E o Deus de pernas tortas, puto da vida com a destruição do templo, entregou ao profeta, em noite de tempestade às margens do caudaloso Rio Maracanã, a tábua com dez recomendações:
1- Nunca chame o craque, sob pena de blasfêmia,  de “atleta diferenciado”.  Guarde o “diferenciado” para adjetivar maratonistas de patinação no gelo ou jovens cantores dos Canarinhos de Petrópolis.
2- O ruim de bola deve ser chamado preferencialmente de cabeça de bagre, pereba e quejandos.  Corno e filho da puta se admitem nos momentos mais dramáticos – passe errado, gol perdido, frangaço… Guarde o “atleta limitado” para se referir a alguém que não consegue mais despertar o bilau na hora do vuco-vuco. Atleta, aliás, é quem faz atletismo. Quem joga bola é jogador e ponto.
3- Malditos os que transformam o templo do jogo em “arena multiuso”, com ingressos caros, bistrô, loja de conveniência, espaço gourmet e outras babaquices. Futebol se joga em estádios com arquibancadas de madeira, cimento ou com o público confortavelmente instalado em barrancos. Árvores frondosas também são permitidas nos campos, desde que, nos dias de grande público, se transformem  em camarotes reversíveis.
4- Jogador reserva não é “peça de reposição”. A expressão – queridinha de técnicos e comentaristas – é mais adequada para se referir a escravos comprados no Brasil colonial, comumente conhecidos como peças. Admite-se também o uso em oficinas de automóveis. Um cabo de embreagem é um bom exemplo de peça de reposição.
5- Que a danação seja eterna para os que entregam taças em teatros, com jogadores e dirigentes de terno e gravata e a apresentação de atores globais que não sabem a diferença entre uma bola e uma ogiva nuclear. Taça se entrega no campo. Só será admitido fazer isso no dia em que a cerimônia de entrega do Oscar for no estádio Ítalo Del Cima, em Campo Grande.
6- É direito sagrado do torcedor invadir o campo para comemorar a conquista do clube.
7- Pai e mãe serão honrados. Abre-se uma exceção para a genitora de Sua senhoria, o juiz da partida. Recomendo aos que não querem ouvir palavrões no campo que procurem assistir aos funerais de um papa. Os cantos gregorianos são do maior respeito.
8- É direito do torcedor beber nos estádios a água benta que melhor lhe conduzir ao contato com o sagrado. Comércio informal nos arredores – com churrasquinho, cachorro quente, laranja lima e que tais – sempre é benvindo.
9- Não profanarás a camisa do clube com propagandas de cursos de inglês, bancos, funerárias, produtos de limpeza, organismos internacionais de combate à fome  ou coisa que o valha.
10- Há que se respeitar o torcedor sobre todas as coisas – e para isso é suficiente não tratá-lo como cliente de empresa de telefonia celular ou platéia de recital de música de câmara.
Amém.

7 Replies to “OS DEZ MANDAMENTOS DO FUTEBOL”

  1. Perfeito. Os caras querem acabar com o futebol e com o vocabulário do futebol.

    O ‘atleta diferenciado’ dever ser primo do ‘atleta com muito recurso’.

    Pedro.

  2. Texto espetacular, Simas! Tem muito a ver com a visão que eu tenho do futebol e com o blog que eu mantenho, o Forza Palestra (http://forzapalestra.blogspot.com). Gostaria de saber se posso publicar o texto, com o devido crédito, lá no blog, já fazendo um link para o debate que você terá hoje à noite sobre tema de extrema relevância?
    Seria importante para posicionar o seu discurso em meio aos demais debatedores.

    Abraços,
    Barneschi

    PS: Em tempo: sou amigo do Goldenberg, do Szegeri e do Marco Bressan, entre outros desse galera.

  3. Simas, desconsidere o comentário anterior. Eu confundi o evento de que você participou na semana anterior com este absurdo que acontecerá hoje à noite aqui em SP. Me desculpe.

    De qualquer forma, falei há pouco com o Goldenberg para tentar um contato com você e ele me disse que, na condição de seu advogado (hehehe), eu poderia publicar o texto com o devido crédito. Tá lá: http://forzapalestra.blogspot.com/2011/11/os-dez-mandamentos-do-futebol.html

    Abraços

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