Notícia publicada na última semana pelo jornal Estado de São Paulo – e republicada no excelente blog “Hum, Cerveja” – dá conta de que a Heineken resolveu “reativar” a marca Kaiser, com uma grande campanha publicitária, a fim de aumentar a participação de mercado da empresa – hoje de 9,5% somando-se todas as cervejas de seu portfólio.

Voltando no tempo: há dois anos a empresa holandesa comprou a Femsa, empresa mexicana que era dona da Cervejaria Kaiser após adquirí-la de seus donos originais, engarrafadores de Coca Cola. A fábrica foi fundada por estes a fim de combater a “venda casada” que Brahma e Antárctica (então separadas) faziam de cervejas e refrigerantes nos bares e restaurantes. Este tipo de prática é proibida pela legislação, mas infelizmente é bastante comum. Hoje ainda ocorre muito, embora já sejam vários os bares e restaurantes que tenham bebidas de diferentes marcas.

A Kaiser em 1999 chegou a ser a segunda colocada em vendas, com 24% do mercado, sendo um dos motivos para a fusão da Antarctica e da Brahma na Ambev. Isso apesar de ser rejeitada no mercado carioca, maior consumo per capita do país e segundo em volume total. A marca estava um pouco “adormecida” após a compra da Femsa pela Heineken, há dois anos.

Para 2012 a marca vai receber mais da metade dos investimentos em marketing da empresa holandesa no Brasil, a fim de reposicionar a marca e avançar em participação de mercado. O raciocínio da empresa é de que o consumidor, em especial fora de casa, bebe a “mais gelada”, independente de marca, qualidade ou sabor – baseado em pesquisa que indica que apenas 5% dos consumidores de cerveja são fiéis à marca. Associando-se a isso a Kaiser será vendida a preços 10% inferiores aos de suas concorrentes, de forma a dar uma vantagem competitiva no mercado de massa.

Para nós cervejeiros isto é trágico, mas a percepção das grandes empresas do setor no Brasil é de que a qualidade do produto não importa. Bastam apenas um bom marketing e um preço acessível – o produto é o de menos. E olha que a Heineken possui aquela que é considerado por muitos especialistas a melhor cerveja “de massa” do país.

Por outro lado, o recente lançamento da Budweiser apoiado em maciça campanha publicitária parece corroborar esta tese de que “o negócio é marketing”.

Lançada como uma cerveja “premium”, algo que ela não é – escrevi post anterior sobre o assunto – a sua exposição no mercado e minha observação indicam que ela afetou bastante o posicionamento da Heineken, dividindo os espaços de exposição com vantagem vis a vis à holandesa. Não tenho dados de participação de mercado aqui mas parece claro que houve sim um baque – que talvez pudesse ser combatida com a fabricação aqui da Amstel Pulse, outra marca que pertence à Heineken e que tem uma imagem “mais descolada” que a cerveja da garrafinha verde.

Hoje ela é importada pela fábrica, o que a deixa com um preço proibitivo, mas poderia ser uma boa opção para combater a Budweiser com sua garrafinha transparente, sistema de abertura prático e, acima disso, ser uma cerveja “puro malte”. A peça publicitária do exterior que transcrevo no final deste post já dá uma idéia disso.

Não é a primeira vez que a empresa holandesa pratica esta “recuperação” de marca como pretende fazer com a Kaiser. Outras marcas globais pertencentes à companhia já passaram com sucesso pelo mesmo processo. Por outro lado é interessante ver o que a empresa fará com o mercado carioca, que possui uma rejeição absoluta à marca – a ponto de até em supermercados ser quase impossível encontrar a marca. Aqui no Rio a marca “popular” da cervejaria é a Sol, que é outro rótulo que a meu ver encontra problemas de posicionamento – quer estar em um patamar entre o consumo de massa e o premium mas tem preço de popular.

Qualquer alternativa de recuperação de mercado passa, obrigatoriamente, pelo Rio de Janeiro. Ainda mais se levarmos em conta que o alvo desta nova campanha da Kaiser é o consumo em bares, restaurantes e botecos, que é muito forte em terras cariocas.

Por outro lado, minha leitura, como expliquei no artigo anterior, é que mais cedo ou mais tarde a Heineken terá de buscar adquirir a Cervejaria Petrópolis (dona da marca Itaipava, entre outras) a fim de ganhar musculatura no mercado brasileiro, uma das últimas fronteiras de elevação do consumo no mundo. Nestes tempos de concentração cada vez maior de mercado, me parece claro que os dias da Cervejaria Petrópolis como “independente” parecem contados. Até pela sua participação privilegiada no Rio de Janeiro.

Finalizando, só nos resta lamentar o comportamento adotado pelas grandes fábricas de privilegiar o marketing em detrimento da qualidade. Este é um comportamento da Ambev e que, infelizmente, começa a ser emulado pelas demais grandes fábricas. Nós cervejeiros lamentamos.

2 Replies to “A Kaiser, o Marketing e o Mercado de Cerveja”

  1. Triste constatar que o grande capital considera a massa extremamente manipulável e sem poder de discernimento aceitando qualquer coisa que venha a base de intensa propaganda. Isto vale para produtos, idéias, políticos…

  2. Não acredito na venda da Petrópolis… hoje no interior paulista ela é fortissima e estão investindo pesado na diversificação das marcas e do portfólio.
    Acho que nosso mercado caminha para a segmentação que desejamos , mas infelizmente nossa legislação não permite a uma micro por a cabeça de fora….
    Acho muito engraçado as pessoas quererem segmentação na cerveja e acharem engraçadas piadas com tubaínas

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