Antes de entrar no texto em si: quem leu os posts dos desfiles viu que apontei a Portela como favorita ao título e dona do melhor desfile de 2016. Mesmo após a apuração que consagrou a Mangueira, minha opinião segue a mesma. O que não desabona a Verde e Rosa, que voltou a fazer uma grande apresentação, que encheu de orgulho seus torcedores.

Isto posto, peço desculpas por deixar de lado desta vez as questões técnicas/jornalísticas e fazer um texto mais pessoal. Mas é porque saio desse Carnaval com a alma lavada. Na verdade, quando a Mangueira encerrou seu desfile, eu já tinha essa sensação.

Sim, eu andava triste e preocupado com a escola do meu coração. Esse sentimento já me cercava desde o fatídico fim de 2007, quando Cartola “não serviu” pra enredo. Naquela fase, a Mangueira era manchete nos jornais por causa de passagens secretas na quadra pra “rapaziada” e pela sarada rainha de bateria que não era da comunidade.

Em 2009, plasticamente a escola entrou aos pedaços na avenida e só o fez graças ao esforço de um mutirão em cima da hora. Depois, trocou a direção e foi muito positiva a adoção de enredos culturais. Mas ainda assim o dinheiro era escasso, e disputávamos a prova pelos 700 metros da Sapucaí com tênis de sola fina, enquanto as outras corriam com sapatilhas como as do Usain Bolt.

mangueira2013bPior, nem mesmo o canto dos componentes era condizente com a tradicional garra verde e rosa. Muitas alas comerciais descompromissadas com a escola passavam praticamente mudas pela pista. E aquela relação, digamos, conflituosa entre as alegorias da Mangueira e a torre de TV? Deixa pra lá…

Aí veio 2015. Cheguei à Sapucaí com meu querido amigo portelense Alex Cardoso debaixo de um temporal. A Mangueira era a segunda a desfilar e quando vi na Presidente Vargas os carros sendo massacrados pela água sem nenhuma proteção e os componentes desamparados, a minha tristeza chegou ao nível mais baixo.

Entrei na sala de imprensa da Sapucaí encharcado, desanimado e derrotado. O desfile já estava perdido antes do começo e nem o bom samba salvou… O décimo lugar não foi pior em números do que o 12º de 1991 ou o 11º de 1989 e 1994. Mas era triste e preocupante…

Sem pujança, sem dinheiro, sem protagonismo… Essa ladeira abaixo iria terminar aonde? Ser figurante sem ser sequer notada passou a ser rotina pra Mangueira?

No dia 17 de março de 2015, do nada a maré começou a virar. Sem carnavalescos famosos e/ou experientes no mercado, a escola apostou as fichas em Leandro Vieira, que vinha de belo trabalho na Caprichosos e prolongou por um ano a passagem da escola de Pilares pela Série A.

Sim, todos desconfiaram. Como um novato vindo do Acesso conseguiria conceber um Carnaval competitivo no Grupo Especial com poucos recursos?

650x375_maria-bethania_1537733Pois bem, em 5 de junho de 2015, o jovem carnavalesco já fez a primeira grande jogada: Maria Bethânia seria o autoral enredo da Estação Primeira. Uma temática que sempre rendeu frutos à escola. Uma homenagem a uma figura das mais queridas e emblemáticas da nossa música.

Ora, se teoricamente não dava pra pensar em título, pelo menos quem sabe já daria pra fazer um bom desfile, com o jeito característico da Mangueira, e recuperar a auto-estima. Por que não voltar no sábado?

Mas e o samba? Bem, aí é um capítulo à parte porque posso dizer que vi nascerem as primeiras linhas de uma obra que funcionou tão bem para a Mangueira. Cadu, um dos autores, é meu colega de trabalho e acompanhei passo a passo a construção da letra. Ouvi quase em primeira mão a primeira gravação. Trocávamos ideias quase todos os dias.luizito3

Aí chegaram as eliminatórias, e o samba crescendo, crescendo… Aí calou-se a voz do Luizito. Logo ele, sucessor de Jamelão de fato e de direito. E agora? Com justiça, o Ciganerey, que já vinha dando enorme contribuição ao carro de som, foi o designado pra conduzir a escola na avenida.

O show tinha que continuar, e as eliminatórias, idem. A final seria fantástica, com o samba de Cadu, Almyr, Alemão do Cavaco, Lacyr, Paulinho Bandolim e Renan Brandão enfrentando a parceria do supercampeão Lequinho (que, diga-se de passagem, só pelo samba antológico de 2002 já merece nosso eterno agradecimento) e o time do também ótimo compositor Pedrinho da Flor.

No dia 4 de outubro seria realizada uma decisão de peso, com três sambas de qualidade que representariam muito bem a escola. Isso já era um bom sinal para o desfile. Ganhou a parceria do Cadu, com méritos.

Ao mesmo tempo, Maria Bethânia dava uma demonstração ímpar da sua grandeza, ao se engajar na preparação do enredo, fornecendo informações sobre a sua biografia e cantando o samba campeão nos seus shows.leandrovieira

Bom, mas e o barracão? Como Leandro Vieira conduziria os trabalhos? Sem os recursos de outras escolas, como não passar pelos problemas de outros anos na reta final da preparação?

Procurava me informar e, além do Cadu, tinha outras duas fontes muito bem informadas no meio do Carnaval que constantemente me falavam sobre o andamento dos trabalhos. E o que eu ouvia era sempre o seguinte: “Cara, o barracão tá arrumadinho!”, “Esse garoto acertou a casa”, “As fantasias já tão sendo entregues”, “Os carros tão muito bonitos e bem-feitos”, “Tá tudo pronto há duas semanas!”.

Ufa! Uma preparação sem sobressaltos! Agora era confirmar isso na pista…

mangueira2016aDesta vez não fui ao sambódromo. Tenho uma filha pequena de quatro meses e também não tinha conseguido comprar ingresso ou recebido credencial como em 2015 e 2014. Mas quando vi a cabeça da escola pela TV, soltei um palavrão (baixinho, claro, pra não acordar minha filha…): “C….., estamos vindo bem!”.

Bonitos carros, fantasias muito interessantes e de bom efeito, uma coloração diferente mas que deixava claro que ali estava a Mangueira, com tons de verde e rosa pontuando os elementos mesmo sem serem protagonistas. Mas o que isso importava se a Mangueira, esta sim, estava sendo de novo protagonista? Isso pra mim já era uma vitória!

E a Mangueira desfilou como Mangueira até o fim! Independentemente do resultado, eu estava satisfeito. Pensei comigo mesmo, dá pra beliscar um terceiro lugar, vai que dá um vice?

Aí vieram as repercussões, muitos (inclusive eu) apontando a Portela favorita, alguns poucos (como o Fred Soares e o Carlos Gil) dizendo que a Manga poderia beliscar… Mas eu realmente não imaginava ver a Mangueira campeã. Em casa, eu havia ficado mais impactado com a Portela e visto também um Salgueiro fortíssimo.

E aí o que ninguém apostou, aconteceu. Eu numa ilha de edição trabalhando vi a Mangueira liderando a apuração… Será? Ah, mas tem Alegorias, houve aquele problema do carro que apagava e acendia – parêntese: alguns me disseram que o carro era aceso sempre que chegava aos módulos dos jurados; não posso afirmar porque não estava lá, mas… fecha parêntese.

Talvez por ainda assim não acreditar no título, fui tomar uma água quando começaram os julgadores de Alegorias. Estava preparado para a perda do improvável campeonato quando voltei ao meu posto de trabalho exatamente quando começaram a leitura da terceira nota do quesito. Com Ciganerey à beira de um ataque de nervos, sentei-me à cadeira.

Com aquele jeitão, Jorge Perlingeiro leu: “Estação Primeira de Mangueira………… NOTA DEZ!” Falei baixinho: “Meu Deus, não acredito, somos campeões!”. Troquei mensagens com meus amigos mais chegados, recebi telefonemas e aí entrou a imagem da Menina de Oyá…

Aí caíram uns ciscos nos meus olhos… Pensei naquele temporal de 2015 e eu passando pelas alegorias sofrendo ali paradas. Pensei no grito de guerra de Luizito, em Jamelão, Cartola, Zica, e na festa na quadra… Pensei naquela gente sofrida do morro que tem na Mangueira sua única alegria, e nem isso vinha tendo.

O campeonato foi acima da expectativa, sim, mas mostrou que na vida tudo pode mudar num piscar de olhos. Essa é a mensagem.

A outra mensagem é que o verde e o rosa que Cartola desfraldou um dia jamais morrerão…

mangueira2016f

P.S., aos amigos portelenses e salgueirenses: não desistam ou esmoreçam. O que escrevi na penúltima linha vale pra vocês. Se fomos campeões vindo de décimo e tendo tudo contra, é possível tudo mudar, sim, e levar o título em breve. Afinal vocês estão fazendo um grande trabalho e batendo na trave, e só engrandecem a festa que tanto amamos. Discutir resultado a gente vai sempre discutir, já perdemos quando não imaginávamos, já ganhamos quando ninguém esperava… Mas, Velha Companheira e Afilhada, independentemente de resultado, vamos continuar nossa jornada, começando pelo sábado das campeãs. Que seja mais um belo espetáculo!

7 Replies to “Verde e Rosa”

  1. Devo embasar os relatos: a escola conseguiu sim acender o carro na frente dos módulos. Com certeza, na frente do 3º e do 4º e quase no 2º (sei que acendeu 3 vezes, mas o segundo módulo estava longe do meu lugar, aí já não posso garantir)

  2. Afora as referências pessoais, é impossível não me identificar com o texto. Com a tristeza, a decepção, a incerteza e, principalmente, a alma lavada e o cisco no olho.

  3. esse texto resume tudo que senti como mangueirense, a ficha custou a cair, eu não estava acreditando justamente porque tinha portela e salgueiro, pra mim ficar entre as 4 já era vitória

  4. Meu caro Fred, não sou Ito Melodia mas…eu te disse, eu te disse! À minha frente vi uma Mangueira arrebatadora. Absolutamente encantadora. Escrevi nesse Ouro de Tolo que meu coração via um empate entre Mangueira e Portela. Mas, revendo os desfiles na tv, achei a Mangueira mais bonita. Plasticamente falando. Não escrevi isso aqui porque já tinha mandado o texto. Falar agora parece oportunismo. Mas te digo que é a pura verdade. Tenho muitos amigos e amigas, meu pai e minha irmã, portelenses, que certamente estão frustrados. Tenho minha mãe e outra irmã, mangueirense, em êxtase. Não deu empate. não gosto de empates. Assim como teria sido justo indo para a Clara Nunes fico tranquilo e satisfeito com a taça indo para a Visconde de Niterói. A noite é uma criança no Palácio do Samba. E somos, todos, meninos e meninas de Oyá. Mangueira, a única escola campeã em todas as décadas. Tem que respeitar esse tamborim.

  5. Que texto lindo, emocionante, maravilhoso!

    Além da surpresa mangueirense o que me deixa mais feliz é saber que pela primeira vez em muitos anos teremos Mangueira, Portela e Salgueiro no desfile das campeãs. E no ano do centenário do samba. Existe coisa mais bonita que isso?

  6. Texto maravilhoso Fred, muito, muito bom mesmo… Parabéns!

    Conseguiu resumir tudo o que se passou na cabeça do mangueirense desde o início dos escândalos na gestão Perci até a chuvarada do ano passado… Ao contrário de você, achava que a Mangueira estava no mesmo nível (depois do desfile, claro, antes estava com o pé atrás), de Portela e Salgueiro, mas estava pessimista na apuração. Talvez pelas decepções dos últimos anos, talvez por ser um pouco meu jeito (e olha que não sou botafoguense), mas realmente achava que os jurados pesariam a caneta, o que aumentou ainda mais com alegorias como último quesito…

    Parênteses: Estava no Setor 4, e lá o carro da Bethânia estava aceso. Fiquei receoso porque alguns disseram que ele acendeu e apagou depois, mas sem precisar se foi em frente a uma cabine, Como disse o Gustavo no primeiro comentário, pelo menos nos módulos 3 e 4 passou aceso também. Ufa!

    Só realmente acreditei no título quando ficamos a uma nota 10 dele. Quando o Perlingeiro, com aquele jeito brilhante de causar suspense e apreensão, leu a nota 10, as lágrimas que segurei no desfile vieram com tudo… Finalmente, somos campeões!

    Hoje, mais do que nunca, o Brasil é verde e rosa!

Comments are closed.