Os últimos dias após a eliminação do Brasil na Copa do Mundo da África do Sul foram bastante pródigos em termos de comportamentos e, obviamente, “caça às bruxas”.
No fim das contas, acabou se responsabilizando o técnico Dunga, que passou pela suprema deselegância de ser demitido pela internet, sem ser avisado antes. Reproduzo no final deste post a carta enviada pelo mesmo a Ricardo Teixeira após ter sido demitido – formal e de certa maneira irônico, mas elegante.
Meus 67 leitores sabem que não morro de amores pelo ex-técnico da seleção, mas esta demissão, da forma como foi feita, me deu a impressão de ser um caso clássico de “atirar no mensageiro”.
Embora discorde da forma de jogar que o Brasil vinha adotando, era uma estratégia que vinha se mostrando eficiente em termos de resultados. Minha avaliação é que a eliminação se deu a algo que é normal em qualquer equipe do mundo, contudo fatal em uma Copa do Mundo: 45 minutos muito ruins na partida contra a Holanda.
Lembro aos leitores que um tempo de jogo ruim custaram somente este ano a eliminação do Barcelona da Liga dos Campeões da Europa e do Flamengo da Taça Libertadores, por exemplo. Estes altos e baixos ocorrem em qualquer equipe do mundo.
Por que então eu digo que “atiraram no mensageiro”? Porque apesar de ter cometido erros a postura de entregar o técnico à execração pública após a derrota encobre e tira do foco aqueles que são os verdadeiros responsáveis: os dirigentes máximos da entidade.
Também resolve outro problema embaraçoso para o Presidente da CBF, que foi o tratamento igual dado pela Comissão Técnica a todos os órgãos de comunicação – ruim, que fique claro. Esta postura gerou atritos entre Ricardo Teixeira e a Rede Globo de Televisão, que até 2006 tinha a Seleção Brasileira praticamente como parte integrante de seu portfólio de artistas, com diversos privilégios.
Quem não se lembra de 2002, onde somente tal órgão tinha acesso à Seleção nos dias de jogos ? Os jornalistas de outros órgãos tinham de assistir em um telão à entrevista dada à Globo a fim de obter notícias dos jogos. Por causa disso inclusive a Fifa mudou a regra das coletivas oficiais após as partidas para a Copa da Alemanha, tornando-as oficiais e obrigatórias.
Sem contar outros privilégios como o de ter jogadores para “exclusivas” a qualquer hora do dia ou da noite, estar no mesmo hotel da Seleção com direito a quarto junto aos atletas, saber antecipadamente a logística da equipe ou ter sempre a primazia na hora de divulgar “furos” de reportagem. Nesta Copa todos foram tratados igualmente, e isto é salutar.
Entretanto, a CBF vem dando sinais de que dará à Globo o status de ser uma espécie de “assessoria de imprensa” da Seleção durante os preparativos para a Copa de 2014. O técnico que for contratado necessariamente terá de atender a estes interesses mesmo que haja prejuízos na preparação da equipe.
Não surpreende, portanto, a preferência por Felipão – que era o técnico em 2002. Não surpreende, também, a forma escolhida por Ricardo Teixeira para explicar as novas diretrizes – em exclusiva ao intragável Galvão Bueno.
Dunga deveria ter saído sim do cargo, porque cometeu alguns erros sérios na preparação da equipe e nas decisões inerentes ao trabalho de selecionador nacional. Entretanto, a sensação que eu tenho é de que ele foi demitido muito mais pelas virtudes que pelos defeitos.
Vale lembrar aos leitores que Ricardo Teixeira, Presidente da CBF, já declarou diversas vezes que não gosta de futebol. Seu direcionamento ao futebol brasileiro reduz tudo à Seleção e ao dinheiro que esta pode render aos cofres da entidade, deixando muitas vezes o aspecto esportivo em segundo plano. No recente entrevero entre o técnico e a televisão não hesitou em mostrar de que lado estava.
Também há a questão dos dez patrocinadores master da equipe brasileira, que reclamavam da pequena exposição de suas marcas devido ao fechamento dos treinos. Isso também influiu para o desfecho.
E olha que nem citarei as diversas denúncias de corrupção em que o mandatário é citado…
Uma outra pergunta que se faz necessária: o que fazia na África do Sul  – além de aliciar jogadores e tentar um estádio particular a custo zero – o chefe de delegação e Presidente do Corínthians Andrés Sanchez ?
Obviamente, não imputo à Globo o papel de vilã da história, embora a campanha feita contra o treinador após o episódio envolvendo o jornalista Alex Escobar tenha sido um dos fatores de desestruturação da equipe. Se ela tem estes privilégios é porque alguém deu.
Por outro lado, configura-se claramente a subordinação do jornalístico e da preparação da Seleção ao comercial, por um lado, e um claro desequilíbrio nas condições oferecidas para o trabalho da imprensa, por outro. Com isso temos uma condição distorcida de competição, que caberia ao órgão regulador do setor corrigir.
Concluindo, crucificar o técnico pelo fracasso na África do Sul, em que pesem seus defeitos e erros, parece um caso claro de “desvio de foco” dos verdadeiros responsáveis e das verdadeiras razões. Atiraram, como sempre, no mensageiro…
Aguardem: a preparação da Seleção para 2014 será um tremendo circo. Quem viver verá.
P.S.1 – Os torcedores cariocas deveriam estar rezando pela não contratação de Felipão. Este já afirmou várias vezes que não trabalha com jogadores de clubes do Rio – por considerá-los “indolentes”, em um preconceito injustificado – e que jogador de qualidade irá querer jogar aqui sabendo que perde a chance de jogar uma Copa do Mundo em casa ?

P.S.2 – Sugiro aos leitores atenção especial às arbitragens do Corínthians nesta retomada do Brasileirão…

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