Nesta segunda parte, vamos abordar os anos 70 e 80, em especial a partir de uma polêmica decisão tomada pela diretoria em meados dos Anos 70.

Em 1974, justamente uma decisão de samba marca profundamente a história da Portela. A direção da escola tomou uma atitude bastante polêmica e deu o samba de 1974 (enredo sobre Pixinguinha) para a composição que tinha como dois de seus compositores Evaldo Gouveia e Jair Amorim.

Gouveia e Amorim eram compositores consagrados de famosas canções cantadas por grandes nomes do rádio, porém não tinham nenhuma vivência de rodas de samba em escolas de samba, muito menos na Portela. O samba seguia uma linha diferente do que a escola apresentava e a direção foi acusada de dirigir a escolha mais como uma tentativa de popularizar a escola do que realmente pelos méritos dos concorrentes.

A insatisfação foi grande e, capitaneados por ninguém menos que Zé Kéti, vários compositores se afastaram da Portela. A pancada foi ainda mais forte quando, no fim de 1975, Candeia funda a histórica GRANES Quilombo, criando a primeira cisma na Portela – com um segundo desdobramento em 1978. Porém essa debandada de compositores abriu espaço para uma nova geração de brilhantes compositores.

Nessa renovação, ninguém se destacou mais do que David Correa (73, 75, 79, 80, 81, 82 e 2002). Ele já havia ganho seu primeiro samba na escola antes da crise, em 73, mas esse é o seu samba menos lembrado na agremiação. Sua fama começou a ficar grande em 1975, quando ao lado do bamba Norival Reis obteve sua segunda vitória. Com ele David emplacou seu primeiro sucesso e recebeu o primeiro Estandarte de Ouro da Portela (o prêmio só fora criado em 1972).

Aproveito esta menção a Norival para não esquecê-lo nesta retrospectiva. Ele foi um dos maiores compositores não só da Portela, mas do samba como um todo. Mesmo não “dominando uma era”, Norival Reis é autor de quatro sambas para a Portela (72, 75, 80 e 84) e todos eles são exaustivamente cantados na quadra até hoje, mesmo passado mais de 30 anos de sua última vitória.

Mas foi na virada da década que Correa escreveu de vez seu nome no panteão portelense. Entre 79 e 82 só deu ele na Rua Clara Nunes. Especialmente 79, 80 e 81 foram grandes composições que lhe renderam mais dois Estandartes de Ouro (79 e 81) e o vigésimo título da Portela em 80. Por um daqueles fatos indecifráveis, dessa tríade o samba de 79 foi totalmente esquecido pelos próprios portelenses, enquanto os outros dois são tocados na quadra exaustivamente atualmente.

Com a vitória de 82, Correa não só igualou o recorde de seis vitórias, mas quebrou o recorde de vitórias consecutivas na escola com esta quarta; recorde este que antes pertencia à dupla Candeia e Waldir 59. Depois David Correa saiu da Portela e ainda durante a década de 80 compôs outros sambas muito famosos para Vila Isabel e Salgueiro.

Muitos anos depois, David Correa voltaria à escola para ganhar seu sétimo samba-enredo na Portela para o desfile de 2002 (e finalista derrotado nos anos de 2001 e 2003) e assim se firmou como o grande recordista de vitórias da escola; posição essa que ele mantêm até hoje, mesmo que não mais isolado.

Esta sequência espetacular de Correa em conjunto com a ruptura ocorrida na escola com a criação da Tradição impediu que o talento autoral de João Nogueira desfilasse pela Portela. Assim João Nogueira entrou no mesmo grupo de Monarco, Agepê (acima, seu concorrente de 1973, derrotado por David) e o atual presidente Serginho Procópio: a de compositores consagrados que nunca ganharam samba-enredo na Portela.

No caso de João Nogueira não foi por falta de tentativa. Quem viveu a disputa de 1981 diz o que samba composto por ele para 81 era muito bom, só que David o desbancou com o que muitos consideram o melhor samba da estrelada história da Majestade.

Depois todos puderam perceber o talento de João Nogueira para o gênero nos sambas que a Tradição encomendou a ele e Paulo Cesar Pinheiro para levar à avenida.

Outros famosíssimos compositores até conseguiram romper a barreira da falta de vitórias, mas tiveram bem menos triunfos que seus currículos fazem supor: Casquinha (1959, junto com Candeia e Waldir 59), Zé Keti (1962), o já citado Paulinho da Viola (1966) Carlito Cavalcanti (1986), Juan Espanhol e Sylvio Paulo (ambos em 1990, apesar de que a principal escola de ambos foi o Arranco), Marquinhos de Oswaldo Cruz (2006), Cabana (1968 e 1972), Dedé da Portela (1977 e 1984) além da dupla já citada Evaldo Gouveia e Jair Amorim (1974 e 1978).

Voltando à cronologia, o segundo grande cisma portelense em 1984 não gerou a mesma debandada na Ala de Compositores que Zé Kéti e Candeia geraram, mas abriu espaço para o surgimento de outro compositor que marcou época: Carlinhos Madureira. Carlinhos ganhou cinco sambas em seis anos (87, 88, 89, 91 e 92). Desses cinco, destacam-se bastante os sambas de 87 e 91. Ambos foram agraciados com o Estandarte de Ouro e nos dias de hoje são cantados em quase todas as festividades. O samba de 91 inclusive praticamente se tornou o terceiro “hino não-oficial” da Portela nos últimos anos, após o incêndio do barracão em 2011.

O mais interessante é comprovar que se fosse hoje esse belíssimo samba seria triturado no início da disputa, pois ele só enfoca um dos setores do desfile – à época, a explicação dada pelos compositores foi de que “não existe triunfo maior para um vaidoso que se tornar o centro da conversa”. Tanto o estilo de Carlinhos ficou “datado” que ele continua participando todos os anos do concurso de samba-enredo da escola e não consegue sequer chegar às fases mais agudas.

Outro aspecto interessante deste pentacampeonato é que especialmente os sambas de 1988 e 1989 são muito mais feitos para embalar do que refinados em sua letra, o que vai contra toda a característica histórica da Portela.

Com este domínio, Carlinhos Madureira se posicionou em lugar privilegiado na lista de campeões portelenses. Nesta época ele estava isolado em quarto lugar com cinco sambas, tendo a sua frente apenas os seis sambas dos já lendários Candeia, Waldir 59 e David Correa. Hoje o quadro mudou um pouco, Carlinhos divide o sexto lugar com outros três compositores do século XXI.

Mas isso é tema para o artigo de amanhã, que fecha a série.