Na última semana, uma das notícias políticas mais importantes foram as declarações feitas pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) direcionadas à também deputada e ex-Ministra da Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (PT-RS).

Não irei voltar às declarações proferidas pelo deputado, já fartamente conhecidas, mas em resumo ele disse que “não estupraria a deputada porque ela é muito feia”. É mais uma da longa lista de declarações polêmicas do deputado – aqui, em matéria do conservador Estadão, temos algumas delas.

Fazendo rápida pesquisa no Google, podemos encontrar uma série de opiniões racistas, homofóbicas e de intolerância por parte do deputado. Em célebre entrevista ao programa “CQC”, em 2011, o deputado deu uma série de declarações extremistas, entre elas a de que “não corro risco de ver meu filho se apaixonar por uma garota negra porque eles são muito bem educados e isso é promiscuidade”. Isso, fora outras palavras na mesma linha.

O próprio entrevero com a deputada Maria do Rosário não é novidade. Em 2003 tiveram áspera discussão na Câmera, com Bolsonaro chamando a deputada de “vagabunda”. Ou seja, o acontecimento da última semana está longe de ser algo pontual.

bolso_deppropriopunhoBolsonaro apareceu perante a opinião pública quando, capitão do Exército, foi alvo de matéria em revista de grande circulação revelando plano dele e de colega de farda para colocar bombas em quarteis e locais como a adutora do Guandu e o Maracanã. O objetivo era protestar contra os baixos salários das Forças Armadas.

O então capitão foi alvo de inquérito militar, do qual saiu, surpreendentemente, absolvido. No ano seguinte, projetado pelo episódio, elegeu-se vereador na cidade do Rio de Janeiro.

Até aí, nada do que escrevi deve ser novidade para os leitores desta revista eletrônica. Entretanto, o que deve ser novidade – talvez nem tanto – é que as posições extremistas, racistas, homofóbicas, machistas, sexistas e contrárias aos direitos humanos expressadas pelo deputado estão longe de significar um comportamento excêntrico, lunático ou de um gueto em termos de representatividade.

Nas últimas eleições para a Câmara Federal, o deputado obteve a reeleição para seu sexto mandato ininterrupto. Entretanto, ao contrário das outras ocasiões, quando ele tinha uma parcela expressiva de votos de militares e de seus círculos advinda de seu discurso por melhores salários, no último dia 5 de outubro ele foi sufragado como o DEPUTADO MAIS VOTADO DO RIO DE JANEIRO, com 465 mil votos.

Ou seja: ainda que se ressalvando que o sufrágio ao Legislativo não é tão “consciente” quanto ao Executivo, é sinal de que ao menos 500 mil eleitores do Rio de Janeiro concordam, no todo ou em parte, com o ideário representado pelo deputado carioca.

O que isso significa?

Podemos entender este fenômeno como uma conjunção de fatores.

O primeiro deles é a clara guinada à direita que parte da sociedade experimentou nos últimos anos, especialmente após as chamadas “jornadas de junho”. Pode-se apontar diversos fatores para esta guinada, mas é inegável que as manifestações do ano passado, originalmente proto anarquistas, foram apropriadas pelos segmentos conservadores em um segundo momento.

Esta apropriação acabou servindo como um catalisador de uma postura conservadora de setores da sociedade, que passou a defender de forma mais explícita seus ideais.

Uma segunda explicação, um pouco derivada da primeira, reside na reação de setores da sociedade a políticas de afirmação e de defesa dos direitos de minorias. O racismo e a homofobia expressados pelo deputado tem uma acolhida silenciosa em uma parcela considerável da população, mais a segunda que a primeira.

Fotos produzidas pelo SenadoVale lembrar que os políticos de matiz religiosa neopentecostal possuem excelente penetração no eleitorado carioca, o que ajuda a explicar, também, o bom desempenho de um candidato que defende posições que restrinjam os direitos dos homossexuais.

Por outro lado, o racismo, no Brasil, muitas vezes é derivado de um preconceito social elevado por parte de camadas mais abastadas de renda – porque a maioria dos pobres é negra. Em termos percentuais, a maior votação de Bolsonaro no Rio de Janeiro foi na 9ª Zona Eleitoral, que compreende o bairro carioca da Barra da Tijuca, classe alta em sua maioria. Nesta zona ele obteve 1,86% dos seus votos totais.

Outras zonas eleitorais onde obteve boa votação percentual foram a 119ª (também Barra da Tijuca), a 7ª (Tijuca), a 192ª (Ilha do Governador/Jardim Guanabara), a 210ª (Taquara/Jacarepaguá) e a 182ª (também Taquara). Nestas zonas ele obteve mais que 1% da totalidade de seus sufrágios, o que é bastante expressivo. Nas 179ª e 180ª zonas, Barra da Tijuca e Jacarepaguá respectivamente, ele teve 0,97% de seu sufrágio.

Perceba o leitor que todos os locais citados no parágrafo anterior, à exceção de parte das zonas de Jacarepaguá, são bairros de classe média e alta, com preconceito social arraigado – e trazendo a reboque o racismo disfarçado que ocorre com bastante frequência nestas camadas de renda.

Tomando-se o resultado por zona, Bolsonaro nesta já citada 9ª Zona Eleitoral obteve quase o dobro dos votos do candidato mais votado, obtendo 12,8% dos sufrágios. Na 119ª Zona também foi o mais votado, com 13,5% dos votos. Na 7ª ZE foi o segundo mais votado (12,92%), na 192ª 14,44%, na 182ª 9,34% dos votos, na 179ª 6,72% (segundo mais sufragado) e na 180ª 8,91%.

Tomei como exemplo as Zonas Eleitorais onde Bolsonaro obteve maior votação absoluta, mas na 207ª, por exemplo, onde voto (até hoje não transferi meu título) e que abrange Cascadura e bairros vizinhos, ele foi o mais votado com 10,37%. Na 206ª, Copacabana, ele obteve 10,53%, também mais votado, o mesmo se repetindo em Deodoro, local de forte presença militar (123ª, com 9,45%) ou em São Gonçalo, área de renda média mais baixa (87ª, 5,7%). Por outro lado, na 240ª, Santa Cruz, ele foi “apenas” o quarto mais votado, mesma posição que obteve na 254, em Macaé.

Esses números que tomei como amostragem mostram como o pensamento do deputado possui abrangência e penetração bastante significativas em todos os espectros sociais e de renda do eleitorado, em que pesem suas posições extremistas e que, muitas vezes, revelam total desacordo com a legislação brasileira.

Sendo mais claro, para o leitor entender: de forma tácita ou aberta uma parcela significativa da sociedade brasileira concorda com posições homofóbicas, racistas, machistas, a favor da tortura, a favor do assassinato como política de Estado, a favor da discriminação, a favor do espancamento de viciados em drogas, contra políticas sociais, contra ações afirmativas, contra a “Lei Maria da Penha” e assumindo como “promíscuo” tudo o que é diferente de seu pensamento.

bolsonaro1E, alargando o raciocínio, a favor do estupro – explícito ou implícito.

Ou seja: o fenômeno chamado Jair Bolsonaro não pode ser tratado como um exemplar exótico que defende posições extremistas. É efeito de uma postura de parte não desprezível da população brasileira, que radicalizou suas opiniões nos últimos anos – por motivos que dariam outro artigo – e que não está preocupado com interesses que não sejam os seus.

Finalizo ressaltando que Bolsonaro talvez seja o exemplo mais midiático deste tipo de político, mas vários estados elegeram seus “Bolsonaros” para compor um Congresso que é, de longe, um dos mais conservadores da História do Brasil. O próprio filho do deputado carioca se elegeu a uma cadeira na Câmara Federal por São Paulo.

Ainda há muito o que se estudar sobre este fenômeno e não tenho pretensão, neste artigo, de esgotar o tema. Mas está claro que existe uma espécie de “ovo da serpente” sendo gerado.

Imagens: Uol, Blog do Mello, Revista Fórum e Extra

4 Replies to “Bolsonaro não representa um gueto”

  1. Governo fraco, envolvido em corrupção, inflação alta, caos na segurança, saúde e educação são ingredientes para que surjam grupos reacionários, conservadores para tomar o poder com apoio daqueles que em parte ou no todo pensam de forma semelhante. Na Argentina à direita tomou o poder. Espero que ocorra o mesmo no Brasil.

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