Nesta segunda feira temos a estréia de uma nova coluna no Ouro de Tolo: a “O Treineiro e o DJ”, assinada pelo técnico de futebol (e futsal) e também DJ Anderson Lopesjá entrevistado neste blog.

Na coluna de estréia ele aborda uma questão que muitos se perguntam: a atual entressafra de valores do futebol brasileiro.

A coluna será quinzenal, sempre às quartas feiras, mas excepcionalmente está sendo publicada nesta segunda. Vamos ao texto.

Categorias de base brasileiras: uma breve análise

Passei minha vida toda ouvindo a máxima ufanista de que o “Brasil é o país do futebol”. Talentos inquestionáveis surgidos no país ao longo de mais de um século de história da modalidade nos fizeram acreditar piamente que isso era verdade. Cinco títulos mundiais de seleções, as lendas que todos conhecem do nosso futebol, isso tudo sempre criou uma mística em torno do jeito brasileiro de se jogar – e do modo em que os jogadores brasileiros apareciam para o mundo. Talento, criatividade, técnica com a bola no pé.

Os tempos mudaram – e a maneira como surgem os jogadores no país, também.

A desculpa padrão é de que a diminuição dos espaços livres e dos campos de pelada nas grandes cidades explica parte do problema; mas não pode ser apontada como única responsável pela escassez de talentos no futebol brasileiro.

A ação dos empresários junto aos jovens jogadores também é algo que precisa ser observada e corrigida – mas isso é algo que passa por ações de diretoria, fora de campo, e que cresceram devido à falta de uma rede mais ampla de olheiros dos clubes. Como é algo que foge da análise do trabalho desenvolvido dentro de campo, vou deixar esse item para uma próxima coluna.

As categorias de base foram durante muito tempo negligenciadas pelos clubes. No entanto, o sucesso do Barcelona de Pep Guardiola, formado por um time onde a maioria dos jogadores vem das ‘canteras’ de La Masía – o centro de formação de jogadores do time catalão – fizeram com que de repente toda a salvação do futebol brasileiro aparecesse novamente da base.

Claro que é preciso sempre lembrar que a atual equipe do Barcelona tem a seu favor um jogador extraordinário e dois jogadores muito acima da média, o que facilitou muito o trabalho do treinador. Além disso, existem algumas diferenças básicas, além da qualidade de Messi, Xavi e Iniesta: a diferença cultural e a metodologia de trabalho são as principais delas.

Desde muito novos, com 12, 13 anos, os jogadores do Barcelona são estimulados a treinar com “jogos adaptados”: jogos reduzidos que reproduzem situações de jogo em um espaço menor. Isso estimula a técnica e a capacidade dos jogadores em resolver os problemas que o jogo apresenta. A partir desses jogos, os aspectos técnicos são sempre estimulados, aumentando a complexidade das atividades à medida que os garotos sobem de categoria.

Além disso, gradativamente a questão tática/estratégica do jogo é introduzida nos treinamentos. Desta maneira, vão se criando novos “problemas” a serem solucionadas pelos jogadores, além de criar as condições ideais para que os jogadores se tornem versáteis – assim podendo exercer várias funções dentro de campo.

Particularmente, entendo que com a exceção óbvia do goleiro, apenas os zagueiros centrais e, eventualmente, um atacante mais alto que jogue de “centroavante” devem ter funções fixas e bem específicas dentro da equipe. De resto, laterais, meio-campistas e atacantes devem ser estimulados, desde jovens, a atacar e defender, podendo jogar eventualmente em outras faixas do campo – ainda que, vez por outra, apareçam do lado do “pé ruim” para fazer uma jogada ou combater um adversário.

Enquanto isso, por aqui a maneira como o trabalho de formação dos jogadores de futebol é feito no Brasil é algo que precisa ser corrigido com urgência.

Antes, é preciso esclarecer que a análise que eu faço da formação é até a categoria sub17, já que quando o jogador chega ao sub20 – categoria da difícil transição aos profissionais – ele já deveria estar preparado em seus fundamentos técnicos. Estes são: domínio, controle, finta, drible, passe, chute e cabeceio – além das técnicas específicas do goleiro.

Vejo o sub20 como uma categoria de “polimento”, não só na área técnica, mas principalmente no aspecto psicológico – há muita concorrência e a transição para os profissionais nem sempre é fácil ou tranqüila. De forma que ela não fará parte da análise abaixo.

O maior equívoco hoje na formação de jogadores no Brasil está no processo de seleção. Por padrão, os responsáveis pela escolha optam por jogadores mais altos e/ou mais fortes, em detrimento de garotos menores e normalmente mais habilidosos ou de maior capacidade de criação ou de poder de ataque. As exceções, claro, são os garotos de qualidade técnica acima da média. No entanto, muitos jogadores promissores de 14, 15 anos de idade ficam pelo caminho porque são “pequenos demais”.

Não por acaso aumentou nos últimos anos a exportação e o destaque de defensores brasileiros nas principais ligas europeias. Lúcio, Juan, Thiago Silva, David Luiz e Luisão conseguiram destaque no futebol europeu. Altos, bons no corpo a corpo, dotados de boa técnica (comparados com os adversários das mesmas posições), se estabeleceram no Velho Continente.

Além disso, outro problema que precisa ser corrigido de maneira urgente é o desenvolvimento do trabalho em relação às competições. Principalmente nos clubes maiores, a pressão sobre os treinadores na base é igual ou até maior que nos profissionais. Então, os treinadores priorizam a montagem de um time que busque ser campeão, mesmo que para isso se deixe de lado a formação e aprimoramento técnico dos jogadores.

Para manter o emprego, vale tudo – já que tem muita gente querendo ocupar o portentoso cargo de treinador do sub13. Então, para que perder tempo investindo na formação técnica dos jovens atletas, estimular suas qualidades e corrigir os seus defeitos?

Mais fácil montar um time forte, brigador no meio-campo e que possa explorar os contra-ataques e/ou a bola parada. Talvez por isso seja tão fácil perceber jogadores profissionais com tantas dificuldades de dominar uma bola, de dar um passe simples de 10 metros ou de finalizar a gol.

É sempre bom lembrar que, em qualquer cenário, os jogadores de exceção vão sempre surgir. O futebol brasileiro ainda vale a pena por poder produzir um Neymar de tempos em tempos.

Para concluir, vale a pena falar que o trabalho das categorias de base e a atual lógica de mercado não são incompatíveis.

Pelo contrário: se um clube, ainda que de pequeno porte, montar uma estrutura de trabalho moderna, com profissionais competentes e desenvolvendo um trabalho de valorização da parte técnica dos jogadores, ele vai criar, em um período médio, jogadores mais qualificados, que vão se adaptar em diversas condições – e vão se valorizar mais.

Até a próxima!