Obs: para uma explicação do procedimento das prévias americanas e de alguns termos técnicos usados nesta coluna, leia a coluna explicativa

Nessa terça-feira os dois partidos americanos realizaram prévias no estado do meio-oeste de Wisconsin, estado de porte médio polarizado entre conservadores, especialmente no interior, e os subúrbios da grande cidade de Milwaukee, grande reduto democrata.

Foi a última parada antes do grande dia 19, quando ocorrerá conjuntamente nos dois partidos a prévia do pesadíssimo estado de New York.

Partido Democrata

Sanders continua sua sequência forte de vitórias e garantiu mais uma em Wisconsin. O estado, que parecia uma batalha feroz, viu mais um impulso de Sanders nos últimos dias para consolidar uma vitória incontestável por 13% de diferença: 56% contra 43% de Clinton. Com isso, Sanders ganhou 10 delegados a mais em Wisconsin.

Clinton ainda mantém uma liderança folgada de 214 delegados “comprometidos” com mais de 500 delegados em jogo até o fim do mês em estados do Nordeste, que parecem ser bem favoráveis a Hillary.

Ontem, em entrevista na rede de notícias CNN, o chefe de campanha de Sanders, Jeff Weaver, disse que a estratégia era impedir Clinton de chegar ao número mágico apenas em delegados comprometidos para abrir uma convenção constestada e conseguir convencer os superdelegados de que Sanders é a melhor escolha.

Para isso, ele conta com os argumentos de que Sanders terá ganho em um maior número de estados e que Sanders tem desempenho melhor que Clinton nas pesquisas nacionais contra qualquer candidato republicano.

O último argumento é inegável. Todas as pesquisas, mesmo levando em consideração suas fragilidades metodológicas da forma como estão sendo feitas, indicam que Sanders tem vantagem percentual consideravelmente maior que Clinton contra os 3 candidatos republicanos. Clinton, alias, perde percentualmente para Kasich em todas as pesquisas.

Quanto à vitória em maior número de estados, tudo indica que por mais que Clinton ainda esteja dois a frente, Sanders continuando sua “marcha para o oeste” poderá ultrapassá-la entre e maio e junho, dependendo do resultado no nordeste.

Mas serão esses dois argumentos suficientes para mudar a lealdade a Clinton já anunciada por quase 60% dos superdelegados? Creio que não. Os superdelegados tem laços fortes com os principais políticos antigos do partido democrata e a este grupo só Hillary pertence. Sanders é novo no partido e tem sua grande massa de apoiadores em independentes ou em outros novatos na “militância do dia-a-dia” do partido.

Acredito que o único argumento capaz de mudar votos seja uma possível ultrapassagem de Sanders no número de delegados “comprometidos” ao fim da corrida. Será difícil para um partido que pretende ser a voz da pluralidade nos Estados Unidos (essa é o discurso de mais de uma década do partido) explicar para a opinião pública porque os seus políticos “profissionais” modificaram a vontade popular das prévias, caso Sanders tenha mais delegados.

Ainda sim, como já disse em colunas anteriores, apesar desse argumento de “não modificar a vontade popular” já ter sido usado na disputa entre Obama e Clinton, no último dia de prévias Obama conseguiu garantir o número mágico só em “comprometidos” e sepultou qualquer discussão mais profunda. Ou seja, não se pode ter certeza que não haverá tal interferência dos superdelegados, especialmente se a diferença entre Sanders e Clinton for insignificante.

A campanha de Sanders ainda confia que com os 15 milhões de dólares a mais arrecadados em março, conseguirá fazer uma forte campanha para reverter a diferença.

Alias, esse financiamento de Sanders precisa ser estudado futuramente como um estudo de caso fantástico. Sanders está conseguindo reunir uma rede gigantesca de pequenos doadores que está fazendo os números de Obama, já inéditos, virarem pequenos. De forma mais impressionante, Sanders estabeleceu para essas pessoas um teto de contribuição: ele não aceita mais de 200 dólares por pessoa.

A quantidade de dinheiro que Sanders está arrecadando nesse sistema “de escala” é muito maior do que o de qualquer arrecadação de grupos de apoio clássicos de Clinton ou Cruz.

Apenas para exemplificar, trago alguns dados do respeitado site opensecrets.org. Os 3 maiores doadores para campanha de Sanders são a Alphabet Inc, com míseros US$ 255mil, a Universidade da Califórnia (a maior universidade pública dos EUA), com US$ 140 mil e Microsoft com US$ 95 mil dólares. Ou seja, bagatelas.

Já Clinton tem como maior doador o Soros Fund Managment (do conhecido investidor-especulador George Soros), com impressionantes U$$ 7 milhões de dólares. Em segundo lugar vem a União dos Trabalhadores (algo próximo a uma CUT americana) com US$ 4 milhões e a Euclidean Capital (do também bilionário investidor-especulador James Simons) com US$ 3,5 milhões. O vigésimo maior doador de Clinton doou US$ 1 milhão. Quatro vezes mais do que o maior doador de Sanders.

Resultado: enquanto Sanders tem 66% de arrecadação com pequenos contribuidores (até US$ 200), Clinton tem 73% de arrecadação entre os grandes contribuidores (acima de US$ 200).

Se formos compararmos com os números republicanos, exceção feita a Trump que está se auto-financiando, até Clinton fica parecendo multi-financiada. No caso mais extremo, Ted Cruz tem mais da metade de seu seus US$ 66 milhões arrecadados concentrados em apenas três contribuidores: os irmãos Wilkes, a Quantum Energy e a Renaissence Tecnologies.

É justamente nessa última empresa que temos o fenômeno mais curioso e que aproxima um pouco a política americana da brasileira: o dono da Renaissence é o mesmo dono da Euclidean Capital, aquela que acabei de citar como a 3ª maior doadora de Clinton. É o típico caso da empresa que patrocina todo mundo para ficar bem com quem ganhar.

Voltando à situação democrata após a rápida digressão sobre financiamento de campanha, o caminho de Sanders ainda é muito complicado, pois há duas pedras gigantescas obstruindo a visibilidade: a prévia do dia 19 e o grupo de fortes estados do nordeste que votará dia 26. Se ele conseguir ultrapassá-las, o caminho ficará menos tortuoso, ainda que tenha pedras e galho consideráveis mais a frente.

Contagem parcial de delegados (estimativa):

  • Clinton – 1785 (1302 “comprometidos” e 483 Superdelegados)
  • Sanders – 1119 (1088 “comprometidos” e 31 Superdelegados)

Número mágico: 2383

Fonte: blog The Green Papers para os “comprometidos” e CNN para os “não-comprometidos”

Partido Republicano

Wisconsin era um estado em que teoricamente Trump com seu discurso contra os tratados de livre comércio teria vantagem. Kasich também deveria ter vantagem pois é um estado vizinho a Ohio e de características próximas àquele.

Porém o que se viu foi uma vitória forte de Cruz. O antes odiado senador mesmo entre os colegas de seu partido, se transformou no candidato do “estabilishment” republicano após todos os outros candidatos oriundos dele fracassarem.

TedCruzWideAssim, Cruz passou a receber todo o apoio da máquina política republicana na esperança de impedir Trump de conseguir a quantidade suficiente de delegados para garantir sua candidatura. Dentro dessa estratégia, Cruz recebeu muita mídia, garantidos pelos políticos republicanos do estado, especialmente o governador Scott Walker, querido entre os eleitores conservadores do estado que o fizeram sair incólume de uma eleição de recall recente. Resultado: Cruz 48%, Trump 35% e Kasich 14%.

Trump, alias, teve uma semana terrível. Se enfiou em gafes sobre aborto, pediu desculpas pela primeira vez na campanha e ainda teve o chefe de sua campanha formalmente acusado de lesão corporal a uma jornalista em uma das coletivas que Trump concedeu na Flórida.

Porém, tal semana parece não ter sido determinante na derrota em Wisconsin, nem as pesquisas mostraram uma queda vertiginosa, nem os resultados das eleições, mas uma queda natural que já vinha se desenhando há mais tempo.

Após a boa vitória de Cruz, especialmente em delegados, com 36 para Cruz, 6 para Trump e nenhum para Kasich, a mídia americana já correu para dizer que a convenção republicana deverá ser contestada, sem nenhum candidato com os 50% dos delegados necessários para garantir a candidatura.

Eu não seria tão açodado em assegurar que a convenção será quebrada. Realmente ainda faltam cerca de 500 delegados para Trump conseguir a marca e hoje ele é o único que pode conseguir. Porém, as pesquisas indicam uma eleição muito disputada na Califórnia, o que pelas regras do partido lá deverão dividir bastante a quantidade de delegados de cada candidato.

Porém nessa sequência de estados do nordeste, ainda haverá New York e Pennsylvania, dois estados recheados de delegados nas quais Trump poderá varrer e ficar mais próximo dos 1237 delegados necessários. Não é fácil, mas as pesquisas não permitem descartar tal possibilidade.

Quanto a Kasich, mais um desempenho pífio em um estado que ele deveria performar bem, aumentou ainda mais a pressão para que ele desista da candidatura; mas Kasich continua com a candidatura.

O presidente do partido, Reince Priebus, deu uma declaração essa semana de que, mesmo em uma convenção quebrada, o candidato do partido será um dos 3 candidatos atuais, dando a entender que não haverá candidatos novos que em tese podem aparecer em uma convenção quebrada.

Contagem Parcial de Delegados (estimativa):

  • Trump – 758
  • Cruz – 505
  • Rubio – 173 (desistiu)
  • Kasich – 144

Número Mágico: 1237

Fonte: blog The Green Papers

Próximas Prévias

Partido Democrata

09/04 – Wyoming (14 delegados, proporcional)

19/04 – New York (247 delegados, proporcional)

New York é o segundo estado com mais delegados do partido democrata, só perdendo para a Califórnia. Também é a casa de Clinton, ex-senadora pelo estado e moradora de Chappaqua, um subúrbio riquíssimo ligeiramente ao norte da cidade de New York. Por ser um estado diversificado, do tipo que Sanders rotineiramente tem se dado mal, e por ser a casa de Clinton, todas as previsões indicam uma vitória tranquila de Clinton, o que, em conjunto com uma votação tranquila na semana seguinte na Pennsylvania, fecharia as portas para Sanders.

Porém como já dito acima, Sanders aposta em uma campanha muito forte não só em New York como em todos os estados do Nordeste e que a diversificação dos eleitores nesses estados é bem diferente do perfil dos estados diversificados que já votaram, onde latinos e negros eram parcela significante da população.

As pesquisas já começam a indicar uma queda forte da grande diferença que Clinton tinha nem New York, mas ainda com 10% de vantagem. Por outro lado, Sanders diminuiu a diferença para menos da metade em 14 dias e ainda faltam duas semanas para a eleição em New York.

O Partido Democrata e Clinton concordaram com o pedido de Sanders e um debate na cidade de New York foi marcado para o dia 14/04 com patrocínio, transmissão e mediação da CNN. Prato cheio para os adeptos da Teoria da Conspiração: ele ocorrerá no bairro de Clinton Hill, na região do Brooklin, onde fica a sede nacional do comitê de campanha de Hillary.

Quanto a Wyoming, ele pouco mudará a situação, mas apenas Sanders investiu no estado, que tem proximidade geográfica, demográfica e política com os estados do oeste no qual ele triturou Clinton nas duas semanas passadas. Logo espera-se uma vantagem gigantesca para Sanders, que não deverá se reverter em mais do que 8 ou 10 delegados a mais.

Partido Repuplicano

19/04 – New York (Dia 19/04 – New York (95 delegados, winner-take-all por distrito se alguém candidato obtiver 50% no distrito, senão proporcional)

Trump precisa de um resultado gigantesco em New York para ainda ter chances de conseguir os delegados necessários. Trump ainda precisa de 479 delegados; mas apenas 814 ainda estão disponíveis, alguns deles em estados disputados ou hostis ao candidato. Então, é fundamental Trump conseguir um resultado matematicamente impactante em seu estado natal e sua base de negócios.

20131107_125753As regras do estado não facilitam e exigem que para um candidato levar todos os delegados de cada distrito, ele precisa fazer mais de 50% dos votos naquele distrito. New York tem 27 distritos, totalmente diversos entre si, mesmo aqueles dentro da cidade de New York.

Porém as pesquisas apontam que Trump tem entre 55% e 60% dos votos no estado, o que dependendo da distribuição (esse é o grande problema das pesquisas para as prévias, elas nunca dividem os resultados por distritos) nos distritos é possível sim de carregar 80 dos 95 delegados disponíveis – ou até mais.

Para Cruz, Kasich e todos que querem quebrar a convenção (há meros 4 anos isso era uma heresia política, hoje virou regra entre políticos republicanos, os tempos são loucos em todo o mundo…), evitar a vitória de Trump é praticamente inevitável, mas a missão é contestar o maior número possível de distritos e quebrar a distribuição e deputados. Se Trump levar menos de 60 delegados, a matemática dele complicará bastante.

Imagens: USA Today e Arquivo Ouro de Tolo

One Reply to “Prévias Americanas 2016: Duas Convenções Contestadas Concomitantes?”

  1. Muito bom.
    Continuo torcendo para o Sanders. E ainda que ele não faça o milagre de virar, a pressão sobre o Partido Democrata deve ser balizada e sinalizada por esta popularidade crescente do Sanders.

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