Estou para escrever sobre o assunto desde o início da semana, mas é aquilo que os leitores sabem: preciso ganhar o pão de cada dia em outro segmento, então nem sempre temos tempo de escrever com a celeridade que o assunto exige.

Mas na semana passada a grande notícia no carnaval carioca foi a passagem – ainda não sabemos se definitiva – dos grupos inferiores das escolas de samba cariocas (que desfilam na Avenida Intendente Magalhães, no bairro de Campinho, Zona Norte) para a Lierj, que já organiza a Série A na Marquês de Sapucaí.

Com isso, houve algumas mudanças: a Série B (“terceira divisão”), ainda que com 18 escolas, desfila na terça feira de carnaval. A Série C passa para a segunda e a Série D desfilará no domingo. Existe a intenção de levar a Série B para a Marquês de Sapucaí em 2016, mas vai depender dos arranjos entre as entidades e entre estas e o Poder Público após este carnaval de 2015.

Entretanto, o que parece ter passado despercebido tanto na grande imprensa como nos próprios órgãos é o fim (ao menos prático) daquela que na história é a principal entidade organizadora dos desfiles das escolas de samba: a Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.

A Aescrj foi fundada em 5 de março de 1952, como fusão das duas entidades que existiam anteriormente – com desfiles separados entre 1949 e 1951: a UGESB (União Geral das Escolas de Samba do Brasil), fundada em 1934 e primeira entidade do gênero no Rio de Janeiro.

urlE a FBES – Federação Brasileira das Escolas de Samba – fundada por incentivo de setores políticos conservadores em janeiro de 1947, após a aproximação da UGESB – anteriormente, UGES – com o partido Comunista Brasileiro. Originalmente não tinha muita força, mas minou o poder da UGESB quando passou a ser a única entidade a receber subvenção do poder público para os desfiles de 1948.

Além disso, em um segundo momento – a partir de 1949 – já com o PCB proscrito, Portela e Mangueira se refiliaram à UGESB como uma resposta ao domínio então exercido pelo nascente Império Serrano na FBES. Tanto que os carnavais de 1949 a 1951 tem dois campeões reconhecidos, um por cada entidade.

Em 1952 o desfile foi unificado, mas não houve julgamento devido à chuva que fez com que integrantes da então Comissão Julgadora deixassem seus postos. E, logo após este carnaval, a Aescrj foi fundada para reunificar de forma oficial os desfiles.

Nas décadas de 50, 60 e 70 a Aescrj teve um papel muito importante na consolidação das escolas de samba como a (talvez) manifestação carnavalesca mais importante do Rio de Janeiro. Na década de 70 o trabalho de seu presidente Amaury Jório – falecido precocemente em 1980, aos 54 anos – elevou o status da Aescrj a partir de iniciativas como a obtenção do direito de arena do televisionamento do desfile das escolas de samba e a construção de uma sede própria, no bairro do Méier.

foto5A perda de importância da entidade começaria em 1984 (último desfile do grupo principal organizado pela entidade), quando alguns presidentes de escolas, descontentes e vislumbrando maiores possibilidades de ganhos com o recém inaugurado Sambódromo, fundaram a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba). A Aescrj passou a ser responsável apenas pelos desfiles dos grupos de Acesso.

Em 1995, insatisfeitas com os seguidos resultados contestados, foi criada a Liesga, de vida curta – um ano.

O segundo grande golpe, entretanto, veio em 2008 com a criação da Lesga, primeiro para administrar o Acesso A e, posteriormente, o Acesso B, tirando a Aescrj do principal palco dos desfiles cariocas.

O irônico é que a Lesga foi criada como resposta aos seguidos problemas e suspeitas de manipulação de resultados ocorridos em resultados no Acesso A – contamos algumas destas histórias na série “Trinta Atos” – mas encerrou suas atividades com a incrível marca de quatro campeãs injustas em quatro anos de existência. E com pelo menos duas delas com suspeitas fortíssimas de irregularidades: 2011 com 14 jurados preenchendo os mapas de escrutínio com exatamente a mesma letra e 2012, onde não somente seis meses antes do desfile já dizia quem seria a campeã como o vazamento do resultado na terça feira de carnaval. Fecha o parêntese.

Nos últimos anos a Aescrj, cuidando dos desfiles dos grupos inferiores, vinha ensaiando uma recuperação em sua credibilidade, com julgamentos considerados bastante justos em 2011 e 2012 – aliás, eu mesmo fui convidado para fazer parte do quadro de julgadores nestes dois anos, declinando o convite.

Entretanto, uma polêmica medida de enxugamento do número de escolas aplicada – escrevi sobre o assunto à época – levou a uma rebelião por parte de algumas escolas, o que levou à anulação das eleições anteriores e a entrada de uma nova diretoria.

IntendenteO que houve: os resultados tanto em 2013 como em 2014 voltaram a ser muito contestados por quem acompanha mais de perto estes grupos e pela imprensa especializada. Em 2013 chegou-se ao cúmulo de todas as escolas de todos estes grupos levarem 10 em samba enredo, para o leitor ter uma ideia.

Entre 2013 e 2014 tentou-se retirar o presidente da entidade Moisés Fernandes, mas o pedido de impeachment não obteve os votos necessários para aprovação. Perto do carnaval 2014 Fernandes sofreu um atentado a tiros e foi substituído por seu vice, que naquele momento representava uma corrente de oposição.

Fernandes retornou em maio e alterou tudo o que havia sido determinado após o carnaval, impondo uma série de medidas controversas como anular rebaixamentos, dividir o Grupo B em dois dias, criar um grupo E anulando o rebaixamento a blocos de enredo e alterando dias de desfile.

Não acordadas estas mudanças com o poder público, representado pela Riotur, gerou-se um impasse: a entidade não repassava a subvenção por exigir o cumprimento do determinado anteriormente, enquanto que a diretoria atual da entidade exigia que se mantivessem as alterações.

Como resultado e para poder receber os repasses de recursos, as escolas destes grupos se desfiliaram da Aescrj e se filiaram à Lierj, que pelo menos em 2015 organiza estes desfiles.

presidenteaesc298Com isso a Aescrj não irá representar nenhuma escola de samba do Rio de Janeiro nem organiza qualquer desfile na cidade, tornando-se, pelo menos por enquanto, algo sem razão de existir. Uma entidade fantasma.

Deve-se lamentar o fim desta forma de uma entidade que tanto contribuiu às escolas de samba cariocas, mas é um retrato e uma consequência, a meu ver, da perda de credibilidade acumulada nas últimas décadas. Bem como da falta de organização em muitos aspectos.

Não esgoto o tema aqui, mas resta a memória da Aescrj, sua sede e o seu papel na história do carnaval carioca. Que descanse na paz que não teve nos últimos anos.

Imagens: SRZD, Uol e O Globo

5 Replies to “Réquiem para a Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro”

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