Mantendo a tradição, fecharemos a Justificando 2020 com Enredo. Gosto de encerrar as séries com este quesito pois, com a extinção do quesito conjunto, este é o que mais se aproxima de julgar o desfile em sua completude. Este também é outro que se divide em dois sub-quesitos: concepção e realização, ambos variando entre 4,5 e 5 pontos.

Apesar de ser o último quesito, ainda não será o encerramento da série porque, tal qual ano passado, teremos uma última coluna de encerramento e sugestões para fechar a série.

Módulo 1

Julgador: Johnny Soares

  • Estácio de Sá – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,9 (concepção 4,9 e realização)
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,7 (concepção 4,9 e realização 4,8)
  • Portela – 10
  • São Clemente – 10
  • Vila Isabel – 9,9 (concepção 4,9)
  • Salgueiro – 9,9 (concepção 4,9)
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 9,9 (concepção 4,9)

Pela primeira vez eu irei elogiar um caderno do Johnny Soares. Para quem não se lembra, este julgador tem um histórico altamente problemático com 3 cadernos bem complicados em 2015, 2016 e 2019 (em 2017 foi reserva) além da enorme polêmica de 2014, quando a Justificando ainda não existia.

Mas esse ano ele descontou os enredos mais problemáticos com justificativas altamente pertinentes que também serão usadas por outros julgadores do quesito. Destaque para a falta de equilíbrio, a favor do primeiro, entre o Rei Dom Sebastião e São Sebastião no Tuiuti, o setor cigano do Salgueiro que foi incluído sem explicar o que isso tinha a ver com o homenageado e a total falta de clareza da lenda criada pela Vila Isabel.

Se ele apontasse um erro crasso do Salgueiro, que foi o fato de pensar um circo americano para um palhaço brasileiríssimo como Benjamin de Oliveira (alias algo não apontado por absolutamente nenhum julgador), ganharia um ‘bravo, bravíssimo”. Mas ainda sim um ótimo caderno do julgador: até a dosimetria está bem clara.

Antes de encerrar este caderno, preciso fazer um rápido comentário. Não bastasse tudo de ruim que se juntou no desfile da União da Ilha, a escola ainda conseguiu a proeza de incluir uma ala que não consta no Livro Abre-alas! A ala de senhoras com uma roupa estampada que vinha logo atrás da bateria não está referenciada nem na roteirização do desfile nem da descrição das fantasias. O fato por si só já é punível pelo Manual da LIESA, mas, complicando ainda mais, fica impossível saber o que a fantasia representava neste enredo confuso. Três julgadores notaram isso, incluindo este, e fizeram o devido desconto.Módulo 2

Julgador: Marcelo Figueira

  • Estácio de Sá – 9,8 (concepção 4,8)
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,9 (concepção 4,9)
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,7 (concepção 4,8 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • São Clemente – 10
  • Vila Isabel – 9,9 (concepção 4,9)
  • Salgueiro – 9,9 (concepção 4,9)
  • Unidos da Tijuca – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 9,9 (concepção 4,9)

Logo me chamou a atenção neste caderno a repetição de um erro que este julgador já cometera em 2017. Ele reparou a inversão da ala 22 da Estácio, que entrou após a ala 24, mas, diferentemente de todos os outros julgadores, não puniu pois entendeu que “não foi prejudicial ao entendimento do encadeamento entre alas”.

Isso foi um erro duplo. O primeiro erro é justamente a repetição do erro feito em 2017. O Manual do Julgador diz simplesmente que deve-se penalizar “a troca de ordem, em desfile, de Alegorias ou Alas que estejam previstas no Roteiro fornecido pela Escola (Livro Abre-Alas)”. Não importa se ele atrapalhou ou não a mensagem do enredo. Se houve a inversão e ela foi reparada, ela precisa ser punida.

O erro torna-se ainda mais grave porque essa inversão atrapalhou o enredo de forma muito clara. O último setor da Estácio claramente partiu do macro, o Universo, para chegar no micro, o satélite Lua, para demonstrar a Terra vista da Lua de São Jorge, o ápice deste setor. Para isso, o desfile estava programado para trazer na exata ordem o Universo, o Sol, a Terra e, por fim, São Jorge (morador da Lua segundo a lenda). A partir do momento que se traz o Sol e a Terra na frente do Universo há uma claríssima quebra do enredo e desvirtuou toda a lógica do encadeamento das alas.

Ele também não reparou a “ala extra” da União da Ilha, sabe-se lá como.

De resto, mais um caderno com justificativas pertinentes, críticas pesadas em desconexões de enredo que existiram no Salgueiro (a mesma do julgador anterior) e na Beija-Flor (no caso a inclusão dos ciganos na parte religiosa do enredo, sendo que o povo cigano não tem uma religião específica) além da quebra abrupta entre os setores 2 e 3 da Unidos da Tijuca.

Porém, infelizmente, os dois problemas citados são muito graves para se dizer que foi um bom trabalho do julgador. Principalmente porque o erro de não punir a inversão de alas foi repetido. A LIESA precisa reforçar que a inversão de alas deve ser punida de qualquer forma, com ou sem prejuízo de interpretação do enredo, exatamente da forma como está escrito no Manual do Julgador.

Módulo 3

Julgador: Artur Nunes Gomes

  • Estácio de Sá – 9,7 (concepção 4,9 e realização 4,8)
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,9 (concepção 4,9)
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • São Clemente – 9,9 (realização 4,9)
  • Vila Isabel – 9,9 (concepção 4,9)
  • Salgueiro – 10
  • Unidos da Tijuca – 9,9 (realização 4,9)
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 10

Mais um bom caderno nesse quesito que, felizmente, manteve o alto nível do ano passado. Estou evitando de copiar na íntegra justificativas, como costumo fazer em enredo, porque basicamente os julgadores perceberam os mesmos erros em todos os cadernos, de forma que tal cópia ficaria repetitiva. Aqui, este julgador também descontou a fuga do tema no setor da Serra dos Carajás e a inversão das alas da Estácio (além de achar um outro erro na posição do 3º casal), o excesso de ênfase no rei em detrimento do santo no Tuiuti, a salada geral do enredo da Vila e a quebra de narrativa do setor 3 da Tijuca, além de sua dificuldade de entendimento dentro do fio condutor do enredo.

Apenas senti falta de uma crítica ao complicado enredo salgueirense, canetado por outros três julgadores. Além disso, ele também foi o outro julgador que não reparou a “ala extra” da Ilha.

Quanto a Beija-Flor, que também teve um enredo com certa polêmica em sua condução, assim como aos dois julgadores abaixo, faz parte da subjetividade natural e necessária do julgamento de uma arte. É fácil pensar em uma defesa honesta para o enredo da Beija-Flor, apesar da sua obviedade na construção histórica, passando pelos sumérios, chineses, romanos etc.Módulo 4

Julgador: Marcelo Antonio Masô

  • Estácio de Sá – 9,9 (realização 4,9)
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,9 (concepção 4,9)
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • São Clemente – 9,9 (concepção 4,9)
  • Vila Isabel – 10
  • Salgueiro – 9,9 (concepção 4,9)
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Mocidade – 9,9 (concepção 4,9)
  • Beija-Flor  – 10

Masô escreve verdadeiros testamentos em suas bem feitas justificativas. Foi o único a ser mais complacente com a Estácio e puniu apenas a inversão de alas, não considerando outros problemas argumentativos relacionados por outros julgadores. Quanto a Ilha, despontou apenas a falta do comércio nas comunidades no setor 1 e a “ala extra”. Também despontou a mesma desigualdade entre rei e santo no Tuiuti. Porém, além de ser o único a despontuar a Mocidade no quesito, novas justificativas apareceram em relação ao Salgueiro e São Clemente.

Na São Clemente ele despontou pois as alas 19 e 20, respectivamente “Em busca da eterna juventude” e “Expectativa e realidade”, pois não fariam parte das “trapaças tecnológicas” que compuseram o setor 5. Porém, no Livro Abre-Alas, a escola nunca ligou diretamente o setor 5 às tecnologias, mas apenas “A moderna vigarice”, “atualizado, ligado às novas tecnologias”. Levando-se ao pé da letra, o julgador está certo pois ambas são traquinagens que existem desde antes da popularização do computador e da internet.

Ao mesmo tempo, são vigarices com forte ligação com as “novas tecnologias”. A “eterna juventude” foi potencializada pelas várias propagandas de televisão que vendem maravilhas feitas por “produtos milagrosos” para emagrecer e ficar “em cima”. Já a situação entre ter uma expectativa ao comprar e ter outra realidade ao ver o produto também explodiu com o comércio eletrônico. É uma justificativa bem polêmica e há bons argumentos tanto para quem é favor como contra ela.

No Salgueiro ele não mencionou o despropósito do setor cigano, mas a falta de destaque para o lado de cantor e compositor de Benjamin de Oliveira. Argumenta o julgador, com certa razão, que apenas uma ala fez a menção ao “palhaço cantor” e logo depois vinha várias alas representando diversos instrumentos musicais, que não remetem nem a cantor nem a compositor, mas aos musicistas que tocam os respectivos instrumentos.

Na Mocidade, outra  polêmica. Ele descontou um posicionamento errado da ala 23 “Fenix – A reinvenção da deusa”, pois esta ala deveria encerrar o desfile já que a fênix representa a consagração,.

Em contraponto a esta argumentação, ao mesmo tempo que representa consagração, a fênix também representa o renascer das cinzas e faz a ponte perfeita entre o setor 5, no qual ela sofreu demais, e o setor 6, onde ela reinventou sua carreira após algum tempo de esquecimento. Por isso a escolha de abrir o setor com a ala da fênix.

Além disso, o julgador sentiu falta no desfile do fato de Elza ter sido escolhida como cantora do século pela BBC, que está apontado na justificativa do enredo.

No meio disso tudo, ele conseguiu ser o único a dar 10 para a confusão do enredo da Vila Isabel.

Apesar de serem polêmicos, os argumentos de Mocidade e São Clemente são perfeitamente aceitáveis dentro da subjetividade inerente ao julgamento das escolas de samba. O julgador não fugiu do seu papel de julgar e justificar e é possível dizer que escreveu um bom caderno por mais um ano, mesmo talvez tendo cometido um leve deslize na Vila Isabel.

Módulo 5

Julgador: Pérsio Gomyde Brasil

  • Estácio de Sá – 9,7 (concepção 4,9 e realização 4,8)
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,9 (concepção 4,9)
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • São Clemente – 9,9 (realização 4,9)
  • Vila Isabel – 9,9 (concepção 4,9)
  • Salgueiro – 10
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 10

Fecharemos este ano com o julgador mais conhecido deste quesito. O conhecimento de Pérsio, tanto de mundo como da história do carnaval, é vasta e ele não poupa de usá-las em suas justificativas. Destaque especial para a excelente explicação de como o foco no ouro acaba se afastando do tema ‘Pedra” na Estácio.

Além disso, a única justificativa realmente nova é a da São Clemente, despontuada por falta de transmissão da mensagem pretendida nas alas 2 e 16. Todas as outras justificativas foram as dadas pelos julgadores acima.

Aqui apenas estranhei o 10 de Unidos da Tijuca e do Salgueiro. Ambas as escolas tiveram graves problemas de congruência em certos setores, como já apontado acima, e Pérsio costuma ser rigoroso com isso.

Infelizmente não dá para dizer que foi um caderno espetacular de Pérsio justamente por causa dessas duas notas 10. Ainda sim temos um caderno interessante.

Finalizando o quesito, fechamos esta viagem pelos cadernos de julgamento com um dos quesitos melhor julgados no ano. Os cadernos conversam entre si, apontam problemas parecidos e bastante fidedignos com o que vimos na avenida.

Apesar de uma ou outra surpresa ou polêmica, naturais de um quesito de avaliação tão densa, houve um excelente julgamento de Enredo. Não tivemos justificativas malucas, muito menos os julgadores inventaram regras de suas próprias cabeças, salvo o não desconto da inversão do módulo 2, como era comum em anos anteriores.

Segunda-feira publicaremos o texto de encerramento da Justificando o Injustificável 2020.

Imagens: Ouro de Tolo