O regulamento para os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Rio sofreu apenas uma mudança significativa para 2003: em vez de um ponto perdido para cada minuto excedido dos 80 regulamentares, a punição passaria a ser de 0,2 por minuto. Na época chegou-se à conclusão de que a despontuação em cronometragem era muito severa e que isso poderia influenciar muito na apuração.

Se o regulamento era praticamente o mesmo, houve um troca-troca de intérpretes sem precedentes para aquele Carnaval: depois de dois anos no Salgueiro, Nêgo voltou para a Unidos da Tijuca, que já havia defendido entre 1986 e 1992; no seu lugar entrou Quinho, que estava na Grande Rio; já a Tricolor contratou Wander Pires, que deixou sua vaga na Mocidade para Paulinho Mocidade, de volta à agremiação depois de dez anos; para o lugar deste, a Imperatriz acertou com David do Pandeiro, que teve seu posto na Santa Cruz ocupado por Luizinho Andanças; por fim, Wantuir trocou a Tijuca pelo Império Serrano.

Enquanto não mergulhamos nos enredos e desfiles de 2003, abro parênteses ainda sobre o tema intérpretes. Como curiosidade, dois cantores que jamais deixaram suas escolas do coração, Jamelão e Neguinho da Beija-Flor, tiveram uma conversa muito amistosa pouco antes de o lendário intérprete mangueirense falecer em 2008: ao considerar Neguinho seu sucessor como principal cantor de samba-enredo do país, Jamelão pediu que a voz da Beija-Flor jamais permitisse que chamassem-no de puxador. Jamelão nunca engoliu a alcunha porque antigamente essa era uma artimanha das gravadoras para não remunerar os cantores cedidos por outras gravadoras para a produção dos discos de samba-enredo. Fecha parênteses.

Fato é que Mangueira e Beija-Flor eram de novo o centro das atenções na fase pré-carnavalesca. Depois do grande desfile que rendeu o título de 2002, a Verde e Rosa apostou num enredo sobre a história de Moisés e a libertação dos hebreus com mais um samba-enredo de qualidade. Mas a poucas semanas do Carnaval, a escola chorou o falecimento de Dona Zica. Já a Beija-Flor, engasgadíssima com quatro vices consecutivos, escolheu como tema a fome e ainda prometia uma homenagem ao recém-empossado presidente Lula.

Já a Imperatriz Leopoldinense, criticada nos anos anteriores pelos desfiles frios, resolveu mudar: escolheu como enredo os piratas e a pirataria, e prometeu uma abordagem mais alegre e divertida, o que ficou claro já na escolha do samba. A Mocidade Independente de Padre Miguel optou por defender em seu enredo a doação de órgãos, enquanto a Viradouro homenagearia Bibi Ferreira, e o Salgueiro, que contratou o carnavalesco Renato Lage, teria como tema o seu cinquentenário, com um samba muito popular desde a fase pré-carnavalesca.

A Acadêmicos do Grande Rio faria um enredo sobre a mineração, com patrocínio da Vale do Rio Doce, diga-se de passagem. A Portela contaria a história da Cinelândia, e o vizinho Império Serrano teria como tema a energia e o poder da luz (?!). A Unidos da Tijuca tinha um dos melhores enredos do ano (e o melhor samba), sobre os escravos brasileiros que voltaram para a África e levaram para lá nossa cultura. Outra agremiação com enredo de temática negra era a Caprichosos, com homenagem a Zumbi dos Palmares.

A Tradição resolveu fazer um tributo ao atacante Ronaldo pelo pentacampeonato mundial da Seleção Brasileira, mas o samba era considerado pavoroso. Já a Porto da Pedra prestaria uma homenagem aos moradores de rua. Fechando as 14 escolas do Grupo Especial, a Acadêmicos de Santa Cruz teria como enredo o teatro.

OS DESFILES

A Verde e Branco fez uma apresentação simpática na abertura dos desfiles de 2003, mas não tinha recursos para apresentar um conjunto visual de luxo. Até que alegorias e fantasias passavam bem a proposta do enredo “Do Universo Teatral à Ribalta do Carnaval”, mas se manter na elite dependeria das apresentações das demais escolas. Empolgados, os componentes cantaram o samba e cumpriram seu papel.

Lamentavelmente a Santa Cruz teve problemas com dois de seus destaques: um passou mal e teve de ser acudido em meio ao desfile, e outro caiu de uma alegoria, mas não correu risco de morte. A Verde e Branco passou com dignidade.

salgueiro2003bApesar da difícil posição de desfile para uma escola que costuma brigar pelas primeiras colocações, o Salgueiro celebrou seus 50 anos com uma quentíssima exibição, que conquistou o público desde os primeiros versos do popular samba-enredo.

Como sempre pintando e bordando nos cacos, o cantor Quinho teve uma atuação de muita garra e embalou componentes e público, principalmente no refrão central que tinha os versos “Salgueiro, vermelho! Balança o coração da gente!”. A bateria de Mestre Louro voltou a brilhar e conquistaria mais uma vez o Estandarte de Ouro, de “O Globo”.

O desfile começou com uma lindíssima comissão de frente (foto), cujos integrantes estavam luxuosamente vestidos e tinham capas em vermelho com letras que formavam (com a coreografia, claro) os dizeres “50 anos” e “glórias”. Foi uma típica comissão de frente clássica que tinha o nome “Academia do Samba”, que apresentava a escola de forma singela.salgueiro2003

De volta ao Salgueiro depois de 15 anos, Renato Lage mostrou a categoria de sempre e focou no enredo os (até então) oito campeonatos da escola. A cada título, belos tripés indicavam em néon os nomes dos enredos e os anos correspondentes – Lage havia feito algo parecido em 1990, na Mocidade. No imponente carro abre-alas, estiveram salgueirenses das antigas e integrantes da Mangueira, madrinha da Vermelho e Branco, como Jamelão.

As alegorias agradaram bastante, mas as que mais chamaram a atenção pelo luxo e acabamento foram “Bahia de Todos os Deuses” (sobre o título de 1969), que trazia o grande Xangô do Salgueiro e ainda diversos orixás em forma de escultura (a de Oxum estava maravilhosa), e “Rei de França e as Minas do Rei Salomão” (sobre o bicampeonato de 1974 e 1975, quando a escola tinha Joãosinho Trinta), com uma enorme e bem concebida serpente que ficava em volta da ilha de São Luís do Maranhão.

O conjunto de fantasias também estava maravilhoso, totalmente adequado ao enredo, aliando luxo e leveza. Renato Lage conseguiu valorizar as cores da escola, mas ainda adotou outros tons alaranjados, dourados e prateados que renderam uma excelente divisão cromática.

Mas, infelizmente, pela enésima vez, o Salgueiro desfilou com o mastodôntico número de 5.500 componentes e, com a quebra do abre-alas na altura do setor 9, a evolução, que já era difícil, ficou mais complicada. No fim houve correria mas não adiantou e a escola estourou em quatro minutos o tempo regulamentar de desfile, o que, pelas novas regras, já renderia uma punição de 0,8. Lamentável, porque foi uma brilhante apresentação, das melhores do ano.

granderio2003bTerceira escola a desfilar, a Acadêmicos do Grande Rio de Joãosinho Trinta entrou na pista com muitos efeitos especiais para apresentar o enredo “O nosso Brasil que vale…”, sobre a mineração. O trocadilho com a palavra “vale” não foi à toa, como já explicado no começo do texto…

A comissão de frente era formada por homens com corpos pintados representando minérios. Cada componente tinha um minúsculo tapa-sexo para que a escola não perdesse pontos. Logo atrás, cinco enormes tripés representando o deus Chronos em belíssimas esculturas (foto acima) – vale frisar que este era o deus do tempo da mitologia grega e criou o reino mineral.

O carro abre-alas era lindíssimo, todo em branco e prata e com ótimo jogo de luzes, simbolizando as riquezas do Brasil. Nele, desfilaram a eterna Garota de Ipanema Helô Pinheiro e sua filha Ticiane, e a atriz Susana Vieira, figura contumaz nos desfiles da Tricolor.granderio2003

O enredo passou pelas origens da mineração, na Grécia Antiga, chegou ao Brasil com seus ciclos minerais e, por fim, a mineração contemporânea. Gostei do conjunto de fantasias, especialmente dos figurinos das baianas, que representavam “A Riqueza do Ouro”. Logo em seguida, a alegoria que se destacou no desfile, chamada “Ciclo do Ouro”, simbolizando o barroco mineiro e as riquezas daquele estado com muito requinte.

O desfile foi bem agradável até este momento, mas depois João 30 fez propositalmente uma ruptura visual para que fossem mostrados os minérios brasileiros. A concepção desta segunda metade não foi considerada tão feliz, e o enredo ficou confuso. Aliás, um momento estranhíssimo do desfile era o que tinha um boneco representando a fome sendo eletrocutado, numa representação da importância que a mineração teria para o futuro do Brasil.

A bateria de Mestre Odilon esteve impecável mais uma vez, com diversas bossas e paradinhas criativas. Mas o samba, embora contasse bem o enredo, não era vibrante, e o público reagiu de forma bastante fria. A Grande Rio terminou seu desfile deixando a impressão de que chegaria no máximo ao Desfile das Campeãs, pela irregularidade de sua apresentação e pela correria no fim, o que provavelmente resultaria em perda de pontos em Evolução.

viradouro2003Já Unidos do Viradouro caprichou na homenagem a Bibi Ferreira e fez um dos melhores desfiles do ano. Para começar, o samba-enredo era brilhante, com melodia dolente e letra poética. No desfile, o samba rendeu muito bem e foi acompanhado pela não menos contagiante bateria de Mestre Ciça, que fez diversas coreografias em reverência à homenageada e criativas bossas, como por exemplo um “rufo” no verso “Abram as cortinas que o show vai começar”.

A comissão de frente estava maravilhosamente vestida, com luxuosas fantasias de diferentes cores simbolizando diversos Molières e a bailarina Carolina Costa, de 14 anos, representando a atriz e cantora quando jovem. O trabalho do carnavalesco Mauro Quintaes no conjunto visual da escola também foi perfeitamente adequado à proposta do enredo.

Para começar, o luxuoso e enorme abre-alas representava o musical “O Avarento”, em dourado e vermelho e com excelente iluminação, além de um palco com cortinas e tudo. Amigos de Bibi desfilaram nesta alegoria, como os atores Paulo Goulart, Nicette Bruno, Rosamaria Murtinho e Ruth de Souza. Outras representações teatrais foram simuladas nos carros “Piaf” e “Gota d’água” e atrizes como Bete Coelho e Eliane Giardini representaram Bibi em algum momento da carreira.

Todas as demais alegorias mantiveram o nível de concepção, ou seja, com luxo e beleza, mas infelizmente o carro “O Homem de la Mancha” teve danos em um dos dois moinhos que simbolizavam a obra de Miguel de Cervantes. Já as fantasias, além do bom gosto e requinte, mostraram perfeito acabamento, tanto nos figurinos mais leves quanto nos mais encorpados.

A homenageada desfilou no último carro (foto acima), chamado “O legado de Procópio Ferreira” em homenagem ao pai de Bibi, que era ator. A diva estava maravilhosamente fantasiada e foi às lágrimas ao descer do carro após o desfile. Uma homenagem belíssima e inesquecível.

Pena que a lentidão na evolução tenha provocado um fim de desfile mais corrido. Mas pelo menos a escola não estourou os 80 minutos regulamentares. A Viradouro fez, ao lado do Salgueiro, o melhor desfile da noite, com a vantagem de que não perderia pontos em cronometragem.

O Império Serrano entrou na Sapucaí com a difícil missão de superar as escolas anteriores e, de fato, não teve uma apresentação das mais inspiradas. O enredo “E onde houver trevas…que se faça a luz”, sobre as diversas formas de luz, era mais um a pedir paz em meio às guerras que aconteciam na época – em 2001, os EUA invadiram o Afeganistão em busca do terrorista Osama bin Laden após os ataques de 11 de setembro, e dias depois do Carnaval, o país invadiria o Iraque atrás de Saddam Hussein.

O poético samba de Aluísio Machado, Arlindo Cruz, Carlos Sena, Maurição e Elmo Caetano foi bem cantado pelos desfilantes, mas não empolgou o público. Apesar de muitas luzes nas alegorias, houve sérios problemas estéticos, com materiais se soltando. Para piorar, as alas coreografadas amarraram a evolução, que foi descompassada. Lamentavelmente mais um ano para os imperianos esquecerem.

Outra que decepcionou na avenida foi a Caprichosos de Pilares. O enredo “Zumbi, Rei de Palmares e herói do Brasil” por incrível que pareça não rendeu um samba dos melhores – o famigerado refrão principal rimava “Zumbi” com “Eu tô aí” – e nem o brilhante Jackson Martins conseguiu salvá-lo. Como resultado, nem os componentes desfilaram com animação, e nem o público respondeu com entusiasmo.

O conjunto de alegorias e fantasias contava o enredo de forma correta, mas sem nada de novidade ou impacto em relação a um personagem já bastante visitado no Carnaval. O ex-big brother e cantor André Gabeh (que fim deu?) representou Zumbi numa alegoria. Um desfile típico de meio para fim de tabela.

Depois do excelente (e injustiçado) desfile de 2002, esperava-se muito da Portela com o enredo “Ontem, hoje e sempre Cinelândia – O samba entra em cena na Broadway brasileira” já quase na manhã de segunda-feira. Mas a Majestade do Samba teve um desfile com problemas.

Depois de a bela comissão de frente encenar “E o vento levou”, com diversos personagens do filme até representando um piquenique na avenida, a águia (de estranha concepção) pisou na avenida literalmente por intermédio de uma grua, que proporcionou belos movimentos. Mas a promessa de que ela receberia o Oscar não aconteceu e apenas uma das integrantes da comissão exibiu o troféu para o símbolo maior da escola.

Diversos aspectos da Cinelândia, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, além de cabarés, teatros de revista e teatros de comédia, foram retratados em alegorias e fantasias que não tinham o luxo característico da Portela. Mas a vaca foi para o brejo mesmo quando o carro “Cinelândia: Tribuna Livre” quebrou no meio da pista, e a ala seguinte não parou, o que deixou uma cratera na evolução.

Para piorar, o samba não era dos melhores, e parte do público deixou os setores de arquibancada. No fim do desfile, o carnavalesco Alexandre Louzada foi às lágrimas e criticou duramente o presidente Carlinhos Maracanã, a quem acusou de não investir na escola. Um ano para os portelenses, assim como os imperianos, riscarem da memória.

Mas o que todos os amantes do Carnaval devem mesmo riscar da memória é o terrível desfile da Tradição, que abriu a segunda noite de desfiles. O enredo “O Brasil é Penta, R é 9 – O Fenômeno iluminado” pretendia homenagear o atacante Ronaldo e relembrar os cinco títulos da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Mas o que se viu na avenida foi uma apresentação completamente despropositada.

Para começar, o samba é considerado até hoje pelos fãs de Carnaval “trash” de ponta a ponta, em especial o trecho “O Ronaldo iluminado, dono da camisa 9 /Nasceu em Beeeeeeeento Ribeiro”. Obviamente nem o público nem os componentes se empolgaram.

E nos quesitos estéticos, bom… Para se ter uma ideia, havia diversas alas vestidas de short e camiseta com os nomes dos times que Ronaldo havia defendido e, pasmem, um trio elétrico com lençol à guisa de alegoria. E Ronaldo, retratado até que de forma razoável numa alegoria, não apareceu no desfile.

Para uma escola que havia surgido 19 anos antes, quando portelenses insatisfeitos com os rumos da escola pensavam em resgatar valores carnavalescos que eles consideravam esquecidos, foi um desfile absolutamente desabonador, para ser educado. Aquela Tradição promissora dos anos 80 era só passado distante. E o rebaixamento desta vez parecia inevitável.

mangueira2003c

Dias depois do falecimento de Dona Zica, a campeã de 2002 Estação Primeira de Mangueira se credenciou com grande força para a briga pelo título com mais um desfile arrebatador sob chuva fina. Com o enredo “Os dez mandamentos! O samba da paz canta a saga da liberdade”, a Verde e Rosa pode até não ter tido uma exibição tão emocionante como o do ano anterior (apesar de ter sido quente), mas deu um show no conjunto visual e nos quesitos.

mangueira2003bPara começar, a comissão de frente liderada pelo coreógrafo Carlinhos de Jesus mais uma vez surpreendeu. Carlinhos – que precisou perder muito peso na fase pré-carnavalesca – desfilou fantasiado de Moisés e saía de um elemento alegórico que retratava o Monte Sinai para “levitar” na pista por intermédio de um truque em que ele era preso e içado num cabo. Os efeitos especiais com fumaça e fogo garantiam a reprodução incrível de como Moisés havia ouvido o chamado de Deus para passar ensinamentos ao povo hebreu. Moisés ainda abria uma tábua com a inscrição “Paz”.

Max Lopes fez um de seus melhores trabalhos na concepção do enredo que contava a saga de Moisés narrada no Antigo Testamento. Depois da comissão de frente, o carro abre-alas era gigantesco, com 87 metros e acoplado em dois: a primeira parte era vazada e tinha bigas e cavalos, com uma espécie de ala dentro do elemento, com soldados egípcios; já a segunda parte representava o império faraônico, e tinha uma enorme esfinge egípcia, acabamento excepcional em dourado e excelente iluminação.

Conhecido como Mago das Cores, Max Lopes conseguiu combinar perfeitamente as cores da Mangueira com as tonalidades que o enredo exigia. Tanto que o verde apareceu logo na alegoria seguinte, chamada “O Poder”, que lembrava o resgate de Moisés no Rio Nilo. Já o carro “A Ira do Faraó” voltou a ter dourado, mas já começava a pender para o rosa, assim como a alegoria “Babel de Religiões”, que tinha tons de prateado. Agradou muito também o carro “Festa do Povo”, que era multicolorido e simbolizava a tão sonhada liberdade. Havia também uma criativa ala que simbolizava Moisés abrindo os caminhos (foto abaixo).mangueira2003

Aliás, os figurinos da Verde e Rosa estavam também luxuosíssimos e perfeitamente adequados ao enredo. As vestimentas chamaram tanto a atenção naquele ano, que a carnavalesca Maria Augusta, na transmissão da TV Globo, classificou as fantasias como “fora do comum e impecáveis”. Como destaque, os figurinos do casal de mestre-sala e porta-bandeira formado por Marquinho e Giovanna, que tiveram mais uma grande exibição.

O samba não era uma “pedrada” como o de 2002, mas ainda assim era dos melhores do ano e contava muito bem o enredo. Componentes e público cantaram com Jamelão o tempo todo, proporcionando excelente harmonia, e a bateria do saudoso Mestre Russo mostrou a firmeza de sempre, apesar de bastante acelerada.

Sem sobressaltos de evolução apesar dos 4500 componentes, a Mangueira chegou à Praça da Apoteose sob os gritos de “bicampeã” e, até aquele momento, havia sido com sobras a melhor escola do ano. Isso porque, além da beleza e qualidade estética, fez uma apresentação quente e sem problemas.

beijaflor2003b

Terceira escola a desfilar, a Beija-Flor de Nilópolis entrou com muita garra para defender o enredo “O povo conta a sua história: saco vazio não para em pé, a mão que faz a guerra, faz a paz”. Durante todo o desfile, o samba-enredo interpretado com categoria por Neguinho foi bem recebido pelo público, e a comunidade nilopolitana mostrou a sua habitual força na harmonia, cantando a plenos pulmões – aliás, a forma como os componentes da cidade abraçam sua escola é elogiável até hoje. A bateria, embora com marcações precisas, também esteve acelerada demais – aliás, não é exagero dizer que 2003 foi o ano em que as baterias mais exageraram na velocidade do ritmo.

O enredo sobre a opressão e a fome começou com uma comissão de frente muito bem vestida representando o eterno conflito entre o bem e o mal. Como nos anos anteriores, a Beija-Flor optou por colocar a seguir o sempre brilhante casal de mestre-sala e porta-bandeira Claudinho/Selminha Sorriso e algumas alas coreografadas antes do enorme e bem realizado primeiro carro, que simbolizava “A Paz Celestial e a Dádiva do Criador”.

Outras alegorias também causaram excelente impressão, como as chamadas “Grandes Navegações – A Ganância Banhada a Ouro” e “O Paraíso Terrestre: uma segunda chance”, que eram imponentes e de bela iluminação, além do carro “Banquete do Povo”, que tinha diversas cores e boas esculturas.

beijaflor2003dPor outro lado, em outros carros houve problemas: o “Apocalipse – Ira do Criador” teve concepção que não agradou, com monstros feitos de espuma e coloração sombria; já na alegoria “Brasil de Hoje: caos social” o grande boneco que simbolizava um mendigo tinha uma consistência visivelmente frágil; por fim, o mais grave, o carro que homenageava o presidente Lula e Nelson Abrahão David teve sérias falhas de acabamento, com as mãos do presidente perdendo dedos ao longo da pista e a parte traseira de fraca realização (foto ao lado).

Já as fantasias eram perfeitamente adequadas ao enredo e permitiam boas evoluções (aliás, as alas coreografadas tiveram excelente atuação, principalmente as que retratavam o sofrimento do povo necessitado), mas em matéria de figurinos Mangueira, Viradouro e Salgueiro foram superiores.

A Beija-Flor encerrou de forma bastante alegre seu desfile exaltando a eleição de Lula e passando uma mensagem de otimismo para a nova era que começava no país. O público recebeu bem a escola na Apoteose, também com gritos de “campeã”, mas seria uma briga indigesta para derrotar as adversárias pelos problemas estéticos citados.

Já a Unidos da Tijuca, que prometia muito com o instigante enredo “Agudás: Os que levaram a África no coração e trouxeram para o coração da África o Brasil”, teve uma apresentação repleta de problemas. Para começar, a comissão de frente se apresentou com figurinos incompletos. Além disso, houve desacoplamento de uma alegoria no começo da pista, o que deixou uma cratera na evolução.

Para piorar, o excelente samba-enredo não rendeu o que poderia, já que a bateria esteve inexplicavelmente aceleradíssima, sem exagero, praticamente em ritmo de frevo, e o sempre competente intérprete Nêgo cantou em um tom muito acima do normal. Com isso, a escola teve problemas evidentes no quesito Harmonia.

Mas a nota mais triste do desfile foi a queda da atriz Neusa Borges de uma das alegorias pouco antes da entrada na pista, de uma altura de quatro metros. A atriz não correu risco de morte, mas sua recuperação foi lenta por conta de várias fraturas, as mais graves na bacia e na perna esquerda, que recebeu 22 parafusos.

Infelizmente o bom trabalho visual da escola e a excelente apresentação da porta-bandeira Lucinha Nobre e do mestre-sala Rogerinho acabaram sendo inúteis diante desses problemas. Pelo menos, na teoria não havia risco de rebaixamento.

A Unidos do Porto da Pedra também teve uma apresentação de altos e baixos, com o enredo “Os donos da rua. Um jeitinho brasileiro de ser”. Houve falhas estéticas na escola, como danos na pata direita do tigre, o símbolo da escola, no abre-alas, e quedas de pedaços de fantasias. Pena, porque em termos de concepção houve bons momentos.

Foi uma apresentação alegre, que retratou com bom humor as dificuldades e luta do povo que vive nas ruas. O samba não era considerado lá essas coisas, mas, com a boa interpretação de Preto Jóia e a atuação da bateria, até que cresceu. Em resumo: aquela típica apresentação de meio para baixo na tabela, mas que também não parecia destinada a risco de descenso.

mocidade2003No primeiro desfile sem o carnavalesco Renato Lage desde 1990, a Mocidade Independente de Padre Miguel teve uma boa apresentação. O enredo “Para sempre no seu coração – Carnaval da doação”, do carnavalesco Chico Spinoza, rendeu críticas na fase pré-carnavalesca muito por causa do samba-enredo, bem inferior às obras daquele ano e, principalmente, de anos anteriores da agremiação.

Na avenida, porém, o que se viu, foi uma apresentação muito correta e alegre, com a escola cantando o samba, e alegorias que, se não tinham o luxo visto nos desfiles de Mangueira e Viradouro, eram criativas e contavam bem o enredo sobre a doação de órgãos.

A comissão de frente (foto) representava a “divina forma humana” e era muito interessante, com os componentes fazendo evoluções com arcos alemães, o que rendeu belo efeito, já que durante as coreografias os componentes acabavam formando a clássica pintura de Da Vinci. No entanto, quando a comissão se apresentou no meio da pista, um enorme espaço ficou até a chegada do extenso e belíssimo carro abre-alas, que tinha enormes mão e coração, com belos efeitos de luzes e muito neon.

Agradou muito a alegoria “Cosme e Damião, Patronos da Medicina”, que era em tom dourado e, assim como o abre-alas, vazado e com muito neon. O carro “Banco de Órgãos” era menor, mas bem realizado e também com boa iluminação, com muitos materiais descartáveis e tanques de água com mergulhadores simulando corpos armazenados. O carro do centro cirúrgico tinha Elza Soares representando “A Estrela Guia” e uma boa realização, em prateado e azul. As fantasias, tal como as alegorias, eram criativas, além de terem boa concepção e excelente acabamento.

O samba-enredo, apesar de limitado, foi muitíssimo bem cantado pelos componentes, que tiveram uma evolução sem sobressaltos aparentes. Pena que houve problemas na própria bateria (maravilhosamente cadenciada, ao contrário da maioria) em alguns momentos do desfile – isso renderia duas notas baixas na apuração. Mesmo sem empolgar o público, a Mocidade terminou sua simpática exibição com boas expectativas de voltar no sábado das campeãs.

imperatriz2003Pouco antes do amanhecer, a Imperatriz Leopoldinense começou sua apresentação com duas missões: a primeira, claro, de lutar pelo campeonato, e a segunda, bem mais difícil, a de fazer um carnaval para agradar ao público, depois da antipatia gerada nos anos anteriores pelos títulos contestados e, principalmente, algumas declarações de seus dirigentes minimizando a importância de empolgar os espectadores do sambódromo. Fato é que a Verde e Branco cumpriu bem a segunda missão – o Migão escreveu sobre esse desfile no blog, na série “Samba de Terça”.

Disposta a “brincar carnaval”, como já foi deixado claro no grito de guerra, a Imperatriz iniciou sua agradável apresentação para o enredo “Nem todo pirata tem perna de pau, olho de vidro e cara de mau” com mais uma brilhante comissão de frente formada por piratas com cara de caveira (foto).

Como de costume, Rosa Magalhães foi brilhante na concepção visual da escola, desta vez apelando para tons mais coloridos tanto em fantasias e alegorias. Inteligentemente, a carnavalesca preparou o desfile para o sol da manhã, e a divisão cromática deu muito certo.imperatriz2003b

Nos quesitos de pista, a Imperatriz voltou a mostrar competência em Harmonia e Evolução, mas nos dois principais quesitos acabou não tendo um desempenho dos melhores: a bateria, a exemplo do que havia acontecido com outras escolas, esteve aceleradíssima, enquanto o samba-enredo, a despeito de ser mais leve do que os dos anos anteriores, não era dos mais inspirados, mesmo com os componentes tendo cantado com força durante todo o desfile.

A Rainha de Ramos encerrou sua simpática apresentação certa de que voltaria no Desfile das Campeãs e, apesar de outras escolas terem feito desfiles mais quentes, uma surpresa ainda maior na apuração não estava descartada.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

Os prognósticos para a apuração indicavam Mangueira (principalmente), Viradouro e Salgueiro como melhores escolas do ano, mas a Vermelho e Branco da Tijuca, por ter estourado o tempo regulamentar de desfile em quatro minutos, tinha de cara 0,8 ponto a menos. Das demais escolas, Imperatriz e Beija-Flor corriam por fora. O Salgueiro conquistou o prêmio mais cobiçado do Estandarte de Ouro de “O Globo”, o de Melhor Escola. Já a Mangueira, mesmo sem empolgar tanto como em 2002, teve uma excelência estética que raras vezes se viu, além de ter ido muito bem nos quesitos de pista.

Logo no primeiro quesito (Mestre-Sala e Porta-Bandeira), apenas a Unidos da Tijuca tirou 40 pontos, e surpreendeu a Mangueira ter perdido de cara 0,3, já que o sempre elogiado casal Marquinho e Giovanna, nos oito carnavais anteriores, em apenas dois foi despontuado por algum jurado. Causou espanto maior o 9,5 levado pela impecável comissão de frente da Verde e Rosa, considerada a melhor do ano ao lado do Salgueiro, que de forma mais absurda ainda não levou nenhum 10, perdendo 1,7 ponto só neste quesito. A Beija-Flor, que foi ligeiramente inferior em comissão de frente, levou quatro 10.

O terceiro quesito (Alegorias e Adereços) teve mais surpresas, com a Beija-Flor perdendo apenas 0,1, o que foi estranhíssimo pelos já citados danos nos elementos. Neste momento, a Grande Rio estava colada em segundo lugar, mas a escola de Nilópolis disparou no quesito Conjunto, pois a Grande Rio perdeu 0,8 e a Mangueira, 0,2, enquanto a Azul e Branco levou 10 de todos os jurados. A Beija-Flor perdeu ainda 0,2 em Enredo, mas liderava com confortáveis 0,6 para a Mangueira e mais de 1,5 para todas as demais escolas, vantagem que não era condizente com o que se viu na pista.

A diferença aumentou ainda mais, já que a Beija-Flor levou 10 de todos os jurados nos últimos quatro quesitos (Evolução, Harmonia, Samba-Enredo e Bateria), enquanto a Mangueira perdeu mais pontos em Harmonia e Bateria. Numa das apurações mais em graça de que se tem notícia, a Azul e Branco foi campeã com uma dilatada vantagem de um ponto para a Mangueira (399,6 contra 398,6). Surpresa da apuração, a Grande Rio terminou em terceiro, distantes dois pontos atrás da Mangueira, seguida por Imperatriz e Mocidade, com Viradouro e Salgueiro apenas em sexto e sétimo lugares – um absurdo, diga-se de passagem.

Mas, para os livros de história, 2003 marcou o fim da sina de vice-campeonatos da Beija-Flor, que fez uma enorme festa ainda na Sapucaí comandada pelo grande Neguinho da Beija-Flor. Este lembrava a todo instante a frase dita no fim da faixa da Beija-Flor no CD de sambas-enredo: “A esperança venceu o medo” – veja mais na seção Curiosidades.

“Enfim hoje se resgata o reconhecimento que a Beija-Flor merece. A justiça foi feita”, vibrou o presidente da escola, Farid Abrahão David.

Derrotada, a Mangueira achou um exagero o 9,5 em comissão de frente, mas resignou-se com o vice.

“Parabéns para a Beija-Flor. Ano passado ganhamos nós, eles ficaram em segundo. Deixem eles comemorarem, estamos felizes também. A Mangueira tem a consciência do dever cumprido, a satisfação de ter sido a favorita do público, da imprensa, de todos, e vai comemorar o vice-campeonato e se preparar para recuperar o título em 2004”, disse o presidente Álvaro Caetano.

Apesar de todos os problemas e todas as falhas, inacreditavelmente a Tradição não foi rebaixada, sobrando para a Santa Cruz – que fizera um desfile superior. A escola de Campinho parecia ter o “corpo fechado” no que tocava a rebaixamento.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Beija-Flor de Nilópolis 399,6
Estação Primeira de Mangueira 398,6
Acadêmicos do Grande Rio 396,5
Imperatriz Leopoldinense 395,8
Mocidade Independente de Padre Miguel 394,3
Unidos do Viradouro 393,3
Acadêmicos do Salgueiro 390,5
Portela 390,4
Unidos da Tijuca 389,9
10º Caprichosos de Pilares 385
11º Unidos do Porto da Pedra 383,5
12º Império Serrano 378,9
13º Tradição 376,8
14º Acadêmicos de Santa Cruz 371 (rebaixada)

 

Se a apuração do Grupo Especial já foi estranha, a do Grupo de Acesso foi uma das polêmicas da história dos desfiles de escolas de samba do Rio. Em outubro de 2002. matéria do jornal “O Dia” relatou que no meio carnavalesco dizia-se que a São Clemente seria campeã (a escola vivia jejum de títulos desde os anos 60) com “10 em tudo”, inclusive com valores de eventuais “acertos” com a Associação das Escolas de Samba, então organizadora daquele desfile – falava-se em 35 mil dólares à época.

Se houve acerto prévio ou não, isso jamais foi provado, e a extensa lista de lendas de carnaval ganhou mais um item. Mas o fato é que a São Clemente, mesmo sendo a primeira a desfilar, como se dizia antes, obteve a nota máxima em todos os quesitos, ainda que tenha feito um desfile no qual, com boa vontade, brigaria pelo quarto lugar com a Estácio de Sá.

tuiuti 2003União da Ilha e Paraíso do Tuiuti fizeram grandes desfiles, que brilhariam inclusive no Grupo Especial, ambas calcadas em grandes trabalhos de seus carnavalescos, então revelações: Paulo Menezes e uma inesquecível Maria Clara Machado na Ilha, e Paulo Barros e um Portinari muito criativo no Tuiuti – com direito a um abre alas com uma coroa feita com milhares de latas de tinta (na foto, Barros ao lado do carro no barracão) doadas pela empresa Suvinil. Além disso, a Unidos de Vila Isabel, homenageando Oscar Niemeyer – e com um lindo samba – também passara melhor que a vencedora, segundo público e crítica.

Os telespectadores da CNT foram “brindados” ao vivo com um festival de palavrões.

Saraivada de palavrões à parte, os então presidentes de Vila Isabel e União da Ilha falam claramente em manipulação do resultado.

“A Vila Isabel não tem nem o que falar, bota um carnaval desse na rua, um gasto danado, pra ter uma escola que ganha antes, com uma p… de uma fantasia daquela ganhando de mim. Vou fazer o quê? Isso é o presidente da Associação, por isso não tem credibilidade p… nenhuma, o prefeito não dá aumento p… nenhuma, com um filho da p… desse ladrão aí. Por isso o carnaval tá na m… que tá, por causa de um filho da p… desse ladrão aí”, esbravejou Evandro Bocão, presidente da Vila.

Já o presidente da Ilha, Jorge Taufie Gazele, exigiu uma mudança radical na organização dos desfiles:

“Isso é um roubo, isso é uma sacanagem. um canalha. Todo mundo sabia que a São Clemente ia ser campeã. A São Clemente tá melhor do que a Beija Flor, 10 em tudo, e todo mundo viu a São Clemente desfilar. Isso aí é o Walter (Teixeira, então presidente da Associação), a culpa é da Liesa, que tem de intervir. Todo mundo sabe da idoneidade da Liesa. O Walter é o último ano dele e está enchendo o rabo de dinheiro. A gente recebeu 13.700 reais porque ele deixou a diretoria passada levar o dinheiro todo

Enquanto isso, o presidente da Aurinegra, Renato Almeida Gomes, o Renatinho, chegou a dar uma ironizada nos adversários que reclamaram ainda durante a apuração:

“Eu fiz o meu carnaval. São 37 anos sem um título, sempre me sacanearam e eu nunca chiei. Cada um faz o seu, eu fiz o meu. A São Clemente desfilou… Tira um defeito da São Clemente…bota um defeito. Onde ela errou? Quero ver quem fala…”

Tão logo foi consumada a vitória clementiana, mais palavrões, agora do lado vencedor.

“São 37 anos, a São Clemente tá viva, p…! Isso aqui é família, tenho que honrar a minha família, p…! Me sacanearam o ano todo, a vida toda, 37 anos! Quero ver onde tá o meu erro! Faz carnaval, p…!” berrou um transtornado Renatinho.

Enfim, um ano de resultados muito questionáveis.

O Grupo de Acesso B foi vencido pela Lins Imperial (homenageando Aroldo Melodia), com a Alegria da Zona Sul vice campeã – ambas promovidas. Vale lembrar que em outros dois grupos da mesma Associação das Escolas de Samba (fora da Sapucaí) as campeãs obtiveram uma diferença absolutamente inusitada em relação às demais escolas.

CURIOSIDADES

– Maria Augusta voltou a comentar os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, e se juntou a Ivo Meirelles e Haroldo Costa nos comentários da TV Globo. André Marques e Dudu Nobre passaram a comandar a Esquina do Samba na concentração.

– Causou revolta em Padre Miguel a nota 8,2 dada pelo jurado Teo Lima à bateria da Mocidade Independente. No Desfile das Campeãs, a escola levou uma faixa de protesto contra o julgador. Em tempo: se tivesse tirado dez, a Mocidade teria subido apenas uma posição, para o quarto lugar.

– Foi o último desfile de Luma de Oliveira como rainha de bateria da Viradouro. No ano seguinte, ela desfilaria pela Mocidade, mas desistiu sob a desculpa de que estava grávida. Mentira confessada depois pela própria, que alegou ter feito uma tentativa desesperada de salvar seu casamento com Eike Batista. Não deu certo, pois os dois se separaram logo depois do Carnaval.

– Neusa Borges processou a Unidos da Tijuca por negligência no caso do acidente e, oito anos depois, ganhou na Justiça o direito a uma indenização de R$ 700 mil. A atriz revelou que moveu a ação porque foi despejada do apartamento em que vivia por não ter dinheiro devido à falta de trabalho pelo acidente.

– A Mangueira chorou a perda de três nomes importantes de sua história em 2003: Dona Zica (viúva de Cartola), o carnavalesco Oswaldo Jardim (que fez trabalhos fundamentais para o sucesso do movimento “Muda, Mangueira” nos anos 90), e o passista Ademir Gargalhada (eterno parceiro de Rosemary nos desfiles).

– Durante a corrida à presidência da República em 2002, a atriz Regina Duarte causou polêmica ao dizer na propaganda do PSDB a frase “eu tenho medo”, referindo-se ao candidato petista Lula. Este, ao vencer a eleição, rebateu: “A esperança venceu o medo”, frase que Neguinho da Beija-Flor usou para encerrar a faixa da escola no CD de sambas-enredo de 2003. E repetida pelo brilhante intérprete como mencionado no texto, no trecho sobre a apuração.

– A escultura do presidente Lula no carro alegórico da Beija-Flor terminou o desfile com apenas SEIS dedos nas mãos. E de 40 pontos possíveis no quesito, a escola somou 39,9…

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

O pré-carnaval da Portela foi um tanto conturbado naquele ano. O carnavalesco Alexandre Louzada propôs mais de uma dezena de enredos até ter o tema sobre a Cinelândia aceito. Além disso, a preparação do desfile sofreu com a falta de recursos: o presidente, inconformado com o resultado do ano anterior, resolveu não investir.

A disputa de samba também foi complicada: após uma final com seis (!) sambas, acabou sendo levado para a avenida aquele que em minha opinião era o mais fraco daquela noite – em resultado que vazou antes mesmo do anúncio. O então favorito samba de David Corrêa (que pela última vez seria finalista na escola) estendeu sua apresentação em mais uma passada como protesto. Pessoalmente fiquei tão aborrecido que só voltaria a uma final dez anos depois.

Desfilei em ala de comunidade naquele ano, em uma ala que representava o bloco Bafo da Onça. A fantasia pesava por baixo uns 20 a 25 quilos, com uma cara de onça no resplendor que deveria ter quase um metro de envergadura. Some-se a isso que tivemos de correr por causa da quebra do carro e tivemos um desfile bem infeliz. Apesar do esforço para ensaiar, muitas vezes indo a pé de Cascadura, onde morava, até a quadra, com o dinheiro contado da entrada (R$ 3). Eu estava desempregado naquele pré-carnaval.

Mesmo desempregado, assisti (sem gastar um centavo) aos três dias de desfile, sempre em arquibancada: setor 3 no Acesso A, 11 no domingo e no 1 na segunda feira. Ainda fui xingado quando retornei ao setor 11 após o desfile da Portela, como se tivesse culpa pelo mau desfile da escola… Aliás, foi meu único desfile naquele ano.

A propósito, a corrida que dei com minha então namorada pela Presidente Vargas a fim de chegar a tempo de ver a São Clemente foi digna de Usain Bolt… É o tipo do caso em que todo mundo sabe o que aconteceu, mas como não há recibos, nem gravações, fica no terreno das lendas. As esculturas da escola eram quase todas recicladas do ano anterior, entre outras coisas.

Naquele mesmo Acesso A, Estácio de Sá e União de Jacarepaguá conseguiram dois bons sambas de temas áridos: a cidade de Cachoeiras de Macacu e o boi zebu, respectivamente. A Acadêmicos da Rocinha homenageou o Fluminense e por muito pouco não caiu para a terceira divisão do samba…

O enredo do Império Serrano, originalmente, seria uma proposta patrocinada da Light (concessionária de energia do Rio de Janeiro), mas o carnavalesco Ernesto do Nascimento (em seu último Carnaval) gostou tanto do tema que acabou levando para avenida ainda que sem patrocínio. Mas a realização acabou bastante hermética – e olha que o filho do carnavalesco passou o desfile inteiro me explicando o significado dos carros e alas…

O Salgueiro estourou o tempo porque seu presidente e sua Direção de Harmonia pensavam que o tempo máximo era de 85 minutos, não 80 como constava no regulamento.

Como já contei na “Samba de Terça” sobre este desfile, o samba da Imperatriz foi muito mexido entre a disputa e a gravação do CD. É praticamente outro samba – que, aliás, me traz boas lembranças daquele pré-Carnaval.

O conjunto de fantasias da Mocidade foi muito criticado antes do desfile, mas, no conjunto, funcionou bem. Começou um jejum de 14 anos da escola sem retornar ao Desfile das Campeãs, apesar de uma nota bastante baixa (8,2) da bateria – dizem as más línguas que dada com um ano de atraso…

O desfile da Grande Rio foi um dos mais chatos a que assisti até aquele momento. Minha namorada dormiu de roncar na arquibancada e só não segui o mesmo caminho pois tinha de me arrumar para desfilar na Portela. Fora o eletrocutado…

Até hoje há controvérsias sobre quem teria dado o tom errado do belo samba da Unidos da Tijuca, se o puxador ou o cavaquinista…

Com a chuva, o lençol que cobria o último “carro” da Tradição foi ficando transparente e a marca da empresa dona do carro de som, aparente…

Pessoalmente, o resultado do Especial me surpreendeu bastante: poucas vezes vi uma escola dominar tão amplamente um desfile como a Mangueira fez naquela oportunidade, e a Verde e Rosa deveria ter sido campeã com “um pé nas costas”. O rebaixamento da Tradição também era “pule de 10”, com o perdão do trocadilho – mas não foi o que se viu na apuração.

União da Ilha e Paraíso do Tuiuti fizeram naquela oportunidade seus melhores desfiles na década.

Links

O desfile campeão da Beija-Flor em 2003

A brilhante exibição que deu o vice à Mangueira

A linda homenagem da Viradouro a Bibi Ferreira

O injustiçado desfile do Salgueiro

Fotos: Liesa, O Globo e O Dia

 

21 Replies to “2003: Beija-Flor tira barriga da miséria e júri fecha mar da Mangueira mesmo com Moisés…”

  1. Repetindo o comentário do Trinta Atos com adendos:

    O Título da Beija-Flor há um quê de discórdia. O trecho do samba “chega de ganhar tão pouco/Tô no sufoco, vou desabafar” era como quem dissesse assim: “ou me dá um título ou eu fodo tudo de vez”.

    A vontade do torcedor da Mocidade é fuzilar o Téo Lima junto com o Carlos Pousa – ou então, queimá-los vivos.

    O “Minha Mangueira” do Jamelão no final da faixa verde e rosa ficaria eternizado anos depois. O samba da Viradouro pra mim é a oitava maravilha do mundo!

    Agora o Grupo de Acesso… Que vergonha! Foi um dos carnavais mais roubados que já vi – E eu pensava que era o da Inocentes.

    Além do protesto do Presidente da Ilha, a Vila também chiou (e com razão):

    Evandro Bocão, presidente da Vila Isabel na época: “A Vila Isabel não tem nem o que falar! Bota um carnaval desse na rua, um gasto danado, pra eles (a associação) já terem escola que ganha antes, com uma PORRA de fantasia daquela tá ganhando de mim, eu vou fazer o que? Isso é o presidente da Associação! Por isso, não tem credibilidade PORRA nenhuma, prefeito não dá aumento PORRA nenhuma com um filha da p… desse ladrão aí”

    Índio, diretor de carnaval da Vila: “O que tá havendo? Deveria perguntar ao Walter e essa cachorrada que julga essa m… er… er… o Grupo de Acesso. Isso é uma pouca vergonha! Ano passado fomos garfados e esse ano não foi diferente. Achamos que fizemos um carnaval belíssimo (elogiado até pela própria emissora que transmitiu o desfile) e no entanto estamos ouvindo esse tipo de nota. Isso é uma pouca vergonha! O Grupo de Acesso deveria terminar! Ou então, a Liga assumir esse grupo porque não aguentamos mais”

    Cabe a pergunta: o que aconteceria no Grupo A se a Liesa assumisse?

    A Vila chiou tanto que no ano seguinte foi campeã…

    O Presidente da São Clemente tentando se defender dizendo “Eu fiz o meu carnaval”. Mas, como me disse o Migão, o próprio deu com a língua nos dentes e desde outubro de 02 todo mundo já sabia o que aconteceria…

    E pior, teve escola que quis cobrir o lance nos anos seguintes.

    Uma pergunta do repórter da CNT ao Renatinho me causou estranheza, tal pergunta terminava com um “a fantasia estava um dedo”

    No Grupo B, Aroldo Melodia, mesmo debilitado, cantou o samba da Lins na avenida. Aliás, último carnaval de Edimilson Villar, que no mesmo ano morreu num terrível acidente.

    Por fim, e voltando ao Grupo A, reproduzo o comentário que o Leonardo Fernandes fez no TA: “Ainda em 2002, no primeiro semestre, eu estava no primeiro período de Direito e estudei com o filho de um dos advogados da AESCRJ. Eu lembro de ter conversado com ele meio puto pq a Vila não havia subido em 2002, eu contava a ele que foi injusto a Santa Cruz ter subido e tal.. Ele me respondeu: “A Vila não vai subir em 2003 tb. Só em 2004. Em 2003 a ordem de colocação será São Clemente, Ilha e Vila. Passado um ano, depois da apuração de 2003 eu encontrei com ele. E me contou:”Não te falei? São Clemente ganhou e a sua Vila ficou em terceiro”…”

    Que venha 2004!

    1. edmilson villas que faleceu ao tomar uma roda no tórax como revelou o pedro migão no trinta atos.

      o video da apuração do acesso colocado por wendel trancedo,morro de rir da são clemente dando uma de metida e ataque de vila e união da ilha.

      é aquela coisa que sabe o que aconteceu,mas como não tem provas ,fica no campo das incertezas.

      sou um dos poucos fãs do samba da tradição

  2. Boa tarde!

    Prezado Fred Sabino:

    – Renato Lage sofreu muitas críticas dos tradicionais falastrões sobre qual estética adotaria no Salgueiro, Escola dita mais tradicional que a Mocidade (As pessoas pensam que o carnaval começou quando elas passaram a gostar da festa…). O recurso dos tripés novamente nos guiou pelo enredo como em 1990 e 1995.

    – Falando em Mocidade, não curti a Comissão de Frente pelo simples motivo de ter praticamente a mesma coreografia (Com as rodas e tudo mais) usada na Tucuruvi em 2001, quando esta homenageou o samba paulistano.

    – O barracão da Imperatriz sofreu um incêndio nas semanas anteriores ao desfile. A Escola perdeu uma alegoria, que foi reconstruída a toque de caixa com seus próprios restos e outros materiais novos. Houve relatos de espectadores nas frisas reclamando do mau cheiro deste carro.

    – Acredito que este desfile da Mangueira tenha sido muito superior ao de 2002. A estética adotada foi baseada no filme “Os dez mandamentos”, de 1956. Aliás, eu diria que é o filme em formato de desfile de Escola de Samba.

    Que venha 2004, a maior chuva que já peguei no sambódromo!

    Atenciosamente
    Fellipe Barroso

      1. Prezado Carlos Alberto:

        “Os dez Mandamentos”, de 1956, levou mais de seis anos para ser produzido, e foi por muitos anos, o filme mais caro da história do cinema. Custou, à época, o incríveis US$ 13 milhões.

        Foi um sucesso de bilheteria, e um dos símbolos da “era de ouro” de Hollywood.

        Ele deu a Moisés seu “visual definitivo”: o manto em vermelho com listras pretas e brancas é muito emblemático.

  3. Apesar de não ter a mesma emoção e leveza de 2002, a Mangueira fez, com sobras, o melhor desfile do Carnaval 2003. O título deveria vir com uma boa margem de pontos, porém, isso aconteceu com a Beija-Flor. Não que o desfile da agremiação nilopolitana tenha sido um desastre, longe disso, mas como disse o Fred, a chuva de notas dez e a consequente vantagem de 1 ponto (!) para a Mangueira mostram que os jurados viram outro desfile. Enfim, a destacar a elegância da diretoria da Mangueira em não dar ataque de pelanca na apuração, mesmo tendo até motivos para isso. Ah, se fosse o contrário…

    Viradouro e Salgueiro também sofreram com a caneta dos jurados. Viradouro seria minha vice-campeã, e o Salgueiro pelo menos o 5º lugar. A Grande Rio, assim como a Beija-Flor, teve muita condescendência por parte do júri, colocando em 3º lugar um desfile que não merecia sequer voltar nas campeãs.

    Sei que os sambas da Portela e Caprichosos são bem fracos, mas são aquelas “marchinhas safadas” que me divertem…

    Mais um não rebaixamento absurdo da Tradição…

    No Acesso, vergonha é pouco para definir o que aconteceu. Tuiuti e Ilha fizeram desfiles muito superiores a São Clemente. Até hoje não sei qual foi melhor. Esse resultado atrasou a subida da Ilha em seis anos, enquanto que o Tuiuti nunca mais esteve tão perto assim do acesso…

    E o nome Paulo Barros começa a ficar conhecido no Carnaval. Mas o melhor estava por vir!

  4. Também vou tirar meus comentários do TA:

    Pra começar, uma escola que faz enredo homenageando a ditadura merece ser achincalhada até o fim dos dias! Título totalmente injusto da BF, mas como o Carlos Alberto disse, os versos finais do samba falam por si só!

    Pior que aguentar o Anísio, o Laíla e o Neguinho falando que “a justiça foi feita” é aturar seus torcedores. São muito chatos! Parecem os niteroienses da Viradouro e os gresilenses do final dos anos 90!! Mania chata de querer bradar toda hora que “quando ganha é justo e quando perde é roubado”!! Agora são os neo-Tijucanos com isso!! Torcedor modinha é uma droga!! Lembro, em 1993, início do ano no primário, eu com meus 9 anos, já torcedor da Mocidade… praticamente todos torciam para a Estácio só porque ganharam em 1992.

    Daí em 1994, os mesmos que torciam para a Estácio já tinham mudado para o Salgueiro. Vai vendo.

    Bom, ao desfile. A Mangueira realizou, na minha opinião, o seu melhor desfile da história. Só não entra no top-3 geral porque não precisava a Surdo Um acelerar tanto o samba (pra mim, top-20 fácil). Levar 9,5 em Comissão de Frente foi uma operação sem anestesia!!!

    Não digo que a Viradouro deveria ter sido vice ou terceiro, seria irrelevante – mas merecia uma das posições, até porque acho que a Mocidade merecia pódio, principalmente pelo milagre de transformar o segundo pior samba da sua história em um assombro de harmonia na avenida, com aquela execução EXTRAORDINÁRIA da melhor bateria do Carnaval! Infelizmente, a atravessada foi mortal.

    O Salgueiro, além da correria e do estouro, teve problemas – pra mim visíveis; pode ser que eu esteja exagerando – com o samba, que se arrastou demais e desanimou um pouco. O samba era pro CD – e é um dos bons da safra. E só!

    E concordo com todos: a Tradição ter se mantido foi uma das maiores vergonhas, maior até do que o título da passar… ops, Beija-Flor!!

    Acesso: sem comentários. O vídeo (assistam logo e salvem-no, usando o aTube Catcher) diz tudo!!

    1. Rodrigo, esqueci de mencionar uma frase do Laíla depois da apuração: “Queria dizer aos vascaínos que bastou o Vasco ganhar a Taça Guanabara para a Beija-Flor ganhar também”

      1. Verdade Carlos Alberto, infelizmente para mim (e ótimo para os rivais, claro) os resultados do Vasco a partir daí não acompanharam em nada os da Beija-Flor.

        Laíla >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>Eurico/Dinamite.

  5. Esse é um dos títulos do rol dos vergonhosos que a Beija-Flor conquistou. A campeã era pra ser a Mangueira, com sobras.

    Perder por um ponto para a BF está entre os maiores absurdos da história do carnaval.

  6. Ê 2003…um ano em que fica difícil explicar para alguém que não é apaixonado pelos desfiles o porquê da gente se importar tanto com isso. Sinceramente. Resultados desanimadores.

  7. Como disse no TA, há uma lenda que o cavaquinista tijucano estava com os acordes a postos para dedilhar o esquenta, que seria o samba de 1992 “Gueledés”, mas teria faltado avisar o Nêgo, que de imediato começou a cantar “Tem cheiro de bejoim no xirê, alabê…” e o belo “Agudás” teve de ser entoado por 80 minutos com o tom errado do cavaquinho, o que espantou Ivo Meirelles, que ficou o desfile inteiro falando do bendito cavaco. Nêgo berrando o samba foi das piores atuações de um intérprete que eu vi na Sapucaí, mas o irmão do Neguinho se redimiria no ano seguinte… Quanto ao fatídico 8,2 pra bateria da Mocidade, aí foi a definitiva morte das cadências oitentistas nos desfiles atuais.

  8. O ano de 2003 é uma vergonha para o carnaval carioca, sejamos claro foi um Roubo gigantesco o que fizeram com a Mangueira… A MANGUEIRA sim era a campeã com sobras em 2003, um tremendo assalto a verde e rosa, no acesso nem se fala pior ainfa a tramoia que fizeram… Ano para o povo do samba sentir vergonha com os resultados de 2003

  9. Muitas escolas com problemas nos desfiles de 2003.

    A Mangueira foi sublime e garfada! Era o Lula começando a melar o que tocava. Curioso foi ver seus dedos caindo ao longo do desfile….deveria ter despencado todo o resto…

    Nunca mais me saiu da cabeça o samba da Santa Cruz: “Salve, o sentimento do artista…” / “É Santa Cruz pode aplaudir….”

    Uma judiação o que aconteceu com o Salgueiro! Foi marcante esse desfile relembrando suas conquistas! Samba maravilhoso e Quinho endiabrado. Me lembro que fiquei hipnotizado na frente da TV assistindo a entrada da vermelho e branco.

  10. O ano que comecei a prestar atenção no Carnaval (tinha 10 anos na época). E também o ano em que vi que o que minha mãe dizia (sobre ser tudo armado) era, em partes, verdade.

    Foi nesse ano que a Beija-Flor começou a trilhar o caminho que antes era da Imperatriz.

    Na época, meu pai fez uma piada sobre o boneco do Lula: ele disse que os dedos estavam caindo para combinar com o fato do Lula só ter 9 dedos.

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