Entre tantas semelhanças que unem o carnaval ao futebol há também tantas diferenças. Se é fato que o desfile das escolas de samba assim foi idealizado por um jornal esportivo, com todo o conceito de competição extraído do futebol (o que se provou um tremendo acerto), o resultado desse campeonato é bem mais subjetivo do que o de um torneio de bola.

Se em campo existem três responsáveis pela arbitragem, com um deles sendo o juiz principal, no carnaval o número de jurados é bem maior – e variou ao longo dos anos.

E a lista poderia se prolongar mas a ideia não era esta. E sim pensar sobre justiças e injustiças. No Carnaval, ao longo da história, aconteceram muitos resultados injustos. Títulos contestáveis, rebaixamentos absurdos. E por mais subjetivos que sejam os critérios do júri a falta de sentido de determinadas decisões foi enorme e escancarada. Novamente não me alongarei em listas de injustiças históricas no carnaval.

mangueira87Já no futebol tenho uma opinião bem diferente. Acho que não existe injustiça em resultados de jogos de futebol.

Bem, aqui descarto partidas em que o placar foi determinado por erros crassos de arbitragem. Nestes casos, obviamente, a injustiça (ou a falta de mérito) existe. Faço ressalva apenas ao histórico Argentina 2×1 Inglaterra, da Copa de 86, o jogo do gol de Maradona com “la mano de Dios”. Ali, por mais que o juizão tenha errado, o contexto histórico, político e a genialidade de Don Diego me fazem relevar.

Quando digo que não acredito em injustiças, o faço relembrando uma entrevista que presenciei do técnico português campeão europeu, o Fernando Santos. Depois de uma pergunta que questionava os méritos de Portugal como finalista ele ironizou dizendo que “gostava mesmo que as manchetes dos jornais dissessem que Portugal foi campeão sem merecer”. Mais um parêntese. Acho engraçadíssimo o uso que os portugueses fazem do pretérito imperfeito com o sentido que damos ao usar o futuro do pretérito. Eu gostava e não eu gostaria.

Estou com ele. Por que seria injusto um titulo de Portugal? Injusto não. Nenhuma vitória – a não ser aquelas determinadas por erros de arbitragem ou ações externas ao que acontece nas quatro linhas – é injusta. Porque acredito que o futebol é um jogo. E não há injustiças num jogo. O jogo tem nuances, variáveis, sorte, acaso. Tem também preparação, treinamento, habilidade, até dom.

Mas nada disso tem a ver com justiça. Um time chutar dezessete bolas no gol e não acertar uma lá dentro não é justo ou injusto. O adversário ganhar por um a zero na única finalização que teve não é injusto. Essa equipe pode jogar de maneira covarde, feia, defensiva ou apenas usar as armas que tem para tentar derrotar um rival mais técnico. Isso também é legítimo em um JOGO.

https://www.youtube.com/watch?v=Z7sTCB31T1o

Deixaria para cobrar justiça em outros campos da nossa vida, em que ela falta e é vital. O futebol não é um desses campos. Ou melhor, o resultado de um jogo de futebol não é. O esporte, em si, pode ser mais justo em aspectos diferentes. Como distribuição de cotas ou acesso da população à prática esportiva. Esse é o placar que pode ser mais justo. Ou menos injusto.

A conquista portuguesa foi épica e reafirmou a maravilhosa alquimia do futebol. O roteiro perfeito, com a queda do herói, o surgimento do novo herói, a vitória do oprimido. A segunda maior comunidade estrangeira de Paris é a portuguesa. São milhares de emigrados que puderam rir da cara do patrão no dia seguinte.

Nossos antepassados que nos trouxeram o entrudo e deixaram tantos legados, positivos e negativos, viveram sua apoteose em Saint Denis. Tudo vai acabar, sempre acaba na quarta-feira.

Mas nada como a lembrança de um grande carnaval.

Imagens: Reuters e Arquivo Ouro de Tolo

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4 Replies to “Uma Questão de Justiça”

  1. Muito bom Gil … esse final é o exato sentimento dos que estão lá… Meu tio tem um irmão de 90 anos que mora a 2 km do Stade e se reuniram pra assistir domingo… e a sensação que nos foi passada na segunda foi isso aí … Espinafrar na cara dos que riem de ti nas ruas , nas lojas e nas escolas … brilhante

  2. Excelente texto Gil! Essa conquista de Portugal parece um roteiro de filme, vitórias suadas, super estrela ficando fora da final logo no início com o mundo inteiro assistindo seu sofrimento, time se supera, e o “patinho feio” Éder, negro da Guiné, contestado, criado num orfanato, faz o gol da vitória. Extraordinário! Eu, que tanto o questionei na Copa, vibrei pra caramba com seu gol! Ah, o futebol…

    Seu argumento a respeito da inexistência de injustiças no futebol por resultados dentro de campo é muito bem elaborado Carlos. Não sei se concorda comigo, mas digo exatamente isso aos que defendem o campeonato de pontos corridos por ser mais “justo”. Pode-se ter vários argumentos para defender este tipo de competição, muitos bastante válidos, mas esse não considero correto, pois, se está no regulamento que você apenas precisa ficar entre os 8 primeiros para avançar de fase, e que depois é confronto direto, qual a injustiça nisso? Se o time ficou em primeiro, bom, problema dele, em nenhum momento foi dito que aquilo lhe daria o título por direito. Injustiça no mata-mata, só se mudarem o regulamento no meio do campeonato, de resto, é mimimi…

  3. Essa história de pontos corridos ser mais justo esbarra em uma série de fatores. Como uma distribuição desigual de cotas de tv, janela de transferências, decisões nem sempre claras do STJD e por aí vai. Eu, particularmente, sinto falta de uma final de Campeonato Brasileiro. A melhor maneira de se chegar a uma final pode ser debatida. O único argumento que, por vezes, me faz refletir é o de que para um torneio com final e mata mata temos a Copa do Brasil. Pode ser. Mas defender os pontos corridos por uma pseudo “justiça” não me convence.

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