Bom, para nós amantes do samba infelizmente a notícia desta semana foi o incêndio que atingiu a Cidade do Samba, local onde são confeccionadas as alegorias e muitas das fantasias das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro.

Para o leitor de fora, são galpões com a estrutura concebida a fim de acomodar as necessidades demandadas por este tipo de construção: pé direito alto dado o tamanho dos carros alegóricos e andares onde pudessem ser instalados os ateliês das agremiações a fim de que as fantasias pudessem ser confeccionadas.

Eu estava em Salvador na segunda feira, dia do sinistro, e ao acordar mais tarde – até porque estava uma hora atrasado em relação ao Rio de Janeiro devido à inexistência do horário de verão – vi um monte de e-mails e mensagens de texto no meu celular: “incêndio na Cidade do Samba”, “barracão da Portela pegando fogo” e que tais.

Como lá estava sem acesso à internet – apenas muito restrito, no celular – e o jornal local é o da Bahia, entrei no Twitter para ver o que tinha ocorrido. E me dei conta do que havia acontecido – complementado, depois, com ligações de amigos do Rio.

Ao que parece o fogo se iniciou no barracão que abriga uma espécie de “museu” da entidade que organiza o desfile – originalmente, a Cidade do Samba foi pensada para catorze escolas de samba, mas acabou-se reduzindo a doze – e atingiu os outros três barracões da Ala Norte do complexo: pela ordem, União da Ilha, Portela e Grande Rio. Nesta última o fogo não teve como se alastrar lateralmente – há um vão para a outra ala – e o fogo desceu consumindo todo o barracão, acabando com os carros da escola de Caxias.

Lembro que os materiais são todos inflamáveis dadas as suas características – muita espuma, isopor, acetatos, ferragens – o que propiciou uma devastação rápida e imensa.

Apesar de ser considerado moderno, o equipamento de prevenção contra incêndio não funcionou, o que potencializou o desastre. E o incêndio colocou em xeque a imagem passada pela Liesa, órgão que organiza o carnaval do Grupo Especial, de que é algo moderno e profissional. Quem vive o dia a dia do samba sabe que não é bem assim, mas agora isto ficou claro para o grande público.

Como se vê na foto acima do barracão da União da Ilha, pouco se salvou. A escola insulana perdeu três mil  fantasias e partes de duas alegorias, inclusive a elogiadíssima aranha – que fotografei quando de minha recente visita.

A Portela, embora tenha alegado que se queimaram 2,8 mil fantasias, segundo apurei este número é de cerca de 500 em sua totalidade e mais umas 200 de forma parcial. Sem danos significativos nos carros.

A Acadêmicos do Grande Rio, que viria para disputar o título, foi a mais afetada. Perdeu seis carros alegóricos – inclusive os chassis – e cerca de três mil fantasias.

Levando-se em conta que faltam 29 dias para o desfile, é praticamente impossível à agremiação caxiense refazer em condições mínimas seu carnaval. As outras duas também saíram prejudicadas – até porque perderam todo o maquinário de elaboração de fantasias, que não é de fácil reposição – mas teriam condição de colocar um carnaval digno na avenida, não para disputar os primeiros lugares mas com condições de evitar tranquilamente um eventual rebaixamento.

Em especial a Portela, que estava com os carros mais atrasados – como sempre – teria totais condições de fazer um desfile melhor até que pelo menos os últimos anos. Sua perda foi pequena e poderia ser perfeitamente contornada. Mas…

A lambança

Firmou-se durante a segunda feira um consenso: o julgamento seria realizado normalmente e não haveria rebaixamento, para preservar em especial a Grande Rio, escola mais afetada e que teria extrema dificuldade em colocar algo decente na rua para seu carnaval. Era o mais simples e o mais sensato.

Entretanto, em reunião realizada na sede da Liesa na noite de segunda, tomaram-se algumas decisões esdrúxulas: não haveria rebaixamento – até aí, tudo bem – a Portela foi obrigada a trocar de dia de desfile com a Mocidade Independente e, o mais incrível: as três escolas não seriam julgadas.

Isso mesmo: o trabalho de um ano, ainda que prejudicado, simplesmente não seria avaliado. As escolas passariam “por passar”, impedindo o que poderia ser uma demonstração de superação e garra das agremiações. Também não poderiam participar do Desfile das Campeãs.

Imagine o leitor que o incêndio afetou dois quesitos dos dez em julgamento: alegoria e fantasia. À noite, a Liga queimou os outros oito, como bem lembrou o amigo e especialista em carnaval Fábio Pavão. Imagine também o leitor quem comprou fantasias das escolas e agora sabe que não somente irá se exibir sem poder defender seu pavilhão em busca de um bom resultado como não terá chance de desfilar no sábado posterior ao carnaval.

Imagine o leitor uma situação como a minha: eu venho – viria, mas esta é outra história – em duas escolas: a Portela do coração e a União da Ilha de adoção. De antemão já sei que posso marcar um chope com os amigos no sábado do Desfile das Campeãs, pois nenhuma das duas será julgada e não poderei voltar à avenida neste dia.

Para mim isso nem importa muito – basta ver o número de vezes em que desfilei no sábado seguinte – mas para um desfilante que não acompanha o dia a dia isso faz muita diferença. Além disso, a bateria não será julgada, o casal de mestre sala e porta bandeira também não, e la nave va…

Outro absurdo foi a troca entre Portela e Mocidade de dias de desfile. O torcedor que se programou e comprou ingresso apenas para o desfile de uma destas escolas agora está sem ter o que fazer. Basta lembrar o exemplo dos “Guerreiros da Águia”, torcida organizada portelense, que comprou cerca de 400 ingressos para o desfile de segunda feira e agora não sabe o que fazer. Mas, para a Liesa, o que importa é o turista: o sambista ou carioca que se dane. E a Mocidade Independente ganha uma vantagem imerecida, de desfilar em uma das posições mais nobres do desfile.

A versão para estas idéias esdrúxulas é que teriam vindo prontas na reunião, decidida pelos patronos da Beija Flor Anísio, pelo presidente da Liesa Castanheira e pelo “Capitão Guimarães” em conjunto com o prefeito Eduardo Paes, e imposta às demais escolas. O certo é de que os presidentes das escolas afetadas, por seus motivos, acataram a decisão.

Teremos um desfile, na prática, com nove escolas, e com uma competitividade bem menor que em outros anos. Em 2012 serão 13 escolas, descendo duas para voltar ao (insuficiente, a meu ver) número de 12 agremiações para 2013.

Em resumo, fizeram uma lambança monumental, que tira boa parte da competitividade do carnaval de 2011 e mata os sonhos de milhares de profissionais, desfilantes e apaixonados em ver suas escolas brilharem no carnaval. Eu entre eles.

O Covarde

Bom, este título pertence ao Presidente da Portela, Nilo Figueiredo, pela sua postura lamentável, em todos os sentidos, no episódio.

Primeiro ao tentar entrar no barracão em chamas e para isso criar uma tremenda confusão com os bombeiros e a Guarda Municipal, resultando em dois diretores da escola presos. Segundo com o episódio de outro diretor flagrado com uma grande quantidade de dinheiro vivo dentro da cueca – diz-se que para pagar funcionários.

E termina com o papelão exercido na reunião da Liesa, onde não somente aceitou de bom grado trocar uma posição excelente de desfile por uma ruim como aceitou, apoiando, o não-julgamento da escola. Foi a primeira vez onde vi todos os segmentos da escola discordarem do presidente, inclusive seu braço direito, o diretor de carnaval Júnior Scafura.

O leitor mais atento sabe que venho aqui apontando as mazelas da administração Nilo Figueiredo. Mas o que ocorreu ontem foi um desrespeito à história da escola, que sempre se notabilizou pelos fundamentos e pelo “ideal de competir”.

Obviamente que para o presidente da Portela a decisão foi extremamente conveniente: ele não precisa terminar o carnaval e pode jogar a culpa no incêndio – que, repito, afetou em pequenas proporções a escola. Em uma gestão marcada por suspeita de uso ineficiente de recursos, para se dizer o mínimo – basta ver as alegorias e fantasias mequetrefes ano após ano e os rotineiros atrasos de barracão – ele pode pegar os R$ 750 mil que serão dados como suplementação pela Prefeitura do Rio de Janeiro e guardar para utilizar mais tarde, ou dar outros fins – como maquinário…

A decisão de abaixar a cabeça como cordeirinho e só pensar em sua conveniência não é próprio da Portela, Presidente. Antonio Caetano, um dos fundadores – que o senhor não deve conhecer, dado o seu desprezo pela história da escola – concebeu a águia como seu símbolo por ser a ave que voa mais alto. O senhor jogou no lixo o nome da Portela ao não somente permitir como apoiar esta decisão de não ser julgada.

Mais que isso: foi uma demonstração de falta de confiança em sua própria comunidade, em sua própria equipe, em seu próprio componente, que ia levar a escola com garra, uma vez mais, e levar a Portela a lugar merecido por eles – não pelo senhor.

O senhor não tem estatura moral para comandar a Portela, presidente. Ainda mais depois da demonstração de arrogância dada ontem, ao comentar manifesto do Grupo PortelaWeb – entre os quais me incluo – criticando a sua decisão: “não quero saber da opinião de ninguém. Eu sou o Presidente e decido. Escola não compete”.

Não pude participar da confecção do manifesto – estava em trânsito ontem, retornando ao Rio de Janeiro – mas endosso cada palavra da equipe, formada não somente por torcedores como boa parte deles sócios com direito a voto – entre eles eu. Vale a leitura.

Complementando, algumas perguntas sem resposta:

1) Quando foi a assembléia de sócios que alterou o estatuto a fim de permitir uma segunda reeleição? Sou sócio da escola e a última convocação para assembléia que recebi foi em 2008.
2) Por que a escola sempre tem o barracão mais atrasado?
3) Por que sempre temos as alegorias mais mequetrefes do carnaval carioca, todo ano?
4) Quando teremos uma prestação de contas pública?
5) Quando sairá a obra da quadra, que está abandonada?
Amigos, é isso. Meu coração portelense está bastante indignado, para dizer o menos.

13 Replies to “O incêndio, a lambança e o covarde”

  1. Meu parceiro, vc foi pontualíssimo em tuas palavras. Não tenho o que acrescentar e concordo em 100% com tuas opiniões e críticas. Tanto para a própria LIESA e presidências das outras escolas, quanto para nossa própria Portela que há anos vem sendo governada na regra do “cala a boca que quem manda sou eu!”.

    Parabéns, passarei a acompanhar mais teu blog. Excelente!

  2. Migão, excelente seu texto, suas argumentações. E o conteúdo é contundente, como a questão merece. Apesar de não ser portelense (meu falecido pai era), sou uma eterna apaixonada pelas escolas de samba, e apoio a indignação manifesta em cada palavra.
    Pena que eu não consigo mais vislumbrar o carnaval sem a presença desses abutres mercenários que se apoderaram do samba (com a conivência de muitos sambistas, é verdade). Tudo é lamentável: o incêndio, as perdas, os sonhos destruídos, a manipulação e a esperteza dos que se aproveitam da tragédia.
    Grande abraço,
    Tânia Tgart

  3. Caro Pedro Migão,

    Sempre acompanho seus comentários sobre tudo o que acontece no nosso Carnaval carioca através do grupo no Yahoo!, que tem virado a cada dia que passa, UMA VERGONHA! É a primeira vez que acesso seu blog e achei esta sua publicação muito digna de aplausos, bem que esta poderia ser uma publicação de jornal, não acha?! rs

    E quanto a todos os comentários referentes a gestão do Sr. Nilo Figueiredo, eu adorei ver a verdade completamente exposta e acho que ele está fazendo a escola ser vista como a escola da vergonha, não como a nossa querida Portela que deveria mostrar a garra de nossos componentes aliada a uma torcida maravilhosa como a Guerreiros da Águia para continuar sempre bem vista no Carnaval. Mas infelizmente, dinheiro é o negócio mais importante para eles, e fico muito triste por isso, pois ele está fazendo com que muitas pessoas deixem de vestir a camisa da Portela. Mas, como disse um amigo meu: “Nós somos apaixonados pela Portela e a águia voa sempre por cima!” Que ele se lembre disso, quem faz a escola, é a comunidade.

  4. Obrigado, Tânia.

    E tem um detalhe que me esqueci no texto: enquanto o Ney e o Helinho falavam em reconstrução, o Nilo tava mais preocupado com a grana extra que iria sair.

    abraços

  5. A cada dia me enojo mais e mais com o carnaval e, mais ainda, com essa Portela.
    Não falo aqui das instituições – carnaval e Portela – que sempre serão soberanos e responsáveis por muita alegria e orgulho de minha parte. Falo desses dirigentes corruptos e corruptores, que se esforçam pra manchar a imagem de nossa festa maior, de nosso samba, que é forte… tão forte que, ano após ano, porrada após porrada, consegue se manter impávido e autaneiro.
    Parabéns, Migão, por suas palavras, sua coragem e, sobretudo, seu amor pela Majestade do Samba!

  6. Concordo com quase tudo, porém acho que nessa história da troca de escolas, alguém sairia perdendo, independente da decisão tomada. Os portelenses estão vendo a coisa apenas sob seus prismas. OK, serão prejudicados. Mas as milhares de pessoas que compraram ingresso pra segunda-feira e que iriam ver apenas 3 escolas competitivas desfilando? Não seriam prejudicadas também?

    Dando uma de advogado do diabo então:

    O que vale nessas horas então? Pensar apenas no lado da Portela ou nos milhares de espectadores que compraram ingresso pra segunda.

    Uma dessas três escolas deveria mesmo passar pra segunda. Grande Rio, Ilha ou Portela. E qualquer uma que passasse pra domingo, claro que haveria gritaria reclamando. “Pq a Portela? Pq a Ilha? Pq a Grande Rio?”

    É sempre difícil agradar gregos e troianos.

  7. Excelente o seu artigo! Sou Portelense com ou sem incêndio, com ou sem lambança, pq a Portela está muito acima deste demente e autoritário presidente! Mas que indigna ver tanta safadeza com a nossa Escola, ah! isso indigna! Parabéns pela coragem!

  8. Prezado Fabricio,sou portelense de alma e vejo a questão da compra dos ingressos da seguinte forma: quem compra os milhares de ingressos? Brasileiros e turistas estrangeiros. Muito bem, cada brasileiro, nem que seja lá Tribufu do Não Sei das Quantas, tem sua escola preferida no Rio e ao escolher o dia do desfile para comprar o ingresso, é evidente, que escolhem aquele em que a sua preferida irá desfilar. Qto aos turistas: tudo bem. Eles, em geral, não tem samba no sangue, embora o carnaval seja feito pra eles.Daí, não penso que seja somente uma queixa dos portelenses, mas de todo o samba carioca. Foi muita politicagem e muita lambança mesmo. E a minha amada Portela, infelizmente, tá nesse rolo por conta da sua ridícula direção.Ai, amigo, a gente grita! Abraços

  9. presidente medroso nao tem lugar na portela,pior que a noticia que recebi segunda sa 8 horas da manha foi a de 9 horas da noite do mesmo dia quando anuciou que minha escola iria ficar fora da disputa.prefiro ser rebaixado tentando que ser chamado de covarde por nao tentar. amo minha portela vou chorar quando ela passar mas quando a lagrimas secarem temos que dar um rumo para portela que a muito tempo ela precisa tomar.vamos se unir e levantar a portela 21 VEZES CAMPEA DO CARNAVAL TEM QUE TER RESPEITOOOOOOOOOOO

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