Até então era só o nome de uma rua, um dos caminhos que levavam a Madureira. No último dia 24 de maio os caminhos da tocha olímpica me levaram até a rua da Boa Viagem. Em Salvador. Bahia. E que viagem. No tempo. Nasci no Rio mas vivi em Salvador quando era criança.

É dessa época a minha primeira lembrança de uma Olimpíada. Foram os Jogos de 84. Los Angeles. Boicote. Astronauta no Coliseu. Joaquim Cruz. Ricardo Prado. Carl Lewis. Na falta da URSS eu ficava torcendo para que Romênia e Alemanha Oriental tirassem medalhas de ouro dos ianques!

E também sofri com mais uma derrota do futebol. Apenas dois anos depois da tristeza de perder para a Itália, a prata na decisão contra a França. Para uma criança era quase a mesma decepção. Copa do Mundo. Jogos Olímpicos. A grandeza se confundia. Mas era diferente. Naquele evento de tantas nações representadas passei a conhecer mais algumas. A me envolver com aquela clima de união dos povos, o tal do espírito olímpico.

IMG-20160530-WA0009E a criançada do meu prédio resolveu organizar mini-Olimpíadas no playground. A maratona era disputada dando três voltas no quarteirão. E tínhamos medalhinhas de ouro, prata e bronze para, em pódios improvisados, improvisar as cerimônias. Eu era responsável por desenhar as bandeiras do quadro de medalhas.

Até que na prova de arremesso de peso (?!?!?!?!), o inesperado. Na verdade, o mais do que esperado. Um moleque de sete anos de idade (eu) resolve rodopiar no play, como via os atletas fazendo na tv, e lançar uma pedra à distância! É óbvio que a pedra bateu no vidro da portaria e espatifou a porta de entrada do edifício. Deu uma m…. danada. E ali os Jogos foram suspensos por motivo de força maior.

Tudo isso me veio à memória quando passei em frente ao meu antigo prédio, na Costa Azul, na véspera de conduzir a tocha e mostrei o meu Estádio Olímpico imaginário ao meu filho que também começa a entender o que são os Jogos Olímpicos. Fazia um tempo meio feio, chuvoso, que não combina com a luz da Bahia.

Mas eis que na manhã seguinte, na hora em que me caberiam os dois minutos e pouco mais aguardados dos últimos tempos, abriu aquele sol bonito. Não cheguei a conhecer ou conversar com a senhora que me passou o fogo sagrado de Olímpia. Ela se chama Júnia. É tudo que sei.

IMG-20160530-WA0008Duzentos metros adiante, antes da ladeira que dá acesso à Ponta do Humaitá, nem o nome sei da moça que recebeu o beijo da minha tocha. Opa! antes que pensem besteira…”beijo” é como os organizadores se referem – poeticamente – ao encontro entre a chama de uma tocha e a outra. Uma se apaga, a outra se acende. E a vida passa adiante. Guardei a tocha em casa. As lembranças no coração. Com minha família e amigos queridos presentes. Queridos desconhecidos também. Como todos aqueles velhinhos sorridentes que me acenavam quando passei quase trotando em frente a um asilo na rua da Boa Viagem, pertinho da Ribeira, na rota do Bomfim.

Passou rápido. Não será esquecido.

Metáforas que servem para falar do Pedrinho. Nosso colega, amigo, garoto especial e querido. O Pedrinho nos deixou naquele mesmo 24 de maio. Fiquei sabendo do trágico acidente poucas horas depois do meu percurso. Ele também passou rapidamente por esta Terra e deixará muita saudade. Como a chama olímpica, entre o apagar de uma luz e outra que se acende, a vida segue. E ele estará com a gente em mais essa Olimpíada.

Como tinha de ser.

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2 Replies to “24 de Maio”

  1. Parabéns pelo bonito texto e pela honra de carregar a chama olímpica. Muito legal também a lembrança, o Pedrinho merece todas as homenagens…

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