Retomando nossa coluna, o samba e desfile de hoje são daqueles que o admirador do carnaval vai demorar um pouco para se lembrar, mas que representa o ponto mais alto recente de uma instituição do carnaval carioca: o Império Serrano.

Império Serrano que os mais jovens não devem ter muita noção de sua grandeza, mas que faz falta ao Grupo Especial. Faz e faz muita falta. E este desfile do qual contaremos a história é uma das oportunidades em que a agremiação deveria, ou poderia, ter retornado ao seu lugar de direito.

Nossa história começa em 2014. O Império Serrano encerrou o desfile de sexta feira no Grupo de Acesso com uma apresentação bastante pálida homenageando a cidade de Angra dos Reis. O sexto lugar alcançado foi considerado por muitos até injusto, sendo quase que consenso que algo em torno do nono ou décimo lugar teria sido mais adequado a um desfile repleto de problemas.

O pós-carnaval da escola foi conturbado. As eleições marcadas para maio, ocorreram sob liminares, contas não aprovadas do então presidente Átila Gomes (posteriormente expulso da escola), chapas sendo impedidas de concorrer e depois desistindo, embargo na Justiça adiando o pleito… Teve de tudo.

No fim das contas, a chapa comandada pela candidata Vera Lúcia acabou sendo a última a concorrer, tendo sido eleita/aclamada com 604 votos. Vera Lúcia já havia sido presidente da escola no carnaval de 2011, mas havia perdido a eleição subsequente por apenas dois votos para Átila Gomes.

No mesmo dia em que foi eleita, a presidenta anunciou que Severo Luzardo seria seu carnavalesco e o enredo seria “Poema aos Peregrinos da Fé”. Originalmente, pensava-se que a abordagem seria semelhante ao enredo da própria escola em 2006, mas depois ficaria claro que o enfoque, neste caso, seria a Fé.

Segundo a sinopse, disponível no site Galeria do Samba, o enredo permeava pelas procissões religiosas, até terminar na fé do imperiano no próprio Império Serrano. Era uma tentativa de resgatar o moral da agremiação, que, além dos problemas legais, enfrentava gravíssima crise financeira.

Ao contrário dos dois anos posteriores, a disputa de samba desde o início foi dominada pela parceria comandada pelo multicampeão Arlindo Cruz. Desde que a composição desta parceria foi revelada nos sites especializados, ela gerou defesas apaixonadas nos fóruns dedicados às escolas na internet. E assim foi até uma vitória tranquila na final, que contou também com as parcerias de Carlinhos da Paz e Lula Antunes.

A preparação da escola foi muito complicada. A ponto de o Império Serrano ser apontado antes do desfile como candidato ao rebaixamento por diversos analistas de sites especializados. Não havia dinheiro, o barracão estava em um espaço improvisado – onde, aliás, está até hoje – e se não fosse a ajuda especialmente da Imperatriz Leopoldinense e seu presidente Luiz Pacheco Drummond (imperiano de berço), talvez o desfile nem saísse.

Além disso, para complicar tudo o Império Serrano seria a terceira escola a desfilar na sexta feira de carnaval, a pior posição possível entre as que são sorteadas – naquele momento, as duas primeiras de sexta feira não entravam no sorteio da ordem. Tudo conspirava para um desfile sofrível.

Entretanto, o carnavalesco Severo Luzardo é conhecido pela capacidade de reaproveitar materiais e torná-los novamente bonitos em carros e fantasias. E, com ajudas aqui e ali, mesmo sem dinheiro, Luzardo preparou carros bastante dignos para o desfile.

A penúria era tanta que, originalmente, os puxadores seriam Arlindo Neto, Lucas Donato e Alex Ribeiro, trinca que sofreu muitas críticas no período pré-carnavalesco. A ponto de o colunista deste blog Leonardo Dahi ter se envolvido em grande polêmica nas redes sociais após criticar Lucas Donato e os outros dizendo que eles não teriam condição de ser os principias intérpretes da escola.

Tendo condição ou não, durante o pré-carnaval a Portela cedeu sem custo seu quarto intérprete, Cremílson “Bico Doce”, para ser o primeiro cantor do Império Serrano. Além disso, a Águia ajudou com material e a sua direção de Harmonia também seria a direção do Império Serrano – corrigindo uma questão crônica em anos anteriores.

Parêntese. Quarta-feira antes do desfile me passa um e-mail o Vítor, um dos presidentes da Ala dos Devotos, onde desfilei em 2010 e 2012. O Zé Carlos, que dividia com ele o comando da ala, havia sido internado e ele precisava de uma pessoa para auxiliar na Harmonia.

E eu caí de paraquedas na Harmonia do Império Serrano a 48 horas do desfile. Olhando racionalmente, parece uma loucura, mas não iria deixar de ajudar um amigo de anos. Ainda arrastei o colunista deste Ouro de Tolo Rafael Rafic para nos ajudar nesta empreitada.

Para complicar a história, eu fiquei preso no trânsito para chegar à Sapucaí e ainda não tinha pego minha camisa. Se não fosse o Rafic pegando para mim – estávamos na mesma frisa – não teria desfilado. Fecha o parêntese – por enquanto. Ao chegar na concentração, a direção de Harmonia conhecida me tranquilizou bastante.

Sexta-feira de carnaval. Concentração. As alegorias arrumadinhas, simples, mas sem nada faltando. As fantasias idem: simples, mas funcionais e predominantemente em verde e branco. Foi uma injeção de ânimo nos componentes, que esperavam algo muito pior dado o noticiário e a crise financeira vivida pelo Império Serrano.

Normalmente desorganizada, a concentração organizou bem a escola e tornou muito tranquila a preparação final do Império Serrano para 2015.

O desfile aconteceu ali.

O Império Serrano veio forte desde o grito de guerra, dado por Cremílson, Alex Soares e Arlindo Neto. A comissão de frente, emulando as comissões tradicionais, tinha o detalhe de trazer na capa da fantasia a coroa símbolo da agremiação de um lado e fotos de grandes baluartes do outro.

As alas vinham mostrando as peregrinações de fiéis e suas manifestações religiosas. Muito verde, muito branco e muito dourado. Os carros estavam simples, em especial o último, que praticamente só tinha queijos sem esculturas, mas contavam o enredo e não tinham problemas de acabamento. Luzardo havia feito um verdadeiro milagre.

Como se não bastassem todos os percalços, o desfile ainda sofreu com falhas de som. Pelo menos em três ocasiões o sistema da Sapucaí caiu totalmente, o que só aumentou a garra do canto da escola. O Império veio “quicando”, como se diz, fazendo uma evolução perfeita. Ao contrário de outros anos, a direção de Harmonia teve uma atuação perfeita durante o desfile – melhor até que do que o visto na segunda-feira de carnaval daquele mesmo ano…

Ainda considerando a péssima colocação de desfile, o Império Serrano saiu como um dos favoritos ao acesso ao Especial após a finalização dos desfiles. Junto com a Unidos de Padre Miguel e em menor escala a Estácio de Sá, a apuração previa fortes emoções.

Porém, as notas dos jurados deram à Estácio de Sá o título e a vaga no Especial com alguma folga, em resultado que recebeu contestação no meio. Coube ao Império o terceiro lugar, atrás ainda da Unidos de Padre Miguel – cujo presidente me afirmaria posteriormente que só admitia perder para a Serrinha.

No fim das contas, o saldo foi amplamente positivo, ainda que sem a tão sonhada volta ao Especial. Por meu turno, pude dar conta do recado mesmo caindo de paraquedas na avenida, tanto que voltaria no ano seguinte. Abaixo, o samba que o Império levou naquele Carnaval.

A nota triste foi o falecimento do Zé Carlos na Quarta Feira de Cinzas daquele ano. Que Deus o tenha.

Autor(es)
Arlindo Cruz, Lucas Donato, Alex Ribeiro, Rogê, Carlos Senna, Beto BR, Andinho Samara, Zé Glória, Wagner Rogério e Chico

Andar com fé eu vou
Na minha peregrinação
Vai ter muita festa, muita emoção
Além dos limites da religião
Imperiano.
Sambista devoto do santo guerreiro
Passo na Avenida em romaria
Buscando a vitória, levando alegria
Lá vou eu..

Vou no pau de arara, de chapéu de palha
Barriga vazia.. Purificação
Cheio de esperança, sai pra lá pecado
Tô de corpo e alma nesta procissão

Por todos os cantos, com todos os santos
Valei-me padim Ciço, Oxalá Nossa Senhora
Tá na hora, adorando minha escola
Peço a deus pra abençoar
Hoje a fantasia é o manto
Nossa sinfonia um encanto
Meu samba nunca vai morrer
E a serrinha vem dizer..
O branco é a paz e o verde é esperança
De ver o mundo só fazer o bem
Senhor rogai por nós amém

No toque do agogô
Eu vou com fé e amor
E pode acreditar
A fé não costuma falhar

Imagens: Ouro de Tolo

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14 Replies to “Samba de Terça: “Poema aos Peregrinos da Fé””

  1. Bem legal esse texto Pedro! Ao contrário do Grupo Especial, em que marco presença na Sapucaí, acompanho o Grupo de Acesso pela tv (transmissão bem melhor, aliás), e logo no grito de guerra, deu pra sentir um treco esquisito, mesmo sem ser imperiano, apesar de admirar e respeitar muito a escola, fiquei muito emocionado, arrepiado até, isso pela tv, imagino o sentimento em vocês componentes. Deve ter sido um momento muito especial mesmo.
    A escola não só cantou, ela urrou o (belíssimo) samba! E o trabalho do Severo, bom, posso dizer que, no que diz respeito a parte visual, os insulanos não tem o que temer em relação aos boatos de rebaixamento esse ano, o cara é fera!

    E como disse em outro comentário, na Trinta Atos, acho, não engulo esse título da Estácio, mesmo que fosse por um décimo. Império e Unidos de Padre Miguel sobraram. O presidente da escola está coberto de razão.

    1. A transmissão da tv naquele ano abriu justamente com o Império, então se mostrou todo o processo da “arrancada” da escola.

  2. Quem viveu os bastidores, sabe o quanto foi agoniante preparar esse carnaval, porém tínhamos sempre fé de que o carnaval sairia.
    Me emociono toda vez que lembro da preparação, e do desfile, no qual eu tive um grave imprevisto com a roupa…
    Me orgulho demais de ter feito parte deste projeto, obrigado pelas recordações transmitidas através do texto, sobre tudo, a lembrança do Zé, grandiosissimo saudoso imperiano!!

    1. Eu ia mencionar o problema com o teu resplendor, mas é tanta informação que acabei me esquecendo na hora de redigir o texto final;

  3. Olá, Pedro!

    Informações para ti:

    – Alex Soares provavelmente seria o Alex Ribeiro, filho do saudoso Roberto Ribeiro.
    – “Andar com fé EU VOU…” é o verso correto da entrada do samba-de-enredo.
    – as contas da gestão Átila Gomes estão sub-júdice, ainda em curso, pelo o que sei até o momento.

    Abraços, irmão, e obrigado pela menção e lembrança…rs!

  4. Bom dia alguns esclarecimentos para seu bom texto:

    -Alex Ribeiro era cantor e compositor do samba também.
    -Cremilson cantou no Imperio e na Portela, mas não houve cessão da portela, simplesmente o Cremilson se acertou com o Império.
    -A Harmonia não era da portela, isso não existiu, a Harmonia foi comandada por André Marins e Ferreti, e o grupo foi um grupo formado para o Imperio, não tendo nada a ver com a Portela.

    1. Vamos lá, Márcio:

      1) Ele consta na ficha técnica do samba. No vídeo é creditado como Alex Soares, mas é a mesma pessoa;
      2) Houve sim consulta à direção da Portela e essa informação eu banco;
      3) André Marins era um dos responsáveis pela harmonia da Portela aquele ano e diversos componentes da Portela desfilaram no Império. Lembro que eu desfilei como Harmonia de ala;

      Obrigado pelo comentário.

  5. No fim do texto fiquei em dúvida sobre a sua opinião em relação ao samba. Você não gostava da obra? Eu gostava bastante. Foi meu favorito em toda a disputa e embalou um desfile de muita garra e superação. Nota engraçada sobre a fantasia (muito bonita) da Ala dos Devotos (está numa das fotos acima). Um amigo, fantasiado de “águas de Oxalá”, avistou mestre Wilson das Neves na concentração. Decidiu cumprimentá-lo. Ao vê-lo de “saia” (na verdade, a roupa do próprio Oxalá), o mestre não se conteve…”-Que situação, hein, companheiro?”. Desfile de resgate e orgulho. Fica o agradecimento à dedicação e profissionalismo do Severo.

    1. História sensacional essa

      Quanto ao samba, no período pré carnaval eu não achava isso tudo, mas o desempenho dele na avenida foi irretocável. Bem diferente do ano seguinte, aliás.

  6. Desfile que aconteceu na avenida, mais exatamente na Presidente Vargas. Quando a escola viu os carros alegórivos ajeitadinhos na Presidente Vargas, encheu a escola de entusiasmo.

    Outro momento que me marcou muito foi quando nossa ala (do meio para o fim da escola) já estava em frente ao setor 5 ou 7, uma falha ENORME do sistema de som deixou a pista 1 passada inteira do samba sem som. Quando o som voltou, percebemos que tínhamos cantado o samba no exatíssimo tempo do carro de som, já que estávamos exatamente no mesmo momento da música.

    Quando isso ocorreu, todos se olharam emocionados e entusiasmados e eu e Migão fizemos um “hi-five” que produziu um som bem alto.

    Ao chegar na apoteose, me vi pela 1ª e única vez na vida chorando por causa de uma escola que não a Portela. Desfile inesquecível, ainda mais caindo de paraquedas na harmonia do Império como bem contou o Migão na coluna.

    Até hoje foi minha única passagem por qualquer harmonia, apesar de ser algo que sempre quis (e quero) fazer em desfiles.

    1. Bem lembrado sobre este fato entre os Setores 5 e 7. A escola não atravessou em nenhum momento em nenhuma das falhas de som.

  7. Um samba que eu gosto muito de ouvir. Ficou muito bonito no CD – e o quarteto foi ótimo no registro. Na avenida, foi aquela injeção de ânimo. Me arrepiei com aquele desfile, chegando a dizer depois que “esse é o Império Serrano que eu não vi nos anos anteriores”. Pena que meteram a mão na escola, um vice campeonato seria aceitável.

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