Prezada Dilma, quero estabelecer contigo um diálogo franco e sincero. Sei das dificuldades que você, enquanto pessoa, no seu íntimo, das noites mal dormidas, das pressões que deve sofrer de todos os lados está tendo. Está estampado em sua face. Portanto, quero salientar que, apesar de sabermos das memórias de seu passado, de suas andanças num passado recente bem nefasto, acredito que precisamos ter, definitivamente, uma conversa bem séria.

É, isso é uma bronca. Acho que não dá mais pra brincar de pacto social. O pacto com as elites é historicamente projetado em nossa república, a qual ainda está na fase pueril. Não foi Lula quem iniciou esse processo. E pelo jeito que as coisas andam, não me parece que você pretende acabar com essa brincadeira de muito mal gosto.

310813_naocriminalizacaoTenho pensado nisso, há tempos. Muito mesmo antes do tal impeachment, que em tempos de boçalidade extrema, beira o absurdo. Pois bem, cara presidenta, por que foi brincar de se aliar a esses usurpadores de poder e virou as costas para as classes trabalhadoras? Não me venha agora pedir auxilio aos movimentos sociais sem antes fazer uma profunda reflexão sobre seu governo. Afinal, você e os militantes estão mesmo preocupados com a democracia ameaçada ou com a manutenção do poder, da dita governabilidade?

Caso for por conta da manutenção desse joguinho de atender apenas uma ínfima parcela da sociedade, porém muito rica e poderosa, pode ter certeza que não terá o meu apoio. Te garanto que de muitos da base também não. E sabe por quê? Por que essa disputa só há um vencedor e, certamente, não são os membros dos movimentos sociais tão fortemente 178043-970x600-1atingidos por suas políticas da direita que você tanto diz combater. Combate mesmo, ou é só retórica?

Ser democrático e defender arduamente a tal da “democracia” é um processo. Não pode ser mero discurso. Não dá pra falar de defesa dos povos indígenas e se aliar a latifundiários assassinos. Não dá pra falar que apoia os movimentos sem terra, sem teto e sem trabalho, se não faz reforma agrária, mas destina 150 bilhões para o agronegócio. Não dá pra falar da defesa do meio ambiente, se não faz uma política radical que modifique o cenário desolador de desmatamento da Amazônia e Cerrado.

Não dá pra pedir apoio aos movimentos sociais nesse momento, (tá difícil, né?) propondo lei anti-terrorismo que enquadra os mesmos movimentos sociais como terroristas. Não dá pra cortar verbas bilionárias da saúde e educação e continuar com esse slogan mentiroso de “pátria educadora”.

Palmas (TO) - Indígenas de diversas etnias interrompem as competições dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas em protesto contra a PEC 215 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Palmas (TO) – Indígenas de diversas etnias interrompem as competições dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas em protesto contra a PEC 215 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Volto a frisar, democracia é prática, é constante processo sem fim. Não existe limites para a democracia. Demo, que sugere a expressão “povo”, pode ser entendida também como todos aqueles que acordam bem cedo, tomam um transporte público bem precário, tem uma carga horária de trabalho superior a 40 horas semanais, possuem saneamento básico pífio e pouca iluminação pública em seus bairros. Recebem um salário minguado, mais achatado com as políticas de ajuste fiscal que a senhora está implementando.

Se for negro, a chance de ser morto por uma polícia fascista e cada vez mais assassina, dobra. É a esse “povo” que estou me referindo. São a esses que as políticas devem ser voltadas, se realmente sua preocupação for, em algum momento de sua vida, defender a “democracia”.

Agora, se suas políticas continuarem sob os auspícios de Katias Abreus e Joaquins Levys da vida, creio que sua luta é LEVIANA. Seu conceito de democracia é restrito, burguês, traiçoeiro. Portanto, posso te dizer que, buscar apoio das massas, agora, no momento “difícil” para sua carreira política e depois continuar penalizando essa mesma categoria tão sofrida nas feiras, nas ruas, nos hospitais e escolas, será um tremendo golpe, uma encenação, uma enganação.400_conflito_indios

Se quiser tomar uma café, sinta-se convidada. Posso te ouvir, talvez você precise ser ouvida, talvez você também precise escutar pessoas que estejam bem distantes desse nicho de poder e perpetuação desse; estou disposto ao diálogo, respeitoso, mas de igual para igual. Como Márcia Tiburi, eu também acredito que é possível dialogar, seja lá com quem for. Como Eliane Brum, estou cansado de me esconder de tanta asneira e burrice ostentada com fervor. Se espelhe nessas, e tantas outras mulheres guerreiras que lutam por um mundo melhor, humanize-se, desafie o que está posto como sendo imutável. Seja, de fato, coração valente e não apenas uma sombra de seu passado que não volta mais.

Utilize sua memória, o seu passado, a sua história, para lutar no presente por causas reais e para pessoas reais e projetar um mundo melhor para os brasileiros e brasileiras de hoje e para as próximas gerações.

One Reply to “Dilma está mesmo preocupada com Democracia?”

  1. Essa é a “esquerda” que a direita adora. Gente que escreve belos textos criticando a governabilidade, na hora em que deve-se dar apoio e garantir o mínimo que já foi possível. Claro que, depois de 1964, não há mais espaço histórico para alguém se enganar que está apostando em terceira via. O que se quer, atrás de belos argumentos, é se aliar ao que a direita tem de pior a oferecer. Obrigado, mas já estamos bem com os cabos Anselmos que a história nos deu até aqui.

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