Na última terça feira, além do aniversário dos trinta anos da conquista do título mundial pelo Flamengo – que ainda será tema de post – completou-se outro aniversário que precisa ser relembrado para que não se repita: o do AI-5, o Ato Institucional número 5, que endureceu ainda mais a ditadura que se vivia naquele momento.

O AI-5 foi editado em 13 de dezembro de 1968, tendo como pretexto a recusa do Congresso Nacional em conceder licença para que o então deputado Márcio Moreira Alves fosse processado devido a um discurso proferido na tribuna da Câmara por ocasião do “7 de Setembro” que se aproximava. O deputado afirmara na ocasião de que as moças deveriam se recusar a namorar militares como protesto pela situação política do país – algo banal e sem consequências práticas.

Entretanto, foi utilizado como reles pretexto – sem qualquer influência real – por uma das alas militares que buscavam a hegemonia do regime, em uma briga interna pelo poder. O próprio pedido de licença para processar o deputado é insólito, pois desde que o mundo é mundo que as palavras proferidas na tribuda de um Congresso são consideradas invioláveis. Entretanto, é uma boa medida da democracia “de mentirinha” que o Brasil vivia: o Congresso apenas referendava as decisões dos militares.

Só que no caso em questão a licença foi negada, em rara (e única) demonstração de independência, e a “linha dura” deu um “golpe dentro do golpe” no então presidente Costa e Silva: ou ele endurecia o regime ou cairia. Costa e Silva preferiu capitular – e o resultado prático foi o Ato Institucional. Foi o final de uma luta intestina pelo poder que, grosso modo, opunha os militares “moderados” aos “linha dura”. A sociedade civil apenas assistia – isso quando podia assistir.

Não podemos nos esquecer que 1968 foi o ano dos protestos estudantis no mundo todo, e no Brasil tinham a luta contra a ditadura como bandeira além das desfraldadas pelos estudantes de outros países. Além disso o país vivia uma grande efervescência cultural, em consonância com os movimentos do restante do mundo e em momento de relativa abertura. O teatro, a música e o cinema viviam tempos de desenvolvimento e cada vez mais eram reconhecidos.

De forma concomitante as Forças Armadas viviam uma briga política interna, e o desfecho foi representado justamente pelo Ato Institucional. “Decidido” – melhor seria dizer referendado – em reunião do Conselho de Segurança Nacional ocorrida logo após a votação do Congresso, seu registro em áudio deve-se, ironicamente, ao próprio presidente. O seu vice, Pedro Aleixo, civil foi o único a se declarar contra o Ato, enquanto que outros Ministros como Jarbas Passarinho, com menos brios, apoiaram resolutamente – ao ponto deste, em intervenção famosa, bradar “às favas os escrúpulos da consciência”

Justiça seja feita: dos remanescentes vivos daquela reunião Passarinho é o único a não posar de “madalena arrependida”. Fecha o parêntese.

Em essência, o AI-5 instaurou a ditadura de fato no Brasil. O Congresso Nacional foi fechado, as liberdades individuais suprimidas, o “habeas corpus” suspenso, políticos, juízes, artistas e jornalistas cassados – muitos exilados – e instaurada a censura prévia na imprensa, entre outras. Além disso provocou o desarticulamento do movimento estudantil, o que forneceu elementos para a luta armada.

Também instaurou uma era de tortura e assassinatos de Estado a fim de calar opositores e a luta armada de esquerda. Diga-se de passagem, até hoje estes assassinos e torturadores continuam impunes, muitos ainda em cargos de destaque no serviço público. E o Congresso reabriria apenas meses depois para referendar a escolha do General Garrastazu Medici, de triste memória, para a Presidência – ainda assim, extensamente expurgado.

No campo cultural o fechamento promovido pelo Regime deixou o Brasil totalmente alheio aos movimentos mundiais, o que somado à censura de manifestações artísticas e ao exílio de alguns dos principais artistas representou tempos de estagnação e regressão nos movimentos culturais. A imprensa, com censura prévia, passou a noticiar apenas o que era determinado pelo governo comandado pelos militares da chamada “linha dura”.

Aliás, a imagem que abre este post é uma reprodução da capa histórica do Jornal do Brasil do dia seguinte ao AI-5, 14 de dezembro. Os ítens da capa deixam claro que o jornal estava sob controle, mas conseguem de forma alegórica transmitir os acontecimentos. Histórica.

Obviamente que faço aqui um resumo dos fatos, sem o rigor histórico. Mas queria lembrar tal data, para que jamais se repita esta longa noite de dez anos, encerrada apenas no final de 1978 com a sua revogação – precedendo a anistia incompleta que se seguiria. Vidas foram ceifadas, liberdades executadas e a barbárie foi o domínio.

Relembrar para que não se repita.