Dando sequência a série sobre conceitos econômicos iniciada com o artigo “Como os juros conseguem conter a inflação?“, onde procurei mostrar os canais de transmissão da política monetária e como uma elevação na taxa Selic pode ter efeito sobre a inflação, meu plano era o de, neste segundo tópico, desenvolver as limitações desses canais, apresentando as restrições que afetam sua eficácia e que podem comprometer o resultado esperado.

No entanto, por causa de alguns feedbacks recebidos, antes de escrever sobre tal abordagem, irei explorar mais a inflação em si, pois para combatê-la é necessário entender suas causas.

Definição e Mensuração

Inflação é uma alta generalizada e persistente no nível geral de preços. Já se essa variação for negativa, a ela se dá o nome de deflação, que talvez seja ainda pior para a vida das pessoas, mas como está mais longe de nossa realidade não será abordada aqui. Vale registrar que a oscilação de preços precisa ser observada por períodos e não em pontos específicos.  Afinal, não se trata de um fenômeno sazonal ou ocasional, mas de uma situação de continuidade.

A inflação é medida por índices de preços, que são baseados em estimativas estatísticas e, portanto, não são precisos. Porém, mesmo sujeito a erros esses índices são a forma mais apropriada conhecida até o momento de se mensurar a dinâmica de um conjunto de preços e, para terem credibilidade, precisam usar uma metodologia internacionalmente aceita.

No Brasil, o principal órgão de estatística é governamental. Trata-se do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Além dele, também divulgam índices a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Fundação do instituto de Pesquisa Econômica da USP (FIPE), entre outras entidades.

Cada índice de preços irá medir a variação de uma determinada cestas de produtos, ou seja, cada um tem uma finalidade diferente. Há vários elementos que provocam diferenças entre os resultados divulgados, tais como: região onde foi mensurado, faixa de renda observada, tipos de produto na cesta, metodologia de cálculo, periodicidade de coleta, etc.

O gráfico abaixo mostra a inflação medida, neste milênio, por diferentes índices de preços. Observem que em alguns períodos há variações grandes entre eles.

indices de preços grafico desde 2000Os principais índices utilizados no Brasil são: IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IBGE), INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IBGE), IGP – Índice Geral de Preços (FGV), IPA – Índice de Preços ao Produtor Amplo (FGV), INCC – Índice Nacional do Custo da Construção) , IPC – Índice de Preços ao Consumidor (FGV) e IPC-Fipe – Índice de Preços ao Consumidor em SP (FIPE/USP).

Segue uma tabela mostrando suas principais características:

indices de preços Do ponto de vista da política monetária, o mais importante é o IPCA, já que é o índice de referência para a política de metas de inflação no Brasil. O INPC costuma ser utilizado como base para dissídios salariais, já que mede a inflação para quem está na faixa de até 5 salários mínimos. Já o IGP é bastante comum em correções contratuais.

Consequências

A inflação precisa ser combatida pelos governos porque desvaloriza a moeda do país, deteriora o poder de compra, traz incertezas em relação ao futuro, desestimula investimentos, gera um clima econômico desfavorável, aumenta a especulação financeira, eleva a taxa de juros, concentra a renda e dificulta o planejamento de políticas voltadas para o bem-estar da população.

Com tantas desvantagens,  o governo não pode descuidar no combate à inflação. Por essa razão, o Plano Real foi de enorme importância para o Brasil. Sem a preservação da moeda não teria sido possível melhorar o padrão de vida da população. A estabilidade de preços é condição básica para que se possa haver crescimento autossustentado. Como podem observar no gráfico abaixo, os planos econômicos anteriores, que em geral se baseavam em congelamento de preços, tiveram todos uma eficácia de curtíssima duração.


Vale destacar que não é preciso perseguir uma inflação igual a zero.  Um pouco de inflação é necessária para permitir o crescimento de um país. No Brasil, por exemplo, desde 1999, o Conselho Monetário Nacional fixa uma meta para a inflação. Atualmente é de 4,5% a.a com uma tolerância de 2 pontos percentuais para baixo ou para cima (de 2,5% até 6,5%).  O Banco Central precisa atuar de forma a garantir que a inflação fique dentro desse intervalo (não pode ficar abaixo), preferencialmente próxima ao centro da meta (4,5%).

Causas

A inflação é originada por duas macrocausas (que podem ser combinadas):

  1. Nível da Atividade Econômica (Inflação de Demanda) – ocorre quando a oferta não acompanha o crescimento da demanda. Se a capacidade produtiva da economia é baixa, o crescimento do PIB irá gerar pressões inflacionárias, ou seja, com muito mais gente querendo comprar do que disponibilidade para vender, os preços serão reajustados para cima. Está relacionada à baixa ociosidade dos fatores de produção (ex: baixo desemprego, baixa produtividade, infraestrutura precária, baixa taxa de investimento na indústria).
    É em relação a esse tipo de inflação que o aumento dos juros (abordado no artigo Como os juros conseguem conter a inflação?“) terá uma maior eficácia.
    No caso do Brasil atual, a inflação de demanda foi motivada pela baixa taxa de desemprego e pelo acesso de mais de 30 milhões de pessoas a bens e serviços que não tinham antes. Com isso o país cresceu (que bom!)  e, nos últimos anos, por uma série de razões que podemos explorar em outros artigos, a oferta agregada (oferta total da economia) não acompanhou a demanda agregada (demanda total da economia por bens e serviços).
    Evidentemente, que o objetivo não deve ser piorar a vida das pessoas, criar recessão, inibir o crescimento do país ou a distribuição da renda.  Não é isso que estou defendendo. O problema não foi o crescimento da demanda, mas o fato da oferta não acompanhar esse crescimento. Porém, isso é assunto para um artigo inteiro. Aqui vale apenas o destaque de que a demanda, nos últimos anos, cresceu mais do que a oferta.
  2. Evolução dos Custos de Produção (Inflação de Oferta) – gerada por um choque nos custos, seja por fatores domésticos ou internacionais. Está relacionada às mudanças nas condições de produção, fazendo com que os preços sejam majorados pela elevação dos custos (ex: preço de commodities, taxa de câmbio, insumos básicos como petróleo, energia, transporte, etc)
    No caso brasileiro, tivemos uma grande desvalorização cambial (a alta do dólar americano encareceu insumos, tendo maior impacto em 2012 e 2013), um aumento no preço de alimentos e serviços, uma alta de salários sem contrapartida em produtividade e, a partir de 2014, a elevação de preços administrados que estavam congelados (“realismo tarifário”).

Além dessas, há ainda duas outras explicações para a inflação:

  • Expectativas Inflacionárias – como já visto no artigo “Como os juros conseguem conter a inflação? a expectativa de inflação futura gera inflação no presente, pois os agentes econômicos ajustam seus preços para se proteger da alta esperada.
    No Brasil, a expectativa de inflação, que já é naturalmente excessiva por conta de nossa memória em relação ao passado recente, foi ampliada pela inércia do governo ao não deixar claro que o combate à inflação era prioridade e pelo congelamento de preços administrados (pois inflação represada cria uma perspectiva de um aumento ainda maior dos preços no futuro).
  • Indexação da Economia – gerada pela inércia inflacionária, que pode ser formal ou informal. É a inflação passada sendo replicada aos preços no presente. Quanto maior o grau de indexação na economia, menos eficazes serão os efeitos da política monetária. No Brasil temos reajustes pactuados por inflações passadas em dissídios coletivos, no aumento do salário mínimo, em contratos, nas mensalidades de serviços (planos de saúde, escolas, etc), em preços administrados (energia, transporte, etc). Mais de 10% do IPCA é motivado por uma economia indexada. Desta forma, os choques de custo (inflação de oferta) tendem a se perpetuar por um período mais longo.

ipoca ultimo ano por subsistemaO gráfico acima mostra a inflação no período recente, calculada pela variação do IPCA (indicador que define a meta de inflação a ser perseguida pelo governo), nos seus diferentes subsistemas (tipo de bens). Como se pode constatar, a inflação de serviços é a que mais nos afetou no período mais recente. Trata-se de um fato importante e que poderemos explorar em artigos próximos.

Já a tabela abaixo aponta a decomposição do IPCA e se verifica que os preços administrados tiveram um pequeno impacto em 2013 e uma contribuição maior para a inflação em 2014 (e devem continuar a ter em 2015). Nos choques de oferta, em 2012 houve uma significativa elevação dos produtos agrícolas por conta de fatores climáticos, que voltaram a contribuir, em menor grau, no peso da inflação no ano passado. Um fato curioso é a pequena participação negativa da variação cambial em um ano de grande desvalorização do real. Isso demonstra que o preço dos insumos foi pouco repassado ao consumidor final, bem menos do que nos anos de 2012 e 2013. Talvez já por conta do baixo crescimento.

decomposição da inflaçãoEm 2015, com uma economia menos aquecida, a pressão na demanda diminuiu e a inflação de serviços já vem cedendo. As expectativas continuam altas, mas podem ser freadas pela mudança na política econômica. Os problemas continuam sendo o efeito prolongado da indexação e a inflação de oferta (o realismo tarifário e a alta do dólar em 2014 ainda podem ter relevância na marcação de preços). Vamos acompanhar…

Dependendo dos feedbacks, podemos voltar a abordar os juros ou desenvolver mais o tema inflação.

Comente, opine… sua participação guiará esta série.

“A inflação é a única forma de taxação que pode ser imposta sem necessidade de uma legislação” (Milton Friedman)

Imagem de Capa: O Globo

4 Replies to “A Inflação”

  1. Parabém Jorge, pela clareza do artigo. Sou leitor de todos os seus artigos e fã de sua inteligência.

    1. Como conversamos, até eu entendi…. Sobretudo li com interesse, até o final (você sabe, que o assunto é árduo, para mim) Mil parabéns.

  2. Artigo muito bem vindo. Quem já sofreu com a inflação sabe a importância de entender, combater e ataca-la na sua origem.

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