Excepcionalmente esta semana dose dupla da coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. Hoje o colunista desmistifica tese antiga da classe média colonizada brasileira, de que todos os produtos são mais baratos nos Estados Unidos.

Sobre a Veja em si, adotei como lema um epíteto que é atribuído como de autoria do Senador Roberto Requião: “Não compre a Veja. Se comprou, não leia. Se leu, não acredite. Se acreditar, relinche.” Para o leitor entender bem a atual dinâmica deste legítimo representante do jornalismo de esgoto, vale a leitura deste dossiê preparado pelo jornalista Luis Nassif, que pode ser acessado aqui.

Ah, leitor, se enontrar a cerveja da foto do post, a americana Anderson Valley, compre. Passemos à coluna.

O Paraíso é Aqui Mesmo, não nos Outlets da Veja

Fazia um tempão que eu não comprava a Veja, mas hoje fui picado pela mosca da curiosidade, vendo a capa da revista comparar os preços do IPhone no Brasil e nos EUA. Para meu espanto, a reportagem em si não é de todo ruim, mas desconfio que o leitor médio da revista não perca seu tempo com os textos – fica só nos gráficos, resumos e ilustrações. Os quais, vejam só, contradizem opiniões expressas pelos especialistas entrevistados pela própria revista.

Os malditos gráficos fazem aquelas comparações tão ao gosto da classe média brasileira, essa que viaja regularmente aos EUA e volta com a mala lotada de bugigangas (não estou criticando ninguém, eu mesmo sou adepto e entusiasta da prática). Cinco séculos se passaram e ainda temos, em relação às mercadorias do além-mar, o mesmo deslumbramento de nossos antepassados indígenas.

Voltando aos gráficos comparativos de preços entre os EUA e o Brasil. Por eles é possível saber que uma calça Calvin Klein custa R$ 70,00 lá fora e R$ 220,00 aqui, um perfume Givenchy R$ 120,00 contra R$ 300,00, um tênis Asics R$ 350,00 contra R$ 800,00.

Eu poderia argumentar que essa comparação não é exatamente justa. Eu tenho calças jeans importadas, mas também adoro comprar calças na Renner, da marca genérica da loja. E elas custam entre R$ 50,00 e R$ 90,00, dependendo do tecido e do corte. Ou que uso um perfume azul da Natura, que minha esposa comprou para mim com a sua manicure, pagando menos do que os americanos pagam pelo Givenchy. Ou que um Olympikus top de linha custa menos que um Asics lá fora, com o benefício adicional de dar uma mãozinha para o patrocinador do Maior do Mundo.

Logo, os brasileiros têm sim um arsenal de ótimos produtos à disposição por preços semelhantes ao que encontram nos EUA – a diferença é a síndrome do colonizado, que enxerga menos valor nas coisas feitas por aqui e um valor desmedido aos itens de grifes estrangeiras.

Mas há coisas que não se pode trazer na mala. Essas as pessoas não querem comparar. A Veja, em nome do bom jornalismo, poderia fazê-lo, mas isso a obrigaria a falar mal dos EUA ou bem do Brasil, coisas que ela detesta. Mas como aqui no Ouro de Tolo a gente adora, eu vou satisfazer a curiosidade alheia.

Que tal começar pelo custo da saúde? Nem vou lembrar que no Brasil a saúde é pública, gratuita e universal. Vou direto ao ponto que interessa aos endinheirados que lotam os shoppings de desconto na Florida: os planos de saúde top de linha, como é o meu. Eu pago, para cada uma das minhas filhas, quase R$ 250,00 por mês em um plano, digamos, premium. Pois bem…um plano semelhante custaria cerca de R$ 360,00 por mês nos EUA (confiram em health.usnews.com) Eu tenho 3 filhas…façam a conta de quanto eu gastaria a mais até que elas deixassem de ser minhas dependentes.

E uma latinha de cerveja? R$ 5,50 contra R$ 1,70 no Brasil. Deve ser por isso que a ninguém ocorreu trazer umas latinhas de Budweiser na bagagem (dados em pint/price).

Podia continuar uma lista longa, com molho de tomate, carne, restaurantes, e muito, muito mais, mas a minha comparação favorita é sempre o custo da educação. Em Pindorama, como se sabe, há educação pública e gratuita até o nível superior – eu mesmo fui beneficiário dela na faculdade de direito, assim como o Editor Chefe na faculdade de Economia. Mas vamos imaginar que não houvesse e que só nos restassem as faculdades pagas. Escolhi logo a mais cara, a PUC. Um aluno irá gastar cerca de R$ 75.000,00 para se formar em direito por lá.

Mas se fosse para uma universidade PÚBLICA americana (como a Florida State University, mais barata que as universidades privadas) os custos subiriam para mais de R$ 230.000,00. Isso computando-se apenas os 3 anos da faculdade de direito, onde só se entra depois de cursar um outro curso superior (nos EUA, o direito é uma espécie de pós-graduação). Essa conta eu nem fiz, mas parece óbvio que um americano não se forma em direito sem antes gastar uns R$ 400 mil.

Que tal? Pense nisso da próxima vez que se escandalizar com o preço do IPad. Talvez seja melhor gastar uns caraminguás a mais na compra dessas traquitanas, mas não se desesperar para pagar o plano de saúde ou a mensalidade escolar. E vamos comemorar tomando uma cervejinha… afinal, podemos beber três vezes mais do que eles, pagando exatamente a mesma coisa.

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