Ao longe se ouvem três batidas do sino e ela não consegue decifrar de onde vem. São muitas igrejas na cidade e onde está fica difícil até saber se foram apenas esses e nesse momento o negócio é se esconder. Um carro chega, acompanhado de outros dois, Opalas com placas da conhecida cidade. Dá para ouvir um “Papai, satisfação em ver…”. Outros passos se ouvem e se aproximam: o ritual vai começar.

A mesa se farta com copos de café e a fumaça identifica o que teremos nos próximos minutos. Ao largo da escada que dá acesso à parte superior dos enormes barracões da Cidade do Samba ele caminha calmamente. Coçando a enorme barba ele vem olhando e identificando cada enorme escultura. O coração dispara ao ver tantos livros, tanto ouro, tanta riqueza. Tudo tão grande até que se pergunta, para que tudo isso?

Com passos firmes se aproxima da área esfumaçada e em meio à penumbra consegue perceber duas figuras. Uma logo se levanta apoiado numa bengala, abre um sorriso e lhe dá um longo abraço. “Como vai nobre amigo?” ouve ele. O outro, enquanto aguarda o fim da demonstração de afeto, atiça o fumacê, apertas as centenas de contas dos enormes colares e igualmente feliz lhe aponta a flâmula na parede, bate no coração e dá outro longo abraço. Sente-se, diz o de barba, falta pouco.

Como foi a vinda até aqui? Estou impressionado diz Cândido. A cidade mudou demais. Do Catumbi até aqui, passei por Presidente Vargas. Presidente? Acabou o reinado? O que houve com meu amigo Pedro? Luiz logo explica que em 1889 a República foi instaurada no Brasil e que muitos dos ideais que ele mesmo trouxe de sua estada em Coimbra seriam postos em prática. Um longo olhar na sala e um longa tragada num charuto que ofereceram e a pergunta fatal: Congonhas sobrevive? Mais uma vez Luiz do Carmo lhe dá a noticia: Não, pouco depois de sua passagem a cidade mudou de nome para Nova Lima, juntando algumas outras vilas da região. Candido franze a testa e reconhece fazer sentido. No mais tenro pensamento, presume que a cidade deve ser riquíssima devido ao ouro que se farta em suas terras. Possivelmente bem maior que Ouro Preto, sonha. Se desculpando por tantas perguntas, diz que achou a Capital com muitas habitações em morros e que isso a deixa menos linda do que era. Aniz toma a frente dessa vez, explicando que a Capital já não é mais na Guanabara e que foi transferida para a região do cerrado, uma terra rica no coração do Brasil. Candido não entende mais nada e pergunta o que querem?

apo1Ela se ajeita ali ao lado. A conversa está interessante e nenhum barulho do mundo poderia atrapalhar. Abrão mostra algumas fotos e liga uma música. Esse ano nosso povo vai contar a sua história. Que povo? Articula-se com a bengala, abre um sorriso típico das comemorações de Cosme e Damião que tanto prazer lhe dá e passa a explicar de quem se tratam.

Milhares, caro conselheiro real, se reúnem às quintas-feiras na gigantesca e longínqua quadra para celebrar o carnaval. Como se não houvesse o amanhã praticam sua felicidade de forma pacífica e emocionada e essa gente uma vez por ano vem aqui no Rio de Janeiro, exibir sua felicidade, sua cultura, suas fantasias e alí no Catumbi , do lado de onde repousas , fazem seu ritual de amor e paixão em azul e branco. Procurando um lenço para enxugar as lágrimas diz que a Praça virou o encontro do sambista. Atônito com tanta informação, Cândido pergunta o que tal grupo já fez por aquelas bandas. Luiz, maestro maior do contingente, revela que esse grupo tem em sua historia revoluções que a festa pagã assistiu. Levanta e mostra enormes fotos na parede mostrando gente com água pelo joelho, gente vestida de mendigo, gente vestida de rei, gente vestida de Visconde. Muito da realeza brasileira passa por alí, explica ainda dizendo que o ritual da escola de samba é tipicamente do Brasil e hoje o mundo passa pelo espaço para nos ver e aplaudir.

apo2Cândido solta um sorriso e um prazeroso pensamento o levam de volta a centenas de dias atrás para lembrar de conversas na corte aonde se perguntavam do que o país seria capaz e pelo jeito, temos algo que o mundo reconhece. Pergunta a um refeito Aniz o que é o passarinho e o azul em volta. Ao saber que é o símbolo máximo do grupo se interessa pela história. Sabe da fundação naquele famoso quintal, dia de Natal, onde a aguerrida ave apareceu e logo nominou o bloco carnavalesco. Felicita-se ao ouvir a história de Cabana e Neguinho. Pergunta quem é o rapaz de branco, presente em tantas fotografias, sempre tão feliz. Luiz responde. Era meu irmão. O homem que elevou essa festa a patamares jamais imaginados. O homem que fazia de suas viagens às revoluções estéticas que o Brasil precisaria fazer em suas revoluções culturais. Um certo João, nascido lá no Maranhão. Candido sorri e relembra de suas passagens como presidentes da província do Maranhão. Bons tempos.

Uma questão já inquietava e vendo tão empolgadas figuras a fez: Por que eu?

Luiz ri e lembra-se de quando fez a proposta a Abrão e teve como resposta um “ué, mas a Rosinha não fez em 1993?” nada disso, veja o que já pesquisamos. Conselheiro, poeta, senador, músico… E maior palco do espetáculo. Pera lá, responde Candido, isso não sou não. É  sim, aponta Aniz para o quadro na parede, com a família erguendo mais um dos troféus que a gente da baixada vem buscar no Rio. O seu nome é o da Avenida onde é realizada a festa e que termina numa enorme praça com uma linda escultura de nosso maior arquiteto, bem pertinho do Catumbi. Candido reforça a memória e lembra que passou numa avenida, com grandes lances de arquibancadas e que não sabia do que se tratava. Sente-se honrado. Luiz continua e diz: Nosso pessoal é o primeiro campeão dos carnavais realizados nessa avenida e também o atual explicando de fato a competição como se é. E encerraremos a festa com um grande baile exaltando sua figura Candido, o povo e também a nossa escola.

Aturdido Candido agradece e se diz feliz e diz que as coisas que viu estão muito bonitas. Abrão mostra um vídeo das pessoas cantando a música que entoará os festejos e diz a dupla que gosta muito da parte que diz “Seu chão, floresce a nobreza pro samba passar”. Considera uma honra para ele , pobre “mortal” ter o nome cravado na maior festa do país. Como agradecimento pede para ver a escultura que ele acena para as pessoas que vão assistir, sorri e pensa que está mais velho que a aparência. Arranca um longo riso de Luiz. Estarei com vocês até me devolverem ao Catumbi, combinado? Diz. Abrão diz não. Você estará para sempre conosco!

candidoCandido se levanta, pois é hora de voltar e esperar àquela que lhe apresentaram como a Deusa da Passarela lá pela meia noite do dia 7. Dá um grande abraço em Luiz e agradece seus feitos ao samba. Em Aniz, bate no peito e com o conhecimento de quem foi Visconde lhe fala algo. “Meu querido, nada que o Olimpo te ofereça é maior que o sorriso de um povo sofrido, você pode até se sentir Pai, mas o sentimento de irmandade é sempre mais prazeroso”. Pede finalmente que continuem olhando pelas crianças e que os frutos sejam colhidos nas festas seguintes. Sai da sala, passos firmes. Em direção a ela… Que sonada ouviu tudo e guardou para a eternidade. Agora sabe o verdadeiro significado de poderosa e soberana. Ele passa a mão na cabeça dela e fala. Guarde esse dia, você faz parte da família Beija Flor.

Ela sorri e diz apenas. Obrigado Marques de Sapucaí.

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