Nas redes sociais, chamam-se de “Cenas Lamentáveis” situações em diversos esportes onde há confusão. Uma troca de sopapos, uma briga generalizada, xingamentos, uma entrada mais forte… Se tornou uma nomenclatura comum para estes casos.

Se o leitor pensa que o carnaval está imune a estas situações, se engana redondamente. As apurações de resultados, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, são campos férteis para confusões e “Cenas Lamentáveis”. Pancadarias, xingamentos, cadeiras arremessadas, acusações de propinas, notas rasgadas, notas sumidas, ameaças de morte e coisas semelhantes ocorrem com razoável periodicidade na história do carnaval.

Nos últimos anos o Grupo Especial do Rio de Janeiro tem andado “comportado” em termos de confusões, mas o Grupo de Acesso e o Especial de São Paulo tem mantido esta tradição. Já passaram os tempos onde a apuração carioca era realizada dentro do quartel da Polícia Militar por conta das pancadarias ocorridas entre dirigentes e especialmente entre torcidas.

O objetivo deste artigo é lembrar algumas destas confusões ocorridas em apurações de resultado. Obviamente estarei longe de esgotar o tema, mas já temos aqui farto material de análise. O colunista Bruno Malta colaborou com as apurações paulistas.

1960 – A Pancadaria de Natal

A apuração dos quesitos havia proclamado a Portela tetracampeã do carnaval, com 100 pontos contra 95 do Salgueiro, vice campeão. Entretanto, nas apurações de penalidades o Salgueiro seria declarado campeão originalmente.

Natal protestou e apanhou da Polícia, gerando uma grande confusão e a suspensão da contagem dos pontos. No dia seguinte ele deu a sugestão que acabaria aceita, de declarar campeãs as cinco primeiras colocadas.

A década de 60, aliás, foi pródiga em pancadarias entre torcidas durante apurações.

1988 – Mangueira vs Vila Isabel

No ano anterior o insólito título da Mangueira havia gerado bastante animosidade entre as torcidas. em 1988 as duas escolas disputaram ponto a ponto o título. O resultado? Pancadaria generalizada entre as torcidas.

1989 – A apuração que não terminou

Esta é de São Paulo. Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche disputavam o título ponto a ponto até que o presidente do Camisa simplesmente pegou as notas restantes e levou para casa. Como o Camisa estava na frente, foi declarado campeão.

1993 – Uma divisão suspeita?

A apuração paulista, a princípio, correu sem problemas. O que pouca gente sabe, porém, é de uma confusão gigantesca que aconteceu horas antes da apuração. Essa história só se tornou pública em 2010, quando o locutor oficial da apuração, Zulu a revelou no Programa No Mundo do Samba. Nessa época, Zulu era coordenador da Liga e as notas eram recolhidas por um outro membro, que levava as notas para casa, montava uma tabela com os resultados e devolvia tudo no dia da apuração.

Tudo ia muito bem até horas antes do início da divulgação das notas, quando Zulu, já preparado para a leitura, recebeu a informação de que já tinha um pessoal da imprensa com o resultado final na mão. As diretorias armaram uma verdadeira quizumba e, sem dar maiores detalhes, Zulu, que sempre foi ligado ao Camisa, disse que a história – o empate entre Camisa e Vai-Vai – “não foi bem assim” e que a Saracura só se sagrou campeã porque a Presidente Magali optou por dividir o título. Ou seja: o Camisa teria, ao menos segundo Zulu, terminado à frente da Saracura. De todo modo, a Liga aprendeu a lição e, a partir de 1994, passou a guardar as cédulas no Batalhão da ROTA.

1997 – Bolinha Fria?

Acesso do Rio. Tradição, São Clemente e Caprichosos de Pilares acabaram empatadas com 178 pontos e somente duas subiriam. A Tradição foi declarada campeã mesmo com bateria e baianas desfilando sem fantasia. Foi realizado um sorteio para definir a segunda promovida e o pessoal da São Clemente até hoje jura que houve “bolinha fria” no sorteio.

Obviamente, acabou em confusão.

1997 – X9 em todos os sentidos

Então Presidente da Liga, Laurentino Marques, o Lauro, era também o Presidente da X-9 e o encarregado da leitura das notas. Durante a apuração, ele por algumas vezes se esqueceu de dizer os nomes dos jurados, o que levou a uma série de suspeitas sobre possíveis fraudes nas notas. A apuração foi paralisada algumas vezes por conta dos incessantes protestos vindos dos diretores – que, à época, não ficavam em mesas como atualmente, mas sim em bancos de madeira, um ao lado do outro – e da gritaria nas arquibancadas.

O vídeo acima é indispensável, épico. Algumas declarações como as que transcrevo abaixo do então presidente da Vai Vai:

“- A X-9 atropelou os garis! Porra, arrebentou a harmonia. Três 10! A X-9 foi e veio com índio amarelo, índio verde e índio cor de rosa. E a comissão de frente ‘prágio’ (sic) da União da Ilha. Mas deixa esse safado comigo que ele tá fora da Liga.

– Solón, e agora o que você vai fazer?

– Primeira coisa que eu vou fazer é dar uns tapas na cara dele pra ele deixar de ser pilantra”.

2001: Gaviões e novamente Solón

A torcida da Gaviões da Fiel armou um quiproquó danado na apuração. Ao final da divulgação das notas, torcedores atiraram paus e pedras em alegorias de outras escolas e entraram em confronto com a Polícia. Outros espancaram um cinegrafista da Band. O Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu, acusou os membros da Fiel Torcida de invadirem seu barracão.

Infelizmente, o vídeo não está mais no YouTube, mas o próprio Solón protagonizou um momento ímpar na história das apurações. No meio da leitura das notas, discutiu com um jornalista. Rodeado por fotógrafos e outros repórteres, bradava: “isso é uma festa! Quem tá querendo briga aqui, agora? Quem tá querendo briga pra você me fazer uma pergunta dessas? Ô, meu irmão, eu tô cheio de mulher lá em casa!”

Solón chegou a ir para cima do “adversário”, mas foi contido por quem estava por ali. Enquanto a briga rolava, as notas eram lidas normalmente ao fundo.

vaivaicampea2005: Solón pede música no Fantástico

Ao final da apuração, o Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu, se dirigiu à grade onde ficavam representantes da Liga. Exasperado, ele, ao lado do filho, disse palavras duras aos dirigentes. De repente, um enorme quebra-pau se instalou. Sobrou porrada para tudo quanto é lado. Gente de tudo quanto é escola entrou no meio e, por pouco, nada mais grave ocorreu.

Agora as duas versões: uma diz que o filho de Solón empurrou um segurança e ali se deu toda a confusão. A outra, diz que o segurança agrediu o filho de Solón e dali surgiu o quebra-pau.

Em meio ao quebra-pau do pós-apuração, chamaram uma vez mais a atenção as declarações do Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu Pereira. Irritado com a suposta agressão que sofreu do segurança da Liga, ele disse que, graças ao segurança em questão, seria capaz de “explodir o Anhembi”.

Ele, aliás, cumpriu a promessa da escola não se apresentar no Desfile das Campeãs por considerar o resultado uma fraude.

2003: 35 mil doletas (?) e uma saraivada de palavrões

O vídeo está no alto do post. Revoltados com a São Clemente tirando notas 10 de todos os jurados, os presidentes da Vila Isabel (Evandro Bocão) e da União da Ilha (Peixinho) soltaram o verbo em rede nacional. Transcrevo abaixo:

Bocão: “Não, a Vila Isabel não tem nem o que falar, ô. Bota um Carnaval desse na Avenida, um gasto danado, pra ele já ter escola que ganha antes e com uma PORRA duma fantasia daquela tá ganhando de mim. Vou fazer o que? Isso é o Presidente da Associação. Por isso que não tem credibilidade PORRA nenhuma, prefeito não dá aumento PORRA nenhuma e por isso que o Carnaval tá na merda que tá: por causa de um ladrão filho da puta desses aí”.

Peixinho: “Isso aí é um roubo, é uma pouca sacanagem. Todo mundo já sabia que a São Clemente ia ser campeã. A São Clemente tá melhor que a Beija-Flor, 10 em tudo! Sendo que todo mundo viu a São Clemente desfilar… Agora, culpada disso é a Liesa, que tem que intervir. O Walter, é o último ano dele, tá enchendo o rabo de dinheiro, levando o dinheiro de todo mundo. Fizemos o melhor Carnaval da Avenida (sem desfazer das corimãs). Aí chega aqui: 10; 9.9; 10; 9.9. Isso é sacanagem, pô. Um ano de trabalho”.

Índio, diretor de carnaval da Vila: “O que tá havendo? Deveria perguntar ao Walter e essa cachorrada que julga o Grupo de Acesso. Isso é uma pouca vergonha! Ano passado fomos garfados e esse ano não foi diferente”.

Walter no caso é Walter Teixeira, presidente da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. No vídeo o presidente da São Clemente ainda tripudia das outras escolas. Nunca se provou documentalmente, mas o que se fala desde a época no meio (jamais desmentido, bom que se diga) é que a São Clemente teria pago 35 mil dólares pela ascensão ao Grupo Especial.

Aliás, não foi o primeiro acesso polêmico deste milênio, nem o último…

2006: o vendedor da Nestlé enxotado

Após uma apuração onde a Grande Rio quase se sagrou campeã com um desfile bem abaixo da crítica, os vendedores de picolé da Nestlé – que patrocinava a agremiação caxiense – que trabalhavam na Praça da Apoteose foram enxotados por outros presidentes. Com direito a um comentário feito por um deles:

“- Agora só tomo Kibon”

Por que será? Até hoje não se sabe o que motivou tal reação.

2006: Cadeiras Voando (Parte I)

Inconformado com o resultado e por ter recebido apenas quatro notas 10, o Presidente da Gaviões, que parou a apuração em diversas oportunidades (não foi o único, o Presidente Betinho, da Nenê, chegou a arremessar cadeiras em direção à mesa de apuração), afirmou que a escola deixaria o Carnaval.

Não cumpriu a promessa.

2008: um Caso de Polícia e uma Pancadaria

Acesso B do Rio de Janeiro. A Unidos de Padre Miguel, que havia sido disparada a melhor escola, ficou apenas em terceiro lugar em uma apuração que foi caso de Polícia – eu teria dado queixa caso estivesse no lugar deles.

Revoltada, a torcida da escola desceu baixando o pau no que visse pela frente, em uma pancadaria de proporções razoáveis. Aliás, a agremiação de Padre Miguel tem uma coleção considerável de “garfos” nos seus últimos desfiles – suficientes para formar um aparelho de jantar…

2010: “Polícia pra quem precisa”

Mais uma vez a Unidos de Padre Miguel, desta vez no Acesso A. Revoltada com o rebaixamento, a torcida da escola começou a jogar pedras, cadeiras e tudo o que estivesse à mão na mesa apuradora. A Polícia foi chamada para conter os ânimos e em resposta os torcedores começaram a gritar:

“- Polícia pra quem precisa! Polícia pra quem precisa!” (referindo-se aos julgadores e dirigentes);

“- Prende o Reginaldo!” (em alusão ao presidente da Lesga Reginaldo Gomes, entidade que organizava os desfiles à época, de triste memória);

A propósito, a quadra da campeã São Clemente estava fechada naquela oportunidade…

2010: Cadeiras Voando (Parte II)

Integrantes da Gaviões, que já não estavam muito satisfeitos, perderam de vez a paciência com as notas no quesito Enredo. Entre diretores e torcedores, voaram em direção à mesa de apuração copos, chinelos e cadeiras. Ao fim da leitura das notas, os componentes invadiram a Marginal Tietê e assustaram quem por ali passava de carro.

2012: Notas Rasgadas e Cadeiras Voando

Nessa teve de tudo: notas rasgadas, cadeiras voando, troféus derrubados, pescoção em repórter, carros incendiados – e o inesquecível episódio da “crorofila” após uma troca de jurados não comunicada aos presidentes das escolas paulistas.

O vídeo abaixo é autoexplicativo.

Como os leitores podem perceber, este artigo fica longe de esgotar o tema. Não cito aqui por exemplo os 14 jurados com a mesma letra do Acesso carioca de 2011 ou a confusão após o resultado do mesmo grupo no ano seguinte – que vazou antes da apuração e depois quase não foi homologado pela Prefeitura carioca.

Vamos aguardar o que irá acontecer neste 2016 – que a paz reine entre os homens de boa vontade…

22 Replies to “O Carnaval também tem suas “Cenas Lamentáveis””

  1. Sensacional o artigo! Faltou citar a confusão que teve na Apuração do Rio em 1994, onde teve atraso, bate boca, empurra-empurra, Maria Helena desmaiando, presidente invadindo mesa apuradora e quebrando troféu…

    1. Em 1994, depois que o presidente do Salgueiro, Paulo César Mangano subiu no palanque de apurações, a escola começou a ganhar várias notas 10. Até então a escola havia perdido preciosos pontos e Mangano ficara revoltado.

  2. Belo artigo Migão.

    Difícil é saber qual a “garfada” menor, a maracutaia menos evidente ou o barraco mais lamentável.

    A sua frase final é digna de um enredo: “Carnaval das lamentações: que a paz reine entre os homens de boa vontade…”

    Ia ter de tudo: comissão de frente de sorveteiro enxotado, carro abre-alas que jorrava papeis com notas de jurados, baianas vestida de “troféu amassado”, alegoria simulando incendio, ala “Vai-Vai num vai nas campeãs”, bateria de “gaviões desistentes”…kkkkkkk

    Essas historias extra-desfiles são sensacionais!

  3. O Grupo de Acesso do Rio coleciona resultados vergonhosos. Esse da Tradição de 1997 é algo absolutamente inexplicável.

    1. 2003, 2011 e 2012 também são páreos duríssimos… Aliás, acho 2011 pior que 2012, a diferença é que foi menos explanado. 14 jurados com a mesma letra nos mapas!

      1. Também acho Pedro, até porque para mim a Inocentes pelo menos fez desfile pra chegar entre os 4 (apesar que o julgamento foi muito cara de pau mesmo). Já a Renascer não dava pra ficar sequer entre as 6, e isso em um ano com desfiles muito fracos! Já 2003, deixa pra próxima Histórias do Sambódromo…

  4. Em 2003 teve uma grande confusão também aqui em São Paulo, em conta do rebaixamento entre Águia de Ouro e Império de Casa Verde, e a dona Beth então presidente do Peruche, não aceitando o rebaixamento da escola, em conta da tragédia que aconteceu no barracão dias antes do desfile

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