Essa semana me foi pedido para escrever sobre o Carnavalia Sambacon, evento de negócios e debate sobre carnaval que ocorreu no fim de semana passado no Rio de Janeiro. Vou escrever sobre o que vi do evento e assuntos que palpitaram lá, mas vou deixar para a semana que vem porque o tempo não para e assuntos palpitam.

No dia em que escrevo morreu um cantor sertanejo chamado Cristiano Araújo. A morte sempre mexe demais com as pessoas. Curioso até porque as únicas certezas que temos na vida é que um dia vamos morrer e o Vasco perderá final para o Flamengo, mas temos essa relação com a morte e quando é de famoso chama a atenção de todos.

Cristiano Araújo era um jovem de 29 anos que explodia como cantor sertanejo e morreu em um acidente de carro. Coisa que choca demais pela idade, pelo momento do rapaz, mas infelizmente normal no meio musical onde artistas viajam por estradas de madrugada.

É triste, mas o que me chamou atenção a ponto de mudar a coluna de domingo foi o tratamento dado.

Sinceramente eu não conhecia o rapaz, nunca tinha ouvi falar nele, só uma música que eu conhecia e não suporto e assim como eu raríssimas são as pessoas do Rio de Janeiro que lhe conhecem. O Rio de Janeiro sempre teve uma resistência maior ao sertanejo, mas isso não quer dizer que tenha uma qualidade musical maior – já que adora pagode que na maioria das vezes é horrível. Isso é cultural.

O fato do Rio de Janeiro, local importante do Brasil, não conhecer o cantor já tira a nomenclatura de “ídolo nacional” dele, mas mesmo assim o tratamento dado foi como se um Roberto Carlos tivesse morrido. Nada contra o rapaz, evidente, que tem culpa de nada. Mas isso mostra como a mídia é hoje.

Para o jornalismo de hoje não importa quem morreu, o que importa é noticiar, gerar audiência e assim lucro. É estranho o momento que passa nosso jornalismo. Momento onde jornalistas dizem que só jornalista pode lhes criticar e responde a críticas com fotos de eventos e legenda com “aceita que dói menos” em vez de argumentos.

Responde da mesma forma que celebridades quando jornalistas lhe criticam. Hoje o jornalista se acha mais importante que a notícia; mas não é esse o assunto, fica para outro dia.

Que a Rede TV, Band e Record explorariam o morto ao máximo não havia dúvidas, fazem isso sempre. Exploraram em tudo que podiam a tragédia em busca de audiência. O que não se esperava é que a poderosa Rede Globo fizesse isso.

A Globo percebeu a audiência crescente das rivais tocando no assunto e decidiu ter o seu dia de “Rede TV”. Só que ela não sabe ser assim, não é acostumada e não tem a mínima ideia de quem era o rapaz. O que ficou provado ao longo do dia.

A Globo é carioca como a gente. Não se esqueçam.

ABr031013ABr230913FOTO01Começou com o erro de Fátima Bernardes chamando o Cristiano Araújo de Cristiano Ronaldo. Logo apareceu a tropa querendo defender dizendo que fazer ao vivo é difícil. Evidente que é, mas ela errou porque não conhecia e se conhecia nunca lhe achou relevante. Ela nunca confundiria Zezé di Camargo com Cabeleira do Zezé, por exemplo.

Ao longo da transmissão a Globo foi tentando. Fez todo o roteiro de deixar Sonia Abrão orgulhosa. Entrevistou ao vivo a mãe da namorada morta, mostrou imagens de arquivo do rapaz em programas da emissora, entrevistou especialistas em acidentes, artistas sertanejos, tudo bonitinho..

Bonitinho e ordinário porque tem nada a ver com a Globo. Não é sua linha, soa falso. Leva compositor de um dos sucessos do garoto para cantar no estúdio e depois que ele canta diz que exibirá VT com ele cantando a mesma música. Bota o VT e é outra completamente diferente mostrando que entendem nada do repertório dele. Os apresentadores do Vídeo Show mostram desconforto e surpresa com a popularidade do rapaz, nem disfarçam. Não é o famoso “Padrão Globo de qualidade”.

Não que a Globo não gostasse antes de apelar para a emoção da morte e mudasse em sua grade para isso. Fez com Tancredo Neves e Ayrton Senna, mas comparem. Com todo o respeito eram nomes nacionais, históricos, não um garoto que começava carreira. Claramente a emissora apelou e mexeu em sua rígida grade querendo audiência.

Essa é a Globo de hoje. Lembro que no tempo do Boni o Roberto Marinho morreu e só ocorreu uma menção no jogo de futebol que ocorria, nada de mudança na grade. As coisas mudaram, o padrão diminuiu.

Sou a favor da informação, evidente que o caso pedia isso, mas contra o show da morte, contra a espetacularização, contra a exploração da dor alheia. Por atrás de um famoso morto que dá audiência e dinheiro tem um ser humano, tem amigos, família, tem dor.

Elevaram um jovem conhecido em partes do Brasil a ídolo nacional para sugar, explorar ao máximo a tragédia e ganhar holofotes. Isso vale para a Globo que tentou surfar na onda do sensacionalismo e para as emissoras e programas que fazem da dor seus ganha pão seja com mortes, barracos, baixarias, subcelebridades ou armações.

Está tudo errado nesse país. Os atos e a forma como esses atos são veiculados. A imprensa, a mídia é sim causa também do momento que passamos. Uns exploram dor, outros exploram fé e assim segue o Brasil que já nasceu explorado em seu pau brasil e parece que pra sempre será.

Na ânsia do show da morte anunciam até morte de forma errada. Antes de ir ao ar essa coluna tive que colocar o adendo da falsa morte de Tônia Carrero. Redes sociais espalharam o boato, infelizmente normal no dia de hoje, mas na sede da audiência sites foram atrás e embarcaram. Isso acontece quando a notícia deixa de ser informação e vira entretenimento.

Que o menino descanse em paz e Tônia viva muito enquanto a ética perece a olhos vistos em busca de IBOPE.

Até descobrirmos que estamos todos mortos.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

7 Replies to “O show da morte”

    1. Mas o Rio faz parte do Brasil e quando em um estado da federação uma pessoa não é conhecida não é ídolo nacional

      1. Exato, essa postura de “se o Rio não conhece, não conta” (ou “não é nacional”) é bem característica do velho Brasil. Vale pra SP tb.

        Esse era, inclusive, um dos motivos da incompreensão de muitos em grandes centros sobre a reeleição de Lula e Dilma. É o desconhecimento do Brasil — que é muito maior que Rios e São Paulos.

        1. Tem nada a ver uma coisa com a outra. Cartola é mito aqui, mas não devem lhe conhecer no interior do Nordeste então não é ídolo nacional

    2. Eu entendi a posição do Aloisio – embora muitos cariocas pensem assim mesmo, de que o Rio de Janeiro é o centro do universo.

      Simplesmente inaceitável a postura da mídia diante da morte de um cantor que estava ainda começando a ter dimensão nacional!

  1. “Momento onde jornalistas dizem que só jornalista pode lhes criticar e responde a críticas com fotos de eventos e legenda com “aceita que dói menos” em vez de argumentos”.

    Manda isso pro Neto e pro Renato Maurício Prado lerem!! Ou para uma certa webrádio daqui do estado de SP, de nome “Rede Contínua”. Ou para o pessoal da Jovem Pan! Não faltam exemplos para ilustrar a podridão que a amada profissão que eu escolhi seguir se encontra.

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