Dizem que D. João VI, durante sua permanência no Brasil, gostava de passar temporadas na Real Fazenda de Santa Cruz. Em certo ponto do longo trajeto até a fazenda, havia um largo com uma fonte de água cercada por pequenos pilares, onde eram amarrados os cavalos que matariam a sede.

O Largo dos Pilares ficava no entroncamento das vias de escoamento de mercadorias vindas do interior da cidade: a Estrada Real de Santa Cruz (a atual Avenida Dom Hélder Câmara); a Estrada da Praia de Inhaúma (hoje é a Rua Álvaro de Miranda); e a Estrada Nova da Pavuna, que desembocava no Porto da Pavuna a partir do interior.

O Largo de Pilares continua firme e forte, com o mesmo nome dos tempos de D. João, mas o que tornou Pilares conhecido no Brasil inteiro foi sediar o GRES Caprichosos de Pilares, agremiação surgida em 1949 como uma dissidência da Unidos de Terra Nova.

No início de sua trajetória, a Caprichosos caracterizou-se pela realização de enredos clássicos – basta citar os primeiros desfiles, como O Grito do Ipiranga, de 1950; Alavanca do Progresso, de 1951; Homenagem a Santos Dummont, de 1952; Benjamin Constant, de 1953; Maria Quitéria, de 1954; Asas do Brasil, de 1955; e Exaltação à Justiça Brasileira, de 1956.

caprichosos85A linha da escola começou a mudar com o enredo de 1982, o surpreendente “Moça Bonita Não Paga”, em que o samba-enredo de Ratinho, o maior compositor da agremiação, ilustrava o desfile do carnavalesco Luiz Fernando Reis sobre o cotidiano das feiras livres cariocas. A vitória no grupo de acesso levou a escola ao primeiro grupo. Mantendo durante certo tempo a linha de enredos retratando o cotidiano e a sátira política, a escola de Pilares viveu, na primeira metade da década de 1980, seus melhores momentos e formou uma legião de admiradores e torcedores.

Neste ano de 2016, no grupo de acesso, vimos a Caprichosos de Pilares criminosamente mutilada. Foi o coroamento de um enredo duvidoso, de uma sinopse mal feita, de um samba fraquíssimo e de uma gestão que, provavelmente, deixará a escola na Intendente Magalhães.

O samba arrebatador da Viradouro, o impacto visual da Tuiuti e a grande exibição do Império Serrano ficarão como as lembranças alvissareiras do carnaval de 2016 do grupo de acesso. Acho mesmo que o tal “carnaval da crise” começou melhor que a encomenda. Os enredos melhoraram, sem as bizarrices dos patrocínios malucos.

Ouvi baterias niveladas por cima, ao menos um samba antológico e alguns bons, escolas que cantaram mais, fantasias mais compatíveis com a evolução e o canto dos componentes (sem trambolhos alegóricos que transformam o desfilante em carregador de alegoria na cabeça), baterias com fantasias simples (facilitam o ritmista e permitem uma melhor propagação do som), enredos de leituras fáceis (dava para perceber na maioria esmagadora das alas do que se tratava a fantasia). Cinema não deu samba, a temática afro ainda é um manancial e enredos infantis costumam dar resultados visualmente agradáveis, ainda que muito previsíveis.

Estes aspectos positivos, todavia, não escondem o gosto amargo de assistir a direção da Caprichosos de Pilares submeter seus componentes e admiradores ao espetáculo lamentável da madrugada de domingo. A Caprichosos de Pilares é uma instituição relevante. Foi ela que colocou o bairro no mapa do Brasil. Não foi a fonte que matava a sede dos cavalinhos do rei.

Que a Caprichosos consiga fazer dessa tragédia o início de uma redenção.

One Reply to “O drama de Pilares”

  1. seria bom que essa gente soubesse melhor das tradiçoes da escola e não fizesse esse carnaval tristonho que vi e na metade fui embora beber cerveja pois estava horrivel

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