Em 2013, pela primeira vez desde o movimento a favor do impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, o povo brasileiro foi em grande número às ruas de todo o país mostrar o seu descontentamento com a situação do país. O que começou como um protesto contra o aumento das passagens de ônibus em algumas cidades brasileiras se tornou um grande movimento que mostrou uma até então desconhecida consciência política no brasileiro.

Àquela época, o Brasil já não vivia a euforia econômica dos tempos do Presidente Lula. Dilma já encarava índices de aprovação bastante inferiores ao de seu antecessor e a economia começava a patinar. Ainda assim, não foi Dilma o grande alvo das manifestações. Os brasileiros foram as ruas “contra tudo” e não contra o PT. Por sinal, o movimento sempre fez questão de se mostrar como “apartidário” e, portanto, a priori mais preocupado em melhorar o Brasil que em tirar algum proveito político da situação. Por isso, os principais alvos foram mais abstratos: “os políticos”, “os corruptos”, “a Copa do Mundo”, etc.

É claro que Dilma e o PT, na condição de Presidente e partido da Presidente, foram alvos. Só não eram o alvo principal. Cerca de dois anos depois, mais uma vez o Brasil apresenta uma grande mobilização política, mas agora com um alvo claro e certeiro: é contra a Dilma, é contra o PT. É pelo impeachment. Sem rodeios, sem discursos muito rebuscados e carregados de ideologia. Pode até continuar sendo apartidário, mas agora um apartidário que pode ser tudo, menos PT.

Lula e Dilma enforcadosSe olharmos o país de hoje e compararmos com aquele de 2013, vamos ver um país um tanto mais pessimista, com uma economia um pouco mais capenga, mas que não piorou o suficiente para justificar tão brusca mudança de comportamento dos manifestantes. O escândalo da Petrobras poderia ser citado como um fator importante de impulsão, e de fato o é, mas não explica por completo. Afinal de contas, o mesmo PT se envolveu em um grande escândalo de corrupção em 2005, o Mensalão, e não houve nem sequer parecida resposta popular.

O Brasil, em momentos piores, teve Presidentes com aprovação superior aos 13% hoje mostrados por Dilma. Ainda mais se lembrarmos que não tem seis meses que esse mesmo eleitorado deu a Presidente a oportunidade de seguir no poder por mais quatro anos. O direito à manifestação é absolutamente legítimo e não cabe nem a mim, nem a ninguém questionar a validade dos protestos.

Por outro lado, não é uma característica do Brasil estar tão impaciente e intolerante com um político como o povo está, hoje, com Dilma. Há quem mencione novamente Collor, mas, além da absoluta euforia provocada pela sua Eleição (grandes expectativas, grandes decepções, grandes reações), havia, em seus escândalos de corrupção, benefício direto e constatado. Para quem pouco é mencionada na Lava-Jato, Dilma recebe reação mais severa que o habitual.

imagens-protesto8A explicação para isso pode estar justamente em sua reeleição. Peço licença ao leitor para repetir uma frase que usei em minha última coluna: não se ganha uma guerra sem perder alguns soldados. Quando Aécio Neves surpreendeu Marina Silva e foi para o segundo turno praticamente empatado com a Presidente, o PT foi obrigado a usar de uma estratégia que é, acertadamente, reservada pelos marqueteiros a casos extremos. O PT foi para o enfrentamento. Dividiu o país ao meio entre eleitores do PT e eleitores do PSDB. A campanha do PT subiu o tom nas críticas, criou um terrorismo em torno da imagem de Aécio e de nomes como Armínio Fraga; e criou um debate acirrado não só entre os dois candidatos, mas entre os eleitores.

O baixo nível das conversas entre Dilma e Aécio em rede nacional era visto nas ruas entre os eleitores. Para poder “ganhar” a discussão ou ao menos defender minimamente a sua escolha, as pessoas passaram a repetir mentiras e distorções propagadas pelos candidatos e, em tempos de redes sociais, por outros eleitores. Uma boataria generalizada.

Em suma, tanto PT quanto PSDB optaram por um caminho mais fácil: ao invés de chamar voto para seus candidatos, estimularam o não-voto no adversário. Ou seja: o PT estimulou os eleitores a não votarem em Aécio e o PSDB a não votar em Dilma. Eis aí a tal guerra que o PT venceu por pouco mais de dois milhões de votos.

Só que o candidato derrotado naquela Eleição teria uma vantagem enorme em relação ao vencedor: não precisaria enfrentar a metade do país que não ficou do seu lado. No caso, Dilma teria que enfrentar a metade dos eleitores que optou por Aécio e que, em sua grande maioria, comprou ou vendeu um discurso fortíssimo anti-PT (se comprou, com ele ficou; se vendeu, com ele já estava). E mais: ainda havia os brancos e nulos. E ainda os que simplesmente não votaram em Aécio e unicamente por isso ficaram simpáticos a Dilma. Uma simpatia frágil, que não resistiria a deslizes quando não houvesse um adversário. Para grande parte da população brasileira, situação e oposição são coisas do período eleitoral. Quando Aécio “morreu”, a conversa ficou entre o PT e o eleitor. Ele, que dizia o Governo ser “ótimo” pura e simplesmente para sustentar seu voto, agora, sem precisar sustentar mais nada, diz que é “péssimo”.

9v42dtwuo43ydhfi1klqdd0owClaro que algumas medidas de Dilma e a completa perda do controle do Governo colaboraram, mas a queda de avaliação é muito brusca e tem sim relação com a guerra criada pelo próprio PT. Quem já era contra, ficou mais ainda. Quem não era, passou a ser. Quando leio que os manifestantes são golpistas da elite que odeiam o PT, dou risada. Isso mostraria um grau de entendimento político muito além do que o brasileiro médio dispõe.

Sim, os manifestantes odeiam o PT, mas não por avanços sociais ou por ser dos trabalhadores. Odeia porque está descontente com o Governo. E muitos deles votaram no PT porque odeiam o PSDB, ainda como reflexo do segundo mandato de FHC. Como eu já disse, Dilma venceu em 2014 na base do voto de confiança. Ela ficaria na corda bamba por quatro anos e já está “mais pra lá do que pra cá” em 100 dias.

12abr2015---manifestantes-participam-do-protesto-pelo-impeachment-da-presidente-dilma-rousseff-neste-domingo-12-em-maceio-al-1428864092492_956x500Outra coisa que eu também sempre digo, mas que talvez nunca tenha escrito aqui, é que o Brasil é um país de ignorantes políticos. Mas não é a ignorância tão falada e comentada do pobre analfabeto que vota em quem lhe dá uma dentadura. É dele, mas também do jovem de classe média que nunca pisou numa biblioteca e forma seu conhecimento político a partir de correntes de Facebook e Whatsapp. É da elite tão alheia à política (já que sua condição social lhe permite estar totalmente despreocupada) que repete absurdos que levariam qualquer um com conhecimentos básicos de história e geopolítica rolar de rir. De maneiras diferentes, somos todos, independente de classe, ignorantes políticos.

E isso não vem de hoje. No Brasil, é muito comum em todas as épocas ver políticos sofrendo com boatos cuidadosamente espalhados para que certos objetivos fossem atingidos. O povo que repete nem sabe, mas a origem do boato é sempre muito consciente. Vale tudo para estar certo. É isso, mais que qualquer ódio irracional ao PT ou aos mais pobres, que explica a pesquisa feita pela USP nas manifestações. A grande maioria diz acreditar que o filho do Lula é dono da Friboi (isso nem precisa de pesquisa para ser constatado), que o PT tem uma parceria com o PCC e que o Foro de São Paulo quer criar uma ditadura por aqui. Até no absurdo de que Dilma trouxe 50 mil haitianos ao país para que todos votassem nela eles dizem acreditar.

Aí eu pergunto: será que acreditam mesmo?

Podem até acreditar, mas não pela verossimilhança do texto espalhado no Facebook ou por provas concretas que tenham sido criadas. É pura e simplesmente para reforçar o pensamento de que Dilma não pode continuar no cargo. E ainda piora um pouquinho: esse sentimento cria a associação básica “foi o PT quem fez, sou contra”. É daí que surgem os dados que o PT mais queria para manter o discurso de que a elite está contra o PT porque o PT é o povo. Ler que a maioria dos manifestantes em Belo Horizonte é contra as cotas, contra os direitos das empregadas domésticas e dos negros, homossexuais, etc é assustador. Mas – não sei se isso alivia um pouco ou piora mais o quadro -, em grande parte, não é verdade. É só mais um argumento contra o PT.

Essa situação toda é triste demais. O Brasil está cego, ignorante, não pensa. Não há espaço para reflexão, o que vale é estar certo. Quando o PSDB voltar ao poder, esses mesmos espalharão mentiras contra Aécio e farão do PT ou de qualquer outro partido a salvação. O resultado é óbvio. Nunca avançaremos. Mudarão as plataformas, mudarão os boatos, mas o pensamento será sempre o mesmo. De vez em quando sairemos da internet e iremos à rua para mostrar toda a nossa revolta e toda nossa ignorância.

[N.do.E.: como os leitores podem ver pelas imagens que ilustram o artigo, me espantou a grosseria dos manifestantes. PM]

Imagens: Veja, iG e Uol

12 Replies to “O PT e a “Revolta da Ignorância””

  1. Boa análise do momento político brasileiro. Só adicionaria uma coisa.

    O PT, na corrida eleitoral, vendeu nas suas campanhas que o país era uma Noruega, uma Alemanha, que não tinha nenhum problema, que tudo estava em ordem e que não haveria nenhuma crise econômica.

    O eleitor mais informado, já sabia naquela época que tudo isso era mentira, e tratava-se de jogada “brilhante” dos famosos marketeiros petistas.

    Mas o ignorante político que você comentou a respeito, realmente acho que esse país era uma Dinamarca, coitado.

    Ora, o cara por mais ignorante que seja, ainda assim consegue fazer uma mínima análise e constata que a país que o PT vendia em 2014, não é o mesmo país que vive em 2015.

    Essa constatação da mentira, sem sombra de duvidas, é outro fator que influencia e muito na grande imagem negativa que o PT adquiriu nos últimos meses (até mesmo no seu berço eleitoral).

    1. Também é um outro fator importante. Pela primeira vez o PT estava entregando ao final de um mandato um país pior do que no início do mesmo.

      1. Seria algo, para os que votaram na Dilma, como “olha, a gente vai votar em você porque ainda confiamos em você, então vê se faz as coisas direito”.

        Não fez e o resultado é esse…

    2. A mesma mentira que o Geraldo Alckmin vendeu em São Paulo: “A saúde é perfeita”, “não existe racionamento”, “as obras do Metrô e do Rodoanel seguem à toda”, “não existe corrupção no Metrô”… chegando ao cúmulo do “não há greve de professor coisa nenhuma”.

      O resultado também podemos ver em escala estadual. A diferença é que ninguém divulga.

  2. O *povo* não está intolerante com a Dilma. Quem sai às ruas e demostra essa intolerância é uma parcela de quem não votou nela, representando esse segmento anti-PT.

    Grande parte dos eleitores da Dilma está sim decepcionada, sobretudo pq ela MENTIU na campanha. Acusou o adversário de tramar coisas que ela mesma passou a fazer, depois de reeleita. Ela vendeu uma imagem de país em franca ascensão, vendeu a ideia de que o Aécio estancaria isso com ajustes — e ela mesma está comandando uma recessão pesada para o tal ajuste. Ajuste em função da má gestão anterior — dela mesma.

    Aliás, acho que a grande marca da Dilma é a má gestão. A Petrobras foi devastada muito mais pela gestão ruim do que por corrupção. A economia vai sofrer neste ano (pelo menos!) o resultado da péssima gestão dos anos anteriores.

  3. “Sim, os manifestantes odeiam o PT, mas não por avanços sociais ou por ser dos trabalhadores. Odeia porque está descontente com o Governo. E muitos deles votaram no PT porque odeiam o PSDB, ainda como reflexo do segundo mandato de FHC”.

    O resumo da situação no país. Posso ser ufanista, mas PSDB e PT terão sérios problemas em 2018!!

  4. Texto PERFEITO, realista, verdadeiro sem amenizar em nada as irracionais justificativas daquela idiota ilusão de luta do BEM vs MAL. Em pleno 2015, acreditar em bilateralidade chega a ser pueril forçadamente.

    Li um adjetivo perfeito para os que insistem em afirmativas não fundamentadas ou nada estudadas: DESONESTOS INTELECTUAIS.

    Parabéns pelo profundo e didático texto! Ganhou um fã.

    Abcs

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