Ontem, quarta-feira, tivemos a primeira partida das semifinais da Copa do Brasil, entre Botafogo e Flamengo.

Entre coisas como o zero a zero que levou a decisão ao segundo jogo, a arbitragem confusa e os problemas decorrentes do mau relacionamento entre as diretorias, chamou a atenção o caso de injúria racial de um torcedor do Botafogo aos familiares do jogador Vinícius Jr., do Flamengo.

O torcedor em questão foi denunciado pelos próprios botafoguenses presentes, mas no momento em que escrevo a informação é que prestou depoimento e responderá ao processo em liberdade.

A reflexão destas linhas, entretanto, é outra: até que ponto comportamentos em estádios podem se escorar na velha desculpa “de que o que ocorre no estádio fica em estádio”?

Como os leitores sabem, tenho 42 anos. 38 de estádio – meu primeiro jogo foi o do tricampeonato estadual de 79, contra este mesmo Botafogo, no dia do meu aniversário.

Cresci dentro desta cultura. Cantos homofóbicos contra a torcida do Fluminense (não somente), de preconceito social contra nós rubro-negros – que foram assumidos por nós como algo positivo – e outras expressões de intolerância, preconceito e machismo. Muitas vezes com atos de racismo explícito.

Isso era dito como “válido”, pois dentro do estádio “vale tudo para desestabilizar o adversário”. Cheguei a escrever artigo anos atrás sobre o “humor politicamente incorreto dos estádios”, e acho que deveria naquela ocasião ter condenado de forma mais enfática este tipo de comportamento.

Errei, e assumo. Mas isso dá um gancho para outra faceta deste tópico.

Como escrevi em redes sociais hoje mais cedo, para a geração dos meus pais este tipo de comportamento era considerado “aceito”, “normal”, “esperado”. Eram fruto de uma criação mais conservadora e chamar em um estádio alguém de “bicha”, de “preto” ou de “favelado” – apenas para ficar nos exemplos mais comuns – era aceito socialmente. Embora errado, sabemos hoje.

A minha geração é de transição. Foi criada ainda com resquícios deste tipo de comportamento, mas foi “educada” a mudar este comportamento porque, finalmente, tomou a consciência que homofobia, machismo, racismo e preconceito social são coisas que precisam ser erradicadas de nosso convívio.

Entretanto, o mais inacreditável é que a geração hoje na casa dos 20 anos, em média (economista adora falar isso), repete exatamente o comportamento da geração dos meus pais, de forma mais aberta até. É geração mais machista, homofóbica e preconceituosa com aspectos sociais e de minorias.

Uma das respostas que recebi indicava que a minha geração era filha dos pais dos “anos loucos” da década de 70. Discordo, porque o “golpe dentro do golpe” representado pelo AI-5 em 1968 fechou o país a influências externas de forma ampla, o que tornou muito limitados os efeitos de fenômenos como a contracultura e movimentos liberalizantes de costumes ocorridos.

Ainda assim, consigo ver mudanças de comportamento palpáveis. Como os botafoguenses que denunciaram o indivíduo que ofendeu a família de Vinícius Jr. Ou como eu e mais alguns no último Fla-Flu reclamando dos cantos homofóbicos à torcida tricolor.

Isto é algo que representa um trabalho de “formiguinha”: um a um, dois a dois, cem a cem, até chegar ao todo. Mudanças de cultura são lentas, ainda mais quando estamos falando de uma cultura mais que centenária.

Vale lembrar, também, que o Brasil vive um momento onde as demonstrações de preconceito como um todo são assumidas por uma parcela expressiva da sociedade. Assumidas e disseminadas como algo “positivo”.

Ao mesmo tempo em que a conscientização de preconceitos avança lentamente em certos públicos e parcelas da sociedade, há uma avalanche de manifestações que, embora sejam publicamente “condenadas”, são consideradas “aceitáveis” e “justas”. Machismo, homofobia, preconceito social, racismo (este mais velado, como sempre foi, mas muito presente).

Não deixa de ser uma contradição da sociedade brasileira.

Poderia estender este texto a outros campos da sociedade brasileira, mas sairia do foco. Os estádios de futebol são um microcosmo da maioria (mesmo que “silenciosa”) da sociedade brasileira, que vive um processo claro e manifesto de guinada conservadora.

Por outro lado, preconceitos como estes são inaceitáveis e precisam ser combatidos. Cada um fazendo sua parte, não cantando estes tipos de “coros de torcida” e condenando este tipo de comportamento.

Que é inaceitável.

Imagens: Flamengo/Gilvan de Souza (Vinícius Jr.) e Ouro de Tolo (Fla-Flu)

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2 Replies to “Preconceito, Estádio e Sociedade”

  1. Acho que o grande problema é que, até alguns anos atrás, as pessoas idiotas tinham vergonha de ser idiotas, e escondiam suas ideias e pensamentos intolerantes. Hoje elas se orgulham disso. E ainda se dizem vítimas de perseguição, pra ver a que ponto chegamos…

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