Esta semana tivemos o sorteio do desfile de 2012 das escolas pertencentes à Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Aescrj). Hoje esta entidade responde pelas agremiações dos grupos C, D e E do carnaval carioca – respectivamente o quarto, o quinto e o sexto grupos do carnaval carioca.

Entretanto, a ordem assignada nem é a questão mais importante nesta situação – embora tenhamos futuramente um post com todos os grupos. Mas sim uma medida que eu chamaria de implantação do “neoliberalismo” no samba carioca: as mudanças na regra do rebaixamento destinadas a estabelecer um fechamento compulsório de agremiações até 2014. Isso mesmo, caro leitor: nada menos que dezoito agremiações serão forçadas a fechar suas portas de forma compulsória nos próximos três anos – ou virar bloco, o que na prática acaba dando no mesmo.

Explicando ao leitor que não vive o dia a dia: decidiu-se, sob determinação anterior da Riotur (o órgão que deveria fiscalizar e regulamentar o carnaval, mas que na prática somente se envolve onde não deveria) que somente poderiam haver sessenta escolas de samba no Rio de Janeiro, em todos os grupos. Para o leitor ter uma idéia, até o ano passado eram 75 e hoje são 72.

A plenária da última segunda feira decidiu que nos Grupos de Acesso D e E (quinto e sexto, respectivamente) serão rebaixadas seis escolas por ano até 2014, com ascenso de uma agremiação somente em cada um destes desfiles. As escolas “rebaixadas” do último grupo tem duas opções: filiar-se à Federação dos Blocos de Enredo (onde a campeã ganha o direito de virar escola de samba e desfilar no Acesso E) ou simplesmente fechar.

Vale lembrar que blocos de enredo e escolas de samba são duas manifestações totalmente diferentes, com formações diferentes e estruturas diferentes. Blocos não são “mini-escolas de samba”. E não é exagero imaginar que todas as escolas do atual Acesso E estão fadadas à extinção, ainda que sobrevivam ao corte no primeiro ano.

O argumento é que com menos agremiações o dinheiro referente à subvenção do Estado pode ser dividido por menos escolas e assim “melhorar o espetáculo”. Vale lembrar que a exposição destes grupos, que desfilam na Intendente Magalhães, é mínima, então não há possibilidade de patrocínios, parcerias de vulto ou coisas semelhantes. A realidade é completamente diferente do Grupo Especial e mesmo dos Acessos A e B: escola endinheirada nestes grupos da Intendente é escola de “patrono” – normalmente com fonte de recursos de origem ilegal.

Evidente que nestas escolas há dirigentes que simplesmente pegam a subvenção e somem com o dinheiro, sem apresentar algo digno na avenida. Mas estes são minoria. As escolas destes grupos são bravas representantes de comunidades, que lutam com dificuldades devido à pouca verba e que expressam uma população que, várias vezes, somente tem o samba como forma de se reunir e se integrar.

Vale lembrar, também, que hoje temos agremiações que representam parcela importante da história etnográfica das escolas de samba, como a Unidos de Lucas, a União de Vaz Lobo e a Unidos do Jacarezinho, por exemplo. Além de escolas tradicionais como o Arrastão de Cascadura, o Acadêmicos do Engenho da Rainha e a Lins Imperial – ou ainda a Acadêmicos do Dendê, onde ganhei três vezes a disputa de samba enredo. Todas estas correm risco de serem “varridas do mapa”, sem terem sua memória e sua história preservadas em nome de um pretenso “melhor espetáculo”.

Na prática, o que se pretende é repetir nestes grupos a visão mercantilista hoje vista no Grupo Especial: o que importa é o espetáculo visual, com alegorias e fantasias como prioridade e tendo como foco o turista. O importante é o luxo e a riqueza, e somente os “mais aptos” sobreviverão. A decadência do gênero “samba enredo” tem muito a ver com isso também – embora não seja a única causa. Repete-se no samba o que vimos na economia na década de 90 e assistimos na sociedade hoje: o prelado dos mais fortes, a competitividade extrema, os recursos financeiros como um fim em si próprio.

Ao invés de se preservarem as tradições culturais e disponibilizarem melhores condições estruturais para as escolas decide-se que vinte e duas delas (em 2011 quatro já foram cortadas) simplesmente terão de fechar. E quem discordar que se queixe ao Bispo.

O leitor deveria conhecer um barracão de uma destas escolas. Normalmente são espaços improvisados e insalubres, onde o risco de um acidente sério e de danos à saúde é onipresente. Aliás, isto não é problema apenas destas escolas menores: mesmo as escolas do Acesso A, a segunda divisão do samba, sofrem com este aspecto – ainda mais agora onde nem o péssimo espaço que era ocupado (acima) foi retomado na justiça pela Cia. Docas. Fala-se em uma “Cidade do Samba do Acesso”, em Benfica, mas ainda está no caminho das promessas.

As agremiações cariocas deveriam ser vistas, primordialmente, como o que são: uma manifestação cultural legítima da cidade. Profissionalizar a gestão é bom, mas sem a visão “neoliberal” de que o mais forte predomine, sem concentração de recursos em poucas escolas, sem visões anomalamente “empresariais” da questão. Nosso carnaval tem muitos problemas de estrutura, e não vai ser um “facão” despropositado e imposto que irá resolver estas questões – ao contrário, tende a piorar ao tornar ainda mais evidentes as mazelas.

No fundo, é reflexo do caráter cada vez mais autoritário que o carnaval carioca, em termos de escolas, vem adotando. Quem está nos grupos de cima só pensa em si e no que pode auferir de vantagens dentro desta visão mercantilista. O samba de enredo, a bateria, a expressão cultural são “passado” na visão de quem dirige a festa. Como dizia o falecido presidente da Viradouro José Carlos Monassa, “a raiz da escola é minha grana”. É uma síntese perfeita do quadro.

Por isso que faço o apelo: salvem a cultura das escolas de samba! Salvem as escolas do Acesso!

Ainda há tempo.

Abaixo, o leitor pode ver a ordem de desfile destes grupos para 2012. Grave bem os nomes que apresento.

Grupo C (Domingo de Carnaval) 19 de fevereiro

1 – Independente de São João de Meriti
2 – Rosas de Ouro
3 – Lins Imperial
4 – Unidos da Ponte
5 – Império da Praça Seca
6 – Unidos de Vila Kennedy
7 – Arrastão de Cascadura
8 – Favo de Acari
9 – Unidos da Villa Rica
10- Em Cima da Hora
11 – Acadêmicos da Abolição
12 – Acadêmicos do Sossego
13 – Boi da Ilha do Governador
14 Unidos do Jacarezinho
15 – Unidos do Cabuçu

Grupo D (Segunda-feira) 20 de fevereiro

1 – Flor da Mina do Andaraí
2 – Unidos de Cosmos
3 – Vizinha Faladeira
4 – Acadêmicos do Engenho da Rainha
5 – Unidos do Anil
6 – Mocidade Unida de Jacarepaguá
7 – Unidos de Lucas
8 – Leão de Nova Iguaçu
9 – Acadêmicos de Vigário Geral
10 – Unidos de Manguinhos
11 – Gato de Bonsucesso
12 – Corações Unidos do Amarelinho
13 – Acadêmicos do Dendê

Grupo E (Terça-feira) 21 de fevereiro

1 – Canários das Laranjeiras
2 – Unidos do Cabral
3 – Boca de Siri
4 – Mocidade Independente de Inhaúma
5 – Paraíso da Alvorada
6 – União de Vaz Lobo
7- Matriz de São João de Meriti
8 – Chatuba de Mesquita
9 – Mocidade Unida do Santa Marta
10 – Delírio da Zona Oeste
11- Arame de Ricardo
12 – Imperial de Nova Iguaçu

(Foto: O Globo)

16 Replies to “O Neoliberalismo no Samba”

  1. O conteúdo do blog é fantástico… mas acho que você tinha que rever esse layout, que é bem feio… Fundo azul, letra azul e fonte Times, lembra aqueles sites de 2000, 2001… Fica a sugestão :D

  2. Infelizmente, a culpa de tudo isso está justamente nas Escolas de Samba. Ou quem é que compõe a Associação, a LESGA e a LIESA? Realmente existe uma necessidade de se injetar recursos no carnaval, porque a beleza do espetáculo sai caro e por culpa da falta de valorização do próprio sambista(que deixou de cobrar seu valor enquanto detentor do saber de uma manifestação genuínamente carioca). Nenhum presidente de escola (ou quase nenhum) aceita trabalhar com uma pessoa nova como carnavalesco. Querem os de renome ou os que por anos ficaram ali, fazendo carnavais com estes. é claro que todos contaminados pelo vício não só artístico e de utilização de recursos, como também com os rompantes de estrelismo e custo caro. Se vc se oferece pra fazr um trabalho 0800, simplesmnete não é valorizado, é visto como porcaria. Em paralelo, as escolas deixaram outras manifestações adentrarem às comunidades e se instalarem, esqueendo que poderiam “adotar” aquelas crianças e fazer nascer nelas o mesmo senso de pertencimento que se experimenta no futebol, em relação a um time. Com isso, com a ajuda de uma comunidade, se consegue fazer um carnaval digno. Mas não… Todas se preocuparam em se voltar para o estrelato, querendo cada qual se parecer mais com as primas ricas do Especial. De tudo o que foi colocado e discutido nesta reunião, se está valendo é porque foi aceito pela maioria. Ou seja, uma maioria engoliu tudo sem pestanejar, arriscando inclusive a dizerque, cada qual pensando em quantos centavos a mais seriam depositados, por conta da economia de menos 22 escolas a concorrer. Fora o Funk, o samba perde adeptos para as Igrejas e para as drogas, não necessariamente nesta mesma ordem, dado o prejuízo que ambas trazem para a formação de uma educação cultural e de valorização. Ainda assim, as escolas se omitem em avançar sobre suas comunidades e abraçá-las, se profissionaçizando em projetos que promovam a integração social, apoiadas ou não pela iniciativa privada. Nunca se ofereceu resistência, também, à falta de especialização para o Caranval na Lei de Incentivo à Cultura. As escolas nada mais são do que a marcação ” outros projetos” na categoria Artes C~enicas, como se fossem uma manifestação tão medíocre que não merecesse um estudo sobre as particularidades de captação e de seus projetos tempestivos. Não…A tudo se aceita e se absorve, ratificando a pormenorização e marginalização que sempre estigmatizaram o carnaval e seus participantes. Ninguém pensa em mostrar à Riotur que a Apoteose sem Escola de samba nada mais é do que o que é durante todo o resto do ano: um desconfortável, monocromárico e encravado elefante branco.

  3. Mas aí é que está, Luiz. As escolas não foram consultadas para estas medidas, foi originalmente imposição da Riotur.

    Lembrando que as escolas alvo deste corte não desfilam no Sambódromo, e sim na Intendente Magalhães. No mais, são comentários bastante pertinentes.

    grande abraço!

  4. Migão, eu não consigo entender porque você nunca é convidado para estes seminários que estão ocorrendo sobre carnaval.

  5. Migão, quando no inicio do seu 1° Governo Municipal, o nosso alcaide Cesar Maia tomou a seguinte decisão “vamos acabar com a subvenção aos Blocos de Enredo, todos obrigatoriamente vão virar Escolas de Samba, só assim receberão dinheiro paa fazer o Carnaval”.
    Essa decisão arrebentou com as Escolas tradicionais dos Grupos de Acesso, vide Em Cima da Hora, Arrastão, Lins Imperial, Unidos de Lucas e outras…
    Cesar Maia tinha a intenção de matar de vez o Carnaval de Rua no Rio. Juntou todas as Escolas na Intendente Magalhaes e as largou aos Deus dará…
    Venho acompanhando os desfiles dessas Escolas do Grupos de acesso na Intendente e posso lhe garantir que nos últimos anos as Escolas Tradicionais se adequaram e estão progredindo no Carnaval da Intendente.
    É lamentavel essa decisão da Riotur…

  6. Eu me afastei do samba a muitos anos, mas pelo que vi, muitas dessas Escolas de Samba desses grupos, eram bloco na época em que eu frequentava samba.

  7. Para ser bem sincero, escorreu uma lágrima dos meus olhos ao ler esse texto. Desde 2006 eu venho me afastando do carnaval por não concordar com os rumos que ele tem tomado. O fio mais forte que me mantém ligado ao mesmo é o samba-enredo, que já foi uma grande paixão minha, mas que hoje me obriga a contar nos dedos as boas obras que são lançadas anualmente (Brasil afora).

    Uma notícia dessas, temo dizer, é praticamente uma serrinha que, em 3 anos, vai terminar de cortar esse fio e me libertar desse amor platônico pelo carnaval.

    O pior de tudo é ver que há muita gente por aí que justifica esse tipo de situação com a ‘célebre’ frase “É a evolução natural das coisas…” ou “é o profissionalismo…”. Afinal, para eles dinheiro nunca é problema, sempre é solução. Não importam as consequências.

    Se eu fosse presidente de uma dessas escolas atualmente na Intendente, consideraria seriamente em romper com a associação no dia seguinte ao anúncio dessa decisão. E partiria para a formação de uma nova liga de escolas de samba, não tão orientada a turistas/lucro.

    Isso soa como utopia, claro. Os presidentes não podem se dar ao luxo de ter tamanha ousadia. Não existe perspectiva de captação de recursos. Muito menos planos adminstrativos e de marketing para que essa Liga possa ir adiante.

    Mas será que é mesmo utopia? Afinal, lá nos anos 20 houve quem acreditasse e pavimentasse o caminho do que hoje se tornou esse negócio milionário que vemos por aí. Será que agora, quase 90 anos depois, com todas as possibilidades que temos, não teríamos a capacidade de recomeçar? Ainda que seja do zero, talvez tenha chegado a hora. A paixão, a tradição e a essência dos sambas estão se esvaindo. Se tudo continuar assim, chegara uma hora em que não haverá mais volta.

  8. O senhor deveria rever o conceito de neoliberalismo, porque o que foi descrito no seu post é exatamente o oposto do que essa ideologia significa. E a sobrevivência dos mais aptos nada mais faz do que melhor alocar os recursos disponíveis. Agora tenho que concordar que o que faz a Riotur é interferir onde não lhe cabe.

  9. As escolas de samba, como reza o medelo atual, vivem da visibilidade que se consegue no sambódromo. Porque empurrar os grupos de acesso para Campinho? Com a esttrutura que tem a passarela do samba, a ida em massa aos ensaios técnicos, porque nunca se pensou em antecipar em uma semana o desfile das ecolas menores? Serviria inclusive como teste à estrutura do carnaval.
    Sebastião Pereira.

  10. Solução para o problema? Acaba-se com este negócio pra turista ver que é o desfile das escolas de samba e pronto, negócio resolvido. Carnaval é coisa ultrapassada, a Antiguidade se utilizava dele e taí, ó: acabou, passou. Ou que façam então este desfile lá num cantão da Barra da Tijuca onde não atrapalhariam a vida de ninguém. E escola de samba não forma mais nenhum compositor, é troço ultrapassado também. Texto impregnado de saudosismo romântico, se neoliberalismo é isso preciso reler meu dicionário com urgência.

  11. Aproveitando para responder em um único comentário.

    Os amigos que falam que eu não “sei o que é neoliberalismo” não percebem que o carnaval não é uma mercadoria. É uma manifestação cultural na qual também se transforma em um negócio. Mas se abandonar suas características, morre.

    Sebastião, o Sambódromo é grande demais para estas escolas, em especial a dos Grupos D e E;

    Ao “Digisábio”: penso que se pode encontrar um meio termo que mantenha a essência da festa com a profissionalização da gestão. Já tratei disso aqui anteriormente.

    abraços

    p.s. – clicando na imagemn ao alto acessa-se os outros posts do blog, que é atualizado diariamente.

  12. e enviavel um desfile com 16 escolas de samba sempre desfilo na intentende este ano o grupo c começou 19 horas e terminou 9 horas do outro dia .qual a sugestao que se pode ter para isso

  13. Acaba, então (pq não foi dito aqui) com as Escolas que desfilam em Bonsucesso também, não é?

    Bom, de qualquer forma, é uma pena terrível. É trucidar mortalmente a cultura da regiões onde essas escolas atuam. Aniquilam também com a história do carnaval da nossa cidade do Rio de Janeiro.

    Será que esta decisão tem a ver com o suposto corte de registros de blocos carnavalescos por não conseguirem dar todas as assistências possíveis como higiene (banheiros químicos) e segurança (policiamento) para cada bloco e cada desfile? Essa hipótese foi levantada este ano diante do caos em blocos médios e pequenos.

  14. Concordo plenamente com as preocupações expostas no post. É a praga dos ideais e práticas neoliberais impregnando o carnaval, assim como já impregnou o futebol, também. Essa elitização, essa história de que só devem permanecer os “forte”, os “competentes”. Fortes e competentes em quê? Em cumprir as receitas do “mercado”. Essa elitização no futebol, por exemplo, que restringe à série A do Campeonato Brasileiro apenas 20 times (quando a imensidão do nosso território e a quantidade de clubes nessa imensidão exigiriam bem mais que isso; 20 pra país pequenino da Europa, que não dá mais que uma unidade da federação nossa), leva à falência, à diminuição, ao desaparecimento de clubes tradicionais. É o que parece estar a ocorrer com as escolas de samba cariocas.

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