vendido”, assumir as próprias responsabilidades e seus próprios defeitos e erros, não exacerbar seus feitos e esconder os feitos alheios, não abusar de seu poder, não procurar vantagem em tudo… Educar nossas crianças com estes valores e não os do consumismo e da competição a qualquer preço.

Vale lembrar também o sentido comercial das festas, em especial o Natal.

Ano após ano, dezembro após dezembro, acabamos mais preocupados em encher os shoppings que realçar o sentido verdadeiro destas festividades: religiosidade, renascimento, reinício, reflexão, gratidão e balanço. Mesmo para mim, que não sou cristão, é uma festa religiosa, pois a data que na minha tradição equivaleria ao Natal – o nascimento de Meishu Sama, nosso Fundador – é dia 23 de dezembro.

Entretanto ao passar de cada ano fortalece-se apenas a questão consumista, de comprar, comprar e comprar – daí vem a “verdadeira satisfação” da vida. Realça-se a ideia de que o ser humano é o que tem, não o que é. Resultado: centros comerciais absolutamente lotados, irritação extrema, tráfego insuportável, stress e uma dívida imensa no cartão de crédito para se iniciar o Ano Novo…

Voltando ao tema original, cada vez mais isto a que assistimos nesta época me irrita sobremaneira. Esta onda de bom mocismo, solidariedade e congraçamento tem a mesma base que um alicerce de areia para construir um prédio: nenhuma. E ao espocarem os fogos de primeiro de janeiro caem as máscaras e retorna-se à selva, onde “salve-se quem puder”…

Infelizmente, de alguns compromissos não se consegue escapar, mas me espanta a cara de pau demonstrada por alguns. Não passa de falsidade hipócrita.

Sinceramente, prefiro a companhia da família e dos amigos dos doze meses do ano. Muito melhor se todos assim o fizessem, já que não sabem agir de forma adequada de janeiro a novembro.

Contudo, não é o que ocorre. A hipocrisia é umas das mais graves doenças do chamado “mundo moderno”.

3 Replies to “Meu nome é dezembro – mas pode me chamar de Hipocrisia”

  1. Meu caro (se me permite esse tratamento…) Ouro de Tolo ! Li teu ‘post’ e fiquei impressionado com tanta amargura. Realmente, eu desejo (se é que eu posso) que 2012 acabe logo para você, ou melhor, que não termine de “acabar com você”. A propósito, penso que para você, o calendário Maia viria bem a calhar não???
    Me permita (se é que eu posso 2) discordar de você em vários aspectos: a) Eu sou Cristão Kardecista, e, talvez (d)aí resida o fato de eu não cultivar tanta amargura de colegas de trabalho. Lembro-te que eu não trabalho no Éden.
    b) Eu agradeço a Providência por eu ter nascido em 25 de dezembro. Igualmente agradeço por me ter dado como esposa uma PESSOA que também nasceu em 25 de dezembro. Minha irmã mais velha nasceu no dia 26 de dezembro. E, meu filho “quase” nasceu também no dia de Natal.
    c) Como você vê, o Natal, independentemente de ser o dia efetivamente do nascimento do Cristo, dado as alterações de calendário (Gregoriano), para mim e para minha família e familiares é uma data especial; muito especial. Comemoramos sim, o ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO DE JESUS e, após a ceia, comemoramos o nosso. Sou casado há 31 anos e desde então a ceia de Natal é realizada em casa pelas razões citadas.
    d) Eu também deveria ser amargurado com o mês de dezembro e principalmente com o dia 25 de dezembro. O que não acontece(u). Minha avó paterna e minha cunhada faleceram no dia 25 de dezembro. E, por extensão, amargurado pelas “proximidades” do Natal (e/ou dezembro): Meu cunhado mais velho faleceu dia 2 de novembro e minha sogra no dia 25 de novembro. Qual a solução que encontramos para todos os casos? Fizemos “luto natalino” por um ano, em respeito à todos, e, em seguida passamos a FESTEJAR a respectiva data. Nossos filhos eram muito pequenos para entender o “por que” da não-festa.
    e) A amargura da “data” também poderia ser um dado mim (e esposa), posto que, pelas condições financeiras de nossas famílias, minha e dos sogros, eu e minha esposa “só ganhávamos um presente” que “valia duplamente”. Adultos, tiramos isso de letra: nós nos “presenteamos” com DOIS presentes: um pelo aniversário, o outro pelo Natal. FÁCIL ASSIM!!!
    f) Como meu filho aniversaria no dia 17 de dezembro, também à ele SEMPRE demos 2 presentes, mesmo quando “bebê”. Como vc. mesmo disse: “as fotos registram os fatos”.

    g) … voltando ao ambiente do trabalho, aí sim, concordo com você. Eu, de há muito tempo não participo de festas de “final de ano” de departamento. Sou professor universitário. E TIVE A CORAGEM de dizer (o que você escreve…) à Chefia e aos colegas presentes “na copa” -local onde se toma o cafezinho no intervalo entre as aulas.
    h) O impacto causado quando eu disse isso pela primeira vez foi “IMPACTANTE”, mas de um alívio (meu) geral: Os falsos colegas deixaram de me cumprimentar os próximos 365 dias e os “seguintes”.
    i) Esse ano, na pesquisa de local/data para a “confraria” eu assinei no indicativo “depende”. Isso mesmo… participarei “dependendo” de quem for participar. SIMPLES ASSIM 2 (e verdadeiro).
    j) Para finalizar: Somos em 40 colegas no departamento. Desses, 10, por “questões ideológicas” (todos petistas e condolentes com os mensaleiros…) não temos “coleguismo” (felizmente, minha profissão como professor e pesquisador me permite trabalhar com independência). Com os demais mantemos relações cordiais e, posso te afiançar, que tenho 4 colegas que se tornaram verdadeiramente AMIGOS de trabalhos, inclusive nossas esposas também tem amizades. Aí, sim, nossas festas “são festivas”…
    k) Espero que o que eu lhe escrevi lhe sirva para algo. E espero também que você publique esse “post”.
    l) Aceito réplica!
    m) Ainda que possa parecer (soar) falso, te desejo felicidades JUNTO AOS SEUS.
    Att., Prof. Medeiros.

  2. Excelente texto. E não se trata de nenhum sentimento de amargura e sim constatação. Afinal, do que adianta ser um “bobo alegre”, rezar essa cartilha imposta pelo mundo CAPETAlista contemporâneo e marcado cada vez mais pelo corporativismo empresarial, que durante 11 meses não enxerga “pessoas”, apenas números?

    Já não participo de “amigo oculto” já a um bom tempo – inclusive dentro de meu próprio círculo familiar. Mas não reprovo quem participa – o importante é cada um se sentir bem naquilo que faz ou participa – eu particularmente não me sinto bem rodeado por pessoas que no fundo, sabem que estão apenas cumprindo um papel social.

    Falando em hipocrisia, comparo essa “fantasia” de fim de ano, de chefes dando tapinhas nas costas dos funcionários – e de “colegas de trabalho” que quiseram destruir uns aos outros – àquela socialite que frequenta o camarote da Brahma no carnaval e resolve descer pra pista da Sapucaí para (tentar) sambar junto a uma ala da comunidade, aplaudindo o espetáculo das “classes perigosas”; ou então ver a Giselle Bundchen, num comercial de Havaianas, sambar numa Sapucaí vazia, tendo ao fundo a voz de Jamelão, como se tudo aquilo constituísse parte de sua realidade – será mesmo que o tal jeito “moleca”, que a sra. Bundchen diz ter, faz parte da sua rotina na cobertura onde mora, na Quinta Avenida, de frente para o Central Park?

    Enfim, ótimo texto, que poderia ser resumido numa frase (trecho) de uma famosa marchinha de carnaval – propositalmente modificada: “Quanto riso, oh, quanta ‘hipocrisia’, mais de mil palhaços no salão”…

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