O cenário econômico brasileiro atual tem nos levado a muita discussões acaloradas. O tamanho da crise, do ajuste, dos aumentos, do desemprego, da corrupção e etc. etc.. Num momento em que o farto crédito secou e que o governo fechou as torneiras ao povo em geral eis que no fim do túnel o setor de bebidas frias conseguiu, a fórceps, arrancar do governo o que parece ser uma solução definitiva a um setor tão diverso entre suas empresas.

Desde os anos 90, quando esteve no controle da Receita Federal Everardo Maciel, os pequenos empresários reclamam a falta de justiça na arrecadação de tributos. Um sistema por pautas fixas foi criado com o objetivo de facilitar a fiscalização, mas em nenhum momento se preocupou com o peso das alíquotas no preço final dos produtos.

Se esse sistema fosse implantado dia 22 de abril de 1500 seria até discutível sua justiça. Mas diante de pesquisas de Market share em mãos, o governo acabou jogando com baralho marcado e carimbado. Obviamente os beneficiados foram os gigantes que, via lobby, fazem aprovar leis menores que deixam os recolhimentos bem mais suaves dos que a grande parte da população acredita.

Coca-Cola Post Strong EarningsControles sobre o gás carbônico, impostos na fonte sobre as pré-formas em PET e garrafas plásticas já foram utilizados pelo fisco como uma maneira de inibir àquilo que a Receita achava que escondia fortunas em impostos devidos e fraudados. Claro e óbvio que em todos esses estavam maneiras de creditar algum imposto que só alguns tem acesso. No caso das bebidas frias, funciona assim. Muitas regras são implementadas visando a fiscalização e o fim da evasão. Mas existem leis que permitem uma verdadeira sonegação oficial, que desequilibra o mercado e por consequência favorece apenas alguns.

Nos últimos anos algumas mudanças foram sendo implementadas depois de muitas reuniões nos escritórios de Brasília, muitas sessões de audiências públicas, fatos contados nos jornais, milhares de cafezinhos, viagens e etc… O pedido dos pequenos para que a regra fosse mais clara e baseada no preço, como noventa por cento da estrutura tributária do país foi passo a passo sendo atendida.

Desde 2009 a Receita Federal vem ensaiando o que começou no dia primeiro de maio. Inicialmente, baseada em pesquisas de preços, adotou pautas fixas por categoria. Depois por marca e com mínimos estabelecidos. O que nunca ficava claro eram as alíquotas e como os preços não eram balizados de uma forma lógica. Em determinada série histórica de pesquisas, geralmente uma marca A tem um balizamento certo em relação à marca líder e isso não muda. No máximo chega a 5 %. Em alguns casos, na Receita, em um ano era 20% no outro diminuía a 3%.

20141104_191803Não existia muita lógica nessas pesquisas que, aliás, são feitas com o patrocínio de entidades representativas apenas das gigantes do setor (Ambev, Coca, Petrópolis, Red Bull, Schin e etc..). Com o aumento do numero de Associações representativas o governo teve que sair do seu confortável divã e ao chegar na mesa de negociações, não teve muito que fazer – senão o óbvio.

O vexame seria se fosse o contrário: seria o ponto inicial de ser tudo ao contrário que quem diz que apoia o pequeno empreendedor, governo popular com viés à esquerda… E uma exposição na mídia da Receita Federal desnecessária que geraria grande desconforto nos corredores do Planalto.

Em primeiro de maio último finalmente o Brasil tem uma nova forma de tributar as bebidas frias. Baseada nos preços, com alíquotas definidas, créditos, incentivo a sabores da terra como guaraná e açaí, às frutas e deixando mais alto ao fabricante líder, americano que continua com benesses inacreditáveis em sua operação na Zona Franca de Manaus.

guarana-b1c65No primeiro momento e de forma deliberada a grande indústria fez vazar em suas mídias, grandes aumentos, possibilidades de perdas de receitas e diminuição do investimento. Com razão, já que os benefícios anteriores diminuíram. Mas assim que todos se estabilizarem o que era crítico passa a ser uma forma mecânica e mais justa de tributar, sem penalizar nem àquele que quer faz um produto Premium nem àquele que quer abocanhar o mercado mais popular.

É de se destacar que pela primeira vez as Cervejas Artesanais são destacadas nessa lei. Via Fisco, quando deveria ser via Inspeção Vegetal, o conceito do produto nobre vai ter alguns incentivos, com balizamento em produção e faturamento. Lei complementar será feita para um perfeito entendimento. Vale lembrar que pela primeira vez, provavelmente devido ao fim do mandato de 2014 e à forma como o Ministro Mantega foi defenestrado do poder, a área técnica do Ministério da Fazenda teve uma participação mais intensa do que a parte politica.

Outras medidas importantes para a indústria nacional entraram em vigor na mesma Medida Provisória, como um aumento importante sobre bebidas importadas e o rigor na fiscalização dos sistemas de produção que todas as indústrias têm que ter. Com ambiente fiscalizado e com evasão beirando o zero, coube ao ente público virar suas armas ao atacadista. Esse agora, comprando mais de setenta e cinco por cento de um produto apenas, foi alinhado à indústria e tem que recolher os mesmos tributos.

O grande problema disso tudo é que esse novo modo pode ter chegado tarde demais. Num ambiente viciado por indústrias com fluxo de caixa baixíssimo, investimentos lentos e parcos, maquinário obsoleto e uma concorrência voraz, esse sopro de justiça tende a ficar escanteado, já que ainda veremos por anos e anos perspectiva diferente a quem só quer “vender tributos” e àqueles que querem construir marcas e por consequência história.

20140623_122152Os primeiros relatórios desse ano mostram forte retração, desemprego em alta e endividamento pesado. Agora chegamos ao inverno, onde todas as indústrias deveriam estar recebendo maquinários novos rumo à melhor parte do ano a partir de setembro. E o que vemos? Créditos fechados e Indústrias de Maquinas paradas.

Nesse cenário ainda temos alguns produtos que insistem a ficar fora da curva como energéticos e néctares. Existe cada vez mais uma pulverização desses produtos, com infinidade de marcas, embalagens e sabores. Nesses dois segmentos o novo formato contribui para acabar com algumas marcas predatórias, que vem ao mercado somente por aventura e desequilibram uma forma sadia de comercialização.

Esse é o primeiro artigo sobre esse assunto. Daqui a dois meses voltarei a ele, já de posse de números oficiais sobre o recolhimento, a geração, a desoneração e a renuncia estatal que houve desde o dia 1. É complexo compreender, mas parece que temos finalmente uma opção mais justa.

P.S. – Não pense o leitor que as grandes corporações assistiram isso tudo de braços cruzados. Na promulgação da lei , apareceram artigos que no futuro, face a parágrafos importantes como “podem ser novas taxas ou podem vir a cobrar” podem causar forte retrocesso .

P.S.2 – Everardo Maciel , foi Secretário da Receita Federal , virou conselheiro da Ambev e do Instituto Etco.