Com dimensões continentais, nosso país apresenta grandes diferenças regionais. Não que isso seja uma novidade, mas em termos de tributação isso faz grande diferença no trato que existe nas relações comerciais interestaduais.

Há muitos anos o governo brasileiro estabeleceu grandes diferenças nos recolhimentos de impostos para os estados menos favorecidos da Federação. Áreas com incentivos fiscais foram criadas juntamente com Zonas de Exclusão, melhorando de forma significativa a balança da riqueza em nosso país que tem no sudeste grande desenvolvimento – notadamente em São Paulo.

Para o Amazonas e suas belezas naturais foi reservada a melhor fatia desse bolo. Jamais alguém pode questionar a justiça da existência da Zona Franca de Manaus. Que empresa empreenderia em um local tão particular no mundo, de acesso restrito, sem grande megalópole perto, com o respeito à biodiversidade local? Nenhuma, senhores.

Para que o dito milagre econômico se estendesse à Região Norte, no auge da ditadura ela foi criada. Dando uma simples olhada, é o paraíso. Abatimentos de impostos, somados a incentivos e créditos tributários que nenhuma região dá, despertam o interesse do poder econômico e a diferença da logística acaba compensando.

honda2Empresas de eletrônicos, de motocicletas e outros se mudam para o coração da floresta e o país passa a conviver com isso. É criada inclusive uma Zona Franca Comercial, perto da região portuária, mas que hoje vive combalida.

Cerca de 600 indústrias estão no Polo Industrial de Manaus, algumas delas entre as maiores do país. Foram para lá pela isenção total nos Impostos de Importação e Exportação, do IPI e do generoso desconto de 90% que o Governo Local dá no ICMS. A prefeitura colabora, como umas muitas partes do Brasil, com isenção de ICMS. Com infraestrutura de logística carente, muitos produtos lá produzidos e incentivados acabam perambulando pelo país dias e dias, deixando-os sem a devida competitividade que a isenção levaria.

E todos os setores envolvidos estão felizes com Manaus?

Não tem como.

De alguns anos para cá, munidos de decretos, leis, concessões e quilos de peripécias burocráticas, alguns setores fazem de Manaus seu paraíso tributário. Leis pouco entendíveis aos leigos e que deixariam embasbacados os cidadãos. As empresas se instalam por lá e vendem essas facilidades ao sul desenvolvido, desequilibrando de forma injusta a já tão combalida competição no Brasil.

Um exemplo crasso dessa inversão total do justo motivo que fez nascer a Zona Franca é o setor de bebidas. Várias empresas estão lá instaladas. Mas não se engane, caro, tudo é milimetricamente calculado para que a sanha do lucro seja explorada ao último milímetro.

Legalmente, uma empresa não pode se instalar em Manaus e vender para ela mesma em outra região (ela ou mesmo grupo). Pois bem, criam-se franquias. Com forte lobby em Brasília as empresas de refrigerante conseguiram algo que é inacreditável. Os créditos presumidos de PISs e COFINS a empresas de outros estados.

Explico: quando uma operação de venda de mil reais é feita, geralmente, por isenção, não se recolhe e nem se gera o imposto. Para os concentrados para Refrigerantes, além de nada pagar, a nota lhe dá direito a creditar os impostos, como em outras operações interestaduais. A diferença é que no resto do país isso gira em torno de 10 por cento e lá são 40. Isso fez com que empresas lá localizadas se transformassem em vendedoras de tributos apenas.

A renúncia fiscal de Pepsi e Coca são de mais de um bilhão de reais (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2705200702.htm­) e a quantidade de empregos é pífia. A Red Bull, que não tem fabrica alguma no mundo, cogita abrir uma unidade na América lá na Zona Franca, devido a essas peripécias tributárias.

onde-bebidaA remessa de lucros ao exterior via Zona Franca, também é isenta de impostos. A Coca-Cola, por exemplo, tem na Recofarma, sua empresa na região, sua grande geradora de lucros e tributos vendáveis e tem 150 empregados. O emprego, como se pode ver, acaba não sendo coluna central dessa operação. Algumas empresas de cerveja também abriram unidades para importação de insumos via ZFM e os números da renuncia ainda não são conclusivos.

Diante desse descalabro tributário, alguns estados brasileiros recentemente decidiram não aprovar os créditos oriundos do Amazonas. Esse desconto de 90% deveria ser considerado no crédito, o que levou a uma enxurrada de liminares e uma guerra judicial que não acabará tão cedo.

O problema disso tudo é que os entes envolvidos se negam a ver que Manaus causa um desequilíbrio econômico em alguns setores, especialmente no de bebidas. Foi votada na semana passada uma medida provisória, onde em um de seus artigos havia uma proposta de zerar todos esses créditos. Com apoio de PSD e PP, ou seja, o governo junto, pode ser que tenha algum futuro. Infelizmente quando se é para pensar de forma mais global o assunto acaba retrocedendo para um pensamento individual.

O que realmente eu gostaria de saber é o que o amazonense pensa disso. Ao invés do engano de ver ali oportunidades de trabalho, saber que o custo é dez, vinte vezes maior ao país todo.

Manaus é necessário… Mas devemos tratar a questão com a dignidade merecida… Em respeito ao brasileiro de lá e a diversidade que aquilo se impõe. Não pode ser um paraíso de barões capitalistas apenas interessados em lucros absurdos sem deixar a parte que o país precisa receber.

Mudar é preciso.

Imagens: Suframa e O Globo

One Reply to “O ‘Fator Manaus’ na Tributação”

  1. Perfeito, Emerson!! O lucro exorbitante que Pepsi e Coca-Cola ganham lá na Zona Franca é de envergonhar!!

    Infelizmente a renúncia fiscal e os incentivos só serviram, aqui no Brasil, pra isso mesmo: enriquecer uma meia-dúzia por aí!

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