Depois de 13 anos acompanhando os desfiles das escolas de samba do Rio apenas pela televisão, finalmente consegui comparecer ao solo sagrado do carnaval carioca. A maratona começou na sexta-feira, com a Rocinha abrindo a Série A e se encerrou perto do raiar da terça-feira gorda, quando a Mangueira renasceu no piso da Sapucaí.

Neste espaço de tempo, tivemos a Viradouro levantando a pista inteira com o emocionante Alabê de Jerusalém. Pena que as alegorias ficaram devendo à adversárias diretas, a comissão de frente não impactou e a escola explodiu mesmo no fim. Tudo isso pôs a escola de Niterói bem longe da condição que se esperava que ela tivesse com o fantástico samba. Ainda assim, não faltou emoção, principalmente na hora em que Zé Paulo Sierra resolveu até invadir as frisas do Setor 11 (onde eu estava na Série A), escalar a grade em frente à última cabine de jurados e ser um incendiário da Sapucaí naquela noite.

No sábado, o Tuiuti pronto para ser campeão com fantasias e um enredo de fácil leitura, alegorias muito bem acabadas, acabou se comprometendo por causa de problemas na iluminação de dois carros, incluindo o fantástico abre-alas – talvez o grande carro da Série A em 2016.

imperioserrano2016O Império Serrano, acostumado a vencer com o chão e com grandes sambas, passou de uma forma diferente, apostando num desfile mais técnico e com o melhor conjunto alegórico que eu lembro da escola desde que me viciei nessa cachaça. Será que a Verde e Branco da Serrinha finalmente reassumiu o seu orgulho e postura de escola grande que é?

Na penúltima posição do sábado, a Unidos de Padre Miguel, digamos que a “prima ‘pobre’” do pequeno bairro da Zona Oeste, mais uma vez mostrou força e maturidade com um tipo de enredo em falta no carnaval asséptico de hoje. “O Quinto dos Infernos” debochou daqueles que formaram o país e tanto o atrapalham ainda hoje. A comunidade entrou forte com um samba que não era do topo da safra, voltando a animar a pista após uma trágica passagem da Caprichosos…

A escola que já protagonizou momentos antológicos no Especial passou de maneira absolutamente tristonha e indigna. Mais uma vítima de administrações péssimas que, infelizmente, todo ano maltratam alguma agremiação na Sapucaí. Uma tradição dos últimos tempos que espero que pare por aqui.

Aí veio o domingo, o Especial e todo seu charme. Para quem nunca tinha visto uma escola gigante do Rio entrar na Sapucaí tomada, foi um bocado impressionante o início da Beija-Flor. Coisa de iniciante que se deslumbra com qualquer coisa.

Apesar das alegorias minuciosamente detalhadas e sem qualquer erro de acabamento, faltou enredo. A Beija-Flor pode não ser maior que a Marquês, mas com certeza é maior que o Marquês… Além de tudo, um aceleramento desnecessário da bateria após a entrada no segundo recuo e uma evolução inconstante acabaram com o ótimo início.beijaflor2016a

Já próximo do raiar do dia, a Tijuca passaria com um belíssimo samba. Melodia bem trabalhada, raridade no samba atual. Escola passa técnica. Evolução e harmonia perfeitas. Só que faltou sal no desfile. Faltou aquele algo mais que difere um desfile campeão de uma apresentação digna de quinto lugar.

Na segunda, veio uma sequência que há muito não se via na Sapucaí. Se o domingo foi considerado um dos mais fracos da história, talvez a segunda tenha sido o dia mais forte em, no mínimo, 12 anos.

Tivemos Vila passando como Vila. De cabeça erguida, sendo intelectual e com um samba exuberante. Difícil de ser cantado, mas com um intérprete ideal para a tarefa: Igor Sorriso, cravando de vez seu local no topo da classe atual. Ao contrário da Beija, a Vila não se desesperou com a evolução complicada do início. Da metade para frente, a escola passou deslizando, sem imprimir um ritmo deselegante. Passou sossegada dentro dos 82 minutos.

O Salgueiro já de início levantou os setores finais da pista. Por mais que a escola demorasse meia hora para chegar por lá, já na primeira passada do samba, o fim da Sapucaí já se empolgava pelo samba do malandro batuqueiro.

salgueiro2016dQuando a escola chegou, algumas irregularidades. Em certos momentos, o Salgueiro não teve o mesmo folêgo. O início com o abre-alas já apagado e o setor que representava a malandragem nos jogos não passaram no mesmo nível. Porém, dali para frente a apresentação subiu e o Salgueiro terminou de maneira apoteótica, levantando todos os lances finais e obtendo o maior grito de “é campeã” no final – foram quatro: Beija, Salgueiro, Portela e Mangueira.

Mais para o meio da noite, a Portela mostrou que a fênix – quero dizer, a águia – finalmente renasceu das cinzas. Paulo Barros, apesar de não demonstrar um enredo perfeito para o meu preciosismo, também se reencontra com sua melhor versão. A escola viajou com propriedade na Sapucaí. O samba, talvez o mais questionado dos melhores da safra, rendeu maravilhosamente e a escola desfilou como deve acontecer no carnaval. O refrão, questionado pelo pedido de respeito, mostrou uma força ignorada e era a chave para a arquibancada levantar toda hora que esses versos chegavam.20160209_003224

Brincando, leve, solta. Prova disso é a evolução firme que levou a Portela a tirar sua bateria do segundo box com apenas uma hora de desfile. Rapidinha para deixar saudade, a águia de 2016 entra no rol dos desfiles impecáveis do século.

mangueira2016dEncerrando, uma Mangueira surpreendente. Todos esperavam, no máximo, uma briga pelas campeãs. No fim, a melhor cadência do ano, imposta desde o início já era um sinal do que viria. Quando a escola chegou, a surpresa. A Verde e Rosa estava como suas tradições mandam. Pode-se questionar o canto da escola, mas o visual inicial foi um arrebate para o público.

A escola que melhor sabe tratar de homenagens musicais provou isso de novo, no fim, levando vários a seguir a escola até o fim. Afinal, atrás da Verde e Rosa, só não vai quem já morreu.

A segunda tinha complicado a vida dos jurados.

Uma pena a passagem complicada da São Clemente – Rosa Magalhães tinha acertado de novo com a Amarelo e  Preto. Também lamento a Mocidade. Uma escola que tem torcedores por todo o canto não pode viver a fase em que vive.

Para finalizar, uma dica aos amantes do samba que nunca tiveram a oportunidade de ir ao sambódromo: por mais que seja caro e que a Liesa não facilite, procure ir. É muito melhor que na televisão.

P.S: Independente do resultado do júri, salve a Portela, a minha campeã de 2016. No Acesso, ficaria com a Unidos de Padre Miguel. E que a Grande Rio seja julgada como merece, será bom para escola, será bom para o carnaval.

2 Replies to “Após quatro noites na Marquês…”

  1. Graças a Deus a Portela não levou. Seria o assassinato completo do carnaval já agonizante. Uma escola que vive a arrotar que é tradicionalíssima, que é uma das maiores defensoras do samba, do carnaval e de tudo o mais que envolve essa cultura, que vive a exibir orgulhosa seus baluartes, figuras emblemáticas do carnaval brasileiro, se prestar a desfilar um showzinho paraguaio, onde samba e carnaval passam longe, numa defesa ridícula da cultura enlatada americana!!!!! Oyá trabalhou bem! Ou era Manga, ou era o Sal, mas, Portela, que deveria estar até fora das campeãs, graças a todos os deuses e orixás, papou mosca para o bem do pouco que ainda resta do carnaval.

Comments are closed.