Em mais uma terça feira, mais uma oportunidade de relembrar sambas inesquecíveis, desfiles inesquecíveis.

Nosso tema de hoje é uma samba que é muito caro para mim, pois marcou minha volta à avenida após três carnavais afastado do Grupo Especial por motivos pessoais, por um lado. E por outro, finalmente a minha estréia no Desfile das Campeãs do carnaval carioca.
A Portela vinha de uma quarta colocação no carnaval anterior, em 2008, retornando ao grupo das escolas que desfilavam no sábado das campeãs após dez anos. Para 2009, a escola havia perdido o carnavalesco Cahê Rodrigues para a Acadêmicos da Grande Rio, trazendo então Lane Sanmtana – com passagens pela Unidos da Tijuca e outras escolas – e Caribé, campeão do Grupo de Acesso B pela Inocentes de Belford Roxo em resultado bastante contestado.
Como habitual na gestão do Presidente Nilo Figueiredo, a Portela demorou bastante até definir seu enredo para o carnaval 2009. Falaram-se em várias alternativas, até que se definiu um tema clássico e poético: “E Por Falar em Amor, Onde Anda Você?”, onde a escola falaria do sentimento que move o mundo: o amor.
Era mais uma tema que propriamente um enredo, mas tinha o mérito de ser o primeiro enredo não patrocinado desde que a atual diretoria assumiu a escola. E, com certeza, geraria grandes sambas apesar do tempo extremamente curto para a disputa propriamente dita.
Nas palavras da sinopse:
“O amor é a linguagem universal. Nasceu junto com o homem e ainda se multiplica em sementes, resistindo bravamente às investidas do mal.

Assim como o ar, o amor deveria estar presente em todos os lugares. Sem ele, ninguém consegue respirar. Muito menos, suspirar.

Caligrafia divina, o amor tem escrita fina, escrevendo certo por linhas tortas. Está nas Sagradas Escrituras e nas línguas mortas. Enfrenta os maiores desafios para vencer os obstáculos que o separam da felicidade. O amor é início, meio e fim – mas não tem idade.

Ah, o amor!…

Dizem que na Idade das Trevas, quando o homem ainda vivia na obscuridade, entre as mazelas da guerra e epidemias que varriam o solo europeu, um rei deu tudo de seu. Demonstrou que o amor a seu país e à sua gente era mais importante que a própria vida. Ensinou que o homem depende da honra para atingir seus ideais e foi glorificado pelos poderes de uma espada, no silêncio dos séculos adormecida.

Diante de Sua Majestade curvaram-se doze cavaleiros que juraram eterna lealdade, defendendo o Rei e o Estado. Lendas de aventuras e heroísmo circulavam por todos os povoados, perpetuando a coragem e o estoicismo através de gerações medievais. Feitos de bravura e resignação tornaram-se uma tradição, sinônimos de verdadeiras provas de amor.

Era assim que a vida se construía. Cada degrau da escadaria guardava uma página de magia e um “quê” de bruxaria. E um feitiço impediria que a noite se encontrasse com o dia…

A distância deixada quando o amor se vai, brota uma lágrima no rosto da saudade. Na Índia, a lenda tornou-se realidade. O imperador jamais conseguiu mensurar a intensidade da dor desde o momento em que perdeu a sua amada.

Mandou construir um palácio para traduzir o que sentia: durante vinte anos, noite e dia, vinte mil homens puseram pedra sobre pedra para erguer a morada de quem já não existia.

Hoje, quando o sol se põe, o mármore do palácio ainda muda de cor, escrevendo sobre a terra o que restou de uma fascinante história de amor.

Ah… as histórias de amor! Elas atravessaram os mares e foram escritas em areias de praias brasileiras. Eram histórias-metade, histórias inteiras, que ensinavam o amor à nossa terra, à nossa gente e a todo esse continente chamado Brasil.

Histórias que contavam a mistura de raças e pensamentos, insurreições e movimentos pelo amor à liberdade. Histórias que custaram a vida, engrandeceram a morte, e com muito amor consolidaram a História dessa pátria tão querida.

Ah, meu Brasil! Que bom seria se todos te amassem… te respeitassem e zelassem pelo que é teu!

Que bom seria se cuidássemos da Natureza com mais amor!

Com toda a certeza, é a maior de nossas riquezas e a esperança para o planeta não sufocar com o calor. Devemos lutar pela sua integridade e pelo ar que respiramos.

Em nome do Pai, das Espécies e de todos os Seres Humanos.

Ah, meu Brasil, de sonhos possíveis, de tantos feitos incríveis!

Meu Brasil de ouro, de prata e de bronze; meu Brasil, que é craque nas onze!

Minha província mineral, tão rica no solo quanto em pérolas desse tesouro cultural.

Amor sugere emoção e é capaz de derreter o mais forte dos bravos. Basta tocar o coração. Foi assim que o vento levou… e nos arrebatou com um beijo à meia-luz, num cabaré em Casablanca. É assim que o amor nos conduz, meio Ghost, do outro lado da vida. Amores sem medida nos olhos do ator, refletido nos lábios da atriz – no escurinho do cinema, chupando drops de anis. Este é o amor com suas emboscadas, arrastando-nos para as ciladas da vida, transformando a platéia apaixonada em manteiga derretida.

Amor é energia. É a força que nos move para encontrar as soluções do dia-a-dia. É fonte de inspiração e plataforma de criação para uma vida mais sadia.

Amor é Física, é Química, é o fenômeno da aproximação: é o mistério que materializa a teoria da imaginação!

Amor envolve com sutileza: nos conselhos da mãe, nas palavras da professora, nos ensinamentos da fé, nas manifestações da Natureza.

O amor não é um privilégio do homem e também desperta “frisson” entre os animais. Nesse festival de paixão, quem ousa mais?

Os relógios anunciam que o tempo não pára e é hora de deixar o amor de lado para produzir. E tome tecnologia! Toda hora, todo dia. Escravo dos ponteiros, o homem vive pendurado nos fones do Ipod. Debruçado no laptop. Enfiado no PC… Será que ninguém mais se curte? Não, agora muitos namoram em salas virtuais e na interface do orkut.

A família já não se conhece, ninguém mais se fala – nem se abala. Na sala de jantar do nosso enredo, a TV de plasma é quem põe à mesa. E quando a gente descobre, o medo e a violência estão no cardápio do horário nobre.

Precisamos evoluir sem perder a essência: o sentimento é soberano. Eis a Ciência que dá sentido à vida do ser humano.

O amor traz saudade e nos acalanta no balanço do bonde que arrastava foliões para o Centro da Cidade. O bonde dos cordões, salão itinerante de um tempo sem maldade.

Lá se vão confetes e serpentinas, o bloco da esquina, o Bafo e o Cacique sacudindo a Avenida. Brincar, cantar, pular não era apenas fantasia. A gente era feliz e não sabia.

Amar também é viver de nostalgia e flutuar na magia de amores efêmeros, como num baile de carnaval. Amores anônimos, mascarados, dissimulados, atrevidos, insuflados por cupidos fantasiados, enternecidos por anjos endiabrados.

“Quanto riso!
Oh, quanta alegria!
Mais de mil palhaços no salão
O Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão…”

É chegado o momento de fazer uma reflexão para responder à pergunta que vem lá do coração:

– E por falar em Amor, onde anda você?

Tomara que nosso reencontro se dê nesta noite gloriosa, antes que a orquestra encerre o baile com a “Cidade Maravilhosa”.

É hora de ir embora, preciso cuidar da vida. Falei tanto de amor, que bateu a maior saudade da minha Portela querida.

GRES PORTELA
Presidente: Nilo Figueiredo
Autores: Marta Queiroz e Cláudio Vieira
Carnavalescos: Lane Santana e Jorge Caribé
Desenvolvimento: Equipe de Criação do GRES Portela

A disputa de samba foi um espetáculo à parte. Com um enredo e sinopse que ajudavam, os poetas portelenses estavam inspirados, o que gerou uma grande safra de sambas. A escola tinha pelo menos sete sambas em condições de ir para a avenida: os cinco finalistas e mais os sambas das parcerias de Juan Espanhol e Caixa D´Água.
Este último tinha versos que eram poesia pura: 
“Paixão quando marca
No peito é sufoco
É feitiçaria
No coração”
Meu preferido era o samba da parceria de Serginho Procópio, que tinha, além de uma cadência que respeitava os grandes sambas portelenses, um refrão do meio sensacional:
“Eu trouxe rosas pra te dar, são emoções
Detalhes feitos pra tocar os corações
Quem ama a Portela hoje vem pra cantar
O amor assim da cor do céu da cor do mar”
Mas o samba favorito de grande parte dos portelenses era o da parceria da compositora Eliane Faria, filha do grande Paulinho da Viola. Tinha um refrão absolutamente “arrasa quarteirão”, que dizia:
“Meu coração tem mania de amor
Sem a Portela não sei o que sou
21 vezes me fez delirar
É o meu rio, o meu céu e o mar”
A final de samba foi extremamente concorrida. Além das duas parcerias que citei aqui, tínhamos a sempre favoritíssima formada por Scafura e Diogo Nogueira – cuja “rádio corredor” dizia desde o início que seria o vencedor – e duas parecerias que representavam, os dois maiores “escritórios” de sambas carioca: a de Cristiane Mazarim, representando Cláudio Russo, e a de Flávio Bororó, trazendo André Diniz consigo.
O samba de Serginho Procópio sofreu com estranhíssimas falhas de som na finalíssima, e Eliane Faria e parceiros fizeram uma apresentação absolutamente inesquecível. Entretanto, uma vez mais a diretoria da escola ignorou os segmentos da escola e consagrou como campeão o samba de Júnior Scafura, o pior dos cinco concorrentes finalistas. Um bom samba, mas com um pecado mortal para o enredo: era frio.
Outra grande novidade da Portela para aquele carnaval era a porta bandeira Daniele Nascimento, nada mais que filha da grande Vilma, a maior da história da azul e branco.
A escola seguia seus preparativos sob desconfiança geral. Dizia-se que os carnavalescos eram inexperientes e que o barracão estava atrasado. Os portelenses, em particular, estavam confiantes em um bom resultado.
Por meu turno, eu estava bastante ansioso. Não desfilava desde o malfadado desfile de 2005 – contei aqui a história – e iria voltar à avenida, com a minha paixão, na mesma ala. Quando estive na quadra, após um longo jejum, em janeiro, chorei copiosamente de emoção ao ver a bateria tocar.
A escola seria a quarta a desfilar na segunda feira de carnaval, 23 de fevereiro. A concentração teve um início um pouco estressante, mas depois se tornou tranquilíssima. Minha fantasia, como vêem acima, representava o “amor virtual”.
A Portela passou amorosa, flutuando pela avenida Marquês de Sapucaí. Para quem desfilou como eu foi muito bacana, pois pudemos brincar carnaval de uma forma bastante agradável. Vim na última fila de minha ala, auxiliando na Harmonia, e assim mesmo brinquei muito.
Chorei quando vi Daniele dançando com todo seu simbolismo.
O criticado samba, apesar de frio, possibilitou um desfile delicioso à escola, por não cansar para se cantar e evoluir. A Portela saiu da avenida como uma das favoritas a voltar entre as seis campeãs do carnaval no sábado seguinte.
Em uma apuração onde o Salgueiro se destacou merecidamente desde o início como vencedor, a escola brigou ponto a ponto com a Beija Flor e a Vila Isabel pelo vice campeonato, acabando por lograr o terceiro lugar, com 397,9 pontos – e perdendo o segundo lugar na última nota. Era a melhor classificação desde 1995 para a minha águia de Oswaldo Cruz.
Entretanto, a passagem na escola no sábado das campeãs foi muito boa, como se pode ver no vídeo abaixo. Eu, particularmente, quebrava o tabu de jamais ter desfilado nesta ocasião – e brinquei muito.

Vamos abaixo ao samba, que o leitor pode ouvir em uma versão completa da avenida, desde o esquenta até o final:

Autores: Ciraninho, Diogo Nogueira, Júnior Escafura, Wanderley Monteiro e L.C. Máximo 
Puxador: Gilsinho 
“Brilha Portela! Das trevas renasce o amor 
Doze cavaleiros se uniram 
Um rei a lealdade conquistou 
Lendas de um povo europeu 
Feitiços, mistérios, magia 
A lua vem beijar o astro rei 
A noite se encontra com o dia 
Lágrimas nos olhos do imperador 
Na índia, o palácio da saudade 
Mãe África negra! O amor cruza o mar! 
Liberdade! 

Meu coração guerreiro 
É raça, é filho desse chão 
Meu canto tem raiz, é brasileiro 
É natureza e miscigenação 

Cenas de cinema, lindos temas de amor 
A união da família, momentos que o vento levou 
O homem tem que usar a consciência, 
As maravilhas da ciência 
Para viver em harmonia 
Vem recordar… ranchos, blocos e cordões 
Os mascarados no nos salões 
As fantasias no Municipal 
Embarque nesse bonde, é Carnaval! 
São vinte e uma estrelas que brilham no meu olhar 
Se eu for falar da Portela não vou terminar 
Lá vem minha águia no céu da paixão! 
O azul que faz pulsar meu coração! 

Oh! Majestade do Samba 
Meu orgulho maior é tua bandeira! 
Chegou minha Portela! Meu eterno amor! 
A luz de Oswaldo Cruz e Madureira”
(Fotos: Fabrício Gomes e Liesa)



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