Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar / Ficou deitado e viu que horas eram…

O ano é 1984. O mês é março.

É um dia importante, acho que vai parecer aquele clima de final de Copa do Mundo que ainda nem sabemos como é, mas imaginamos, afinal há dois anos acharam que dava. Monica levantou cedo e começou a se arrumar, mas temos que ir logo, pois o velho elétrico da CMTC que sai de Perus e passa em trezentos bairros antes de chegar à Praça da Sé demora duas horas, mas hoje vai ser muito diferente da sina diária de ir trabalhar tão longe. Hoje é dia de pedir respeito aos que mandam em nossas vidas em Brasília.

Como bem diz o samba, é hoje o dia da alegria.

Camisas amarelas sendo passadas e Eduardo aparece todo amassado na sala, toma seu Nescau e senta à frente da televisão para ver Bozo. Monica suspira fundo e lembra que sua mãe disse que o casamento não iria dar certo, afinal era muito moleque.

O caminho é longo e as rádios dão grande cobertura ao evento. Na Bandeirantes José Paulo de Andrade está ancorando a programação desde o Pulo do Gato. É um momento histórico e não podemos perder isso. Eduardo não parece muito interessado, mas aos poucos vai se emocionando ao saber que seu ídolo Osmar Santos vai estar lá apresentando todos aqueles políticos que ele sempre ouviu seu pai, general, falar. Hoje descubro se é verdade ou mentira, pensa.

https://www.youtube.com/watch?v=2Sn3DMQckUs

O Brasil passa por uma situação estranha. O Presidente Figueiredo parece não ter muita paciência de fazer algo contra a campanha, mas como bom milico manda sitiar Brasília para que as marchas não cheguem perto e ele não precise sentir o cheiro do povo, já que prefere o dos cavalos. Deputados alinhados com a proposta de eleições gerais lotam os aeroportos para que sejam reconhecidos pelo povo. Dr Ulisses separa uma camisa amarela com grande X no quadradinho.

Descem na Sé e um mar de gente feliz sai em direção às ruas laterais. A dupla prefere ir até o marco zero e olhar um pouquinho para a sempre imponente catedral de São Paulo. Mônica faz o nome do Pai. Eduardo masca chicletes. Mônica aperta a mão dele. Eduardo se abaixa para pegar uma tampinha da Fanta Uva no chão.

Bandeiras, faixas, bandeirolas, buzinas. Param na esquina da rua direita coma Praça do Patriarca ao lado da enorme agência do Unibanco. Eduardo está com sede e pede uma Gini. Mônica sorri, pede um conhaque. Não dá pra ir puro pra uma noite como essa. Descem as escadarias do Viaduto do Chá e passam atrás do enorme palco montado. Milhares de pessoas chegam para o momento que todos querem e que apenas vai mandar o recado aos 500 vagabundos de Brasília: o maior anseio do povo.

Povo esse que tem umas três gerações que não vota, mas que sabe o que quer. Brancos, pobres, negros, ricos, amarelos, estrangeiros: o Anhangabaú é uma Babel que é típica do nosso país. Um povo que parece querer se ver livre das amarras de censura e finalmente poder viver o tal país do futuro que os livros ensinam nas escolas.

Vai chegando a hora da manifestação. ‘Fora TV Globo’ é o grito mais usado. As presenças de Covas, Ulisses, Tancredo, Brizola e Lula são as mais aguardadas. Finalmente a oposição do Brasil tem a sua vez e um dia estarão mandando no país, fazendo dele um país mais justo e soberano.

Osmar aparece, o hino nacional é cantado, Eduardo olha para Mônica e a vê com lágrimas nos olhos… Ele aperta a mão dela, estava com vergonha de chorar e finalmente ele consegue entender tudo. Os motivos do ódio do seu pai e principalmente que para reclamar tem que participar de peito aberto, sem medo e com a consciência que um objetivo central faz disso tudo uma preparação de um país melhor.

Nota – Nesses dias de ânimos acirrados, sempre convém lembrar de dias inesquecíveis de 1984, onde o país vivia momentos mágicos sem a cobertura online da internet. Tem um objetivo, sabendo o próximo passo é essencial, por isso minhas sérias dúvidas dos movimentos atuais. Ahhh… o Brasil do futuro não chegou… aquela turma chegou toda ao poder e parece que se afundou na lama toda.