Anos 90.

A década começa com a Mocidade em alta, bicampeã, parece que uma nova época tomaria forma, seria a Mocidade a dona da década que estava começando? De certa forma ela marca incontestavelmente o período, porém vê, ao mesmo tempo, o surgimento de uma sequência de desfiles e resultados até então só vistos nos anos de domínios das quatro grandes, lá nos anos 40, 50 e 60. A Imperatriz que aparece na avenida, de 1992 em diante, com a grife e assinatura de Rosa Magalhães faz história. Para o bem e para o mal.

Com Rosa, a escola faz 8 carnavais na década, ganha 3, é vice de outros 3 e enfrenta um dilema. Vamos analisar o lado bom da história. O período acima mencionado casa, no mesmo ato, o ápice criativo de Rosa com o ápice de organização e desenvolvimento de carnaval da Imperatriz. Ano após ano, fica difícil apontar qual desfile, qual alegoria, qual fantasia foi mais bonita. A escola enche os olhos de todos. Ninguém faz carnaval mais bonito que Rosa, ninguém desfila melhor que a Imperatriz. Mas isso traz uma discussão, até então ignorada. Após o sacode do Salgueiro, em 1993, a Imperatriz é bi (94/95), porém sem conquistar o público – especialmente em 1995, com uma Portela arrebatadora. E pela primeira vez, o sucesso e a imponência da escola é posta em dúvida.

imperatriz1991Seria justo desfilar bonita, mas sem empolgar plateia e mídia?

A diretoria da escola apostou que sim. Manteve o jeito de fazer carnaval, mas talvez tenha exagerado na dose. A cada entrevista, o destaque dado ao jeito correto e sem erros de desfilar parecia ser o fator mais importante. A escola desfile sim linda, desfilava sim com ótimos sambas, mas seu modo correto de desfilar e a ausência de erros criaram o termo que assombrou a escola por mais de uma década, a de ser “tecnicamente perfeita”, ou como muitos diziam, de desfilar “apenas para jurados”. Nisso que finca-se a parte ruim da história. Criou-se uma atmosfera acima do desejado, talvez, mas que rotulou a escola e começou a atrair olhares negativos e críticas, muitas críticas.

Muitos perguntavam-se, seria esse o estilo de Rosa Magalhães ou o amadurecimento do estilo vencedor e consagrado dos anos de Arlindo? Rosa mesmo dizia sempre que esse rótulo de técnica, de certinha, era bobagem. Segundo ela mesma repetiu várias vezes, cada escola tem sua forma de evoluir e desfilar. A Imperatriz apenas tinha a dela. Ao contrário dos anos 80 em que a Imperatriz passou a ganhar títulos e todos queriam mais, público e crítica, desta vez, “massacraram” a escola, ano após ano. Vejam que curioso isso. Nos anos em que produziu seus mais belos desfiles e alguns de seus mais belos sambas, a escola viu-se distante da ovação e admiração daqueles que haviam aprendido a amá-la e agora, não aguentariam vê-la mais campeã. Não da mesma forma.

imperatriz99aA situação agrava-se no final da década. O título de 1999, que seria o primeiro do vindouro tricampeonato, em um ano em que as escolas tiveram menos de 45 dias para fazerem seu carnaval, devido ao atraso na liberação da subvenção, não agrada. Este é, sem dúvida, o mais contestado de seus 8 títulos. A escola desfila bonita, mas vê Mocidade e Beija-Flor, com desfiles, ao menos aparentemente, mais bonitos e organizados. Ao final da apuração, o título volta a Ramos, mas dessa vez sob protestos e vaias. Claro que sempre houve e haverá descontentes após a apuração, mas esse movimento cresceu em 1999. O desfile foi técnico mais uma vez, o tema e o samba, bem desenvolvidos, mas a opinião de que o título não foi para a escola que desfilou melhor paira até hoje, inclusive na mente de muitos torcedores da escola.

Em 2000, a escola precisava mostrar que ainda poderia reinar. Que o título do ano anterior estava sim, em boas mãos. E assim foi feito. No melhor desfile da agremiação neste século, ao menos para este que vos escreve, a escola brilha, desfila absoluta e é bicampeã, desta vez, incontestavelmente. O trabalho de Rosa Magalhães é primoroso e exuberante. A escola, ainda que técnica e sem empolgar a avenida, vence de novo. E o melhor, desta vez, sem dar margem à reclamações.

Depois de dois anos vice-campeã, a Beija-Flor aposta no título. Não mede esforços para por na avenida enormes alegorias e fantasias luxuosas. O título parecia certo. Parecia. A Imperatriz mostra, mais uma vez, primor técnico e visual. Desfila organizada, sem erros e bonita, muito bonita, porém o tri-campeonato alcançado na quarta de Cinzas parece ter sido a gota d’água. Ainda que muito mais compreensível do que o título de 99, a escola é alvo de uma onda de ira jamais vista no Carnaval. Inconformados com o que seria, até então, o primeiro tri do Sambódromo, dirigentes de várias escolas, incluindo Beija-Flor e Viradouro, esta última na figura de seu carnavalesco, dirigiram ferozes críticas à escola de Ramos e à Liga.

A Imperatriz ganhava, continuava grande, mas já não era querida. Havia perdido um bem valioso. A simpatia do público.

imperatriz2002O ápice da crise foi a famosa “chuva de latinhas”, que a escola recebeu sob o setor 1 no sábado das campeãs. Ainda inconformados pelo título, torcedores de outras escolas arremessaram latas sobre os componentes, na concentração. Uma triste e lamentável página da história do Carnaval. Mas, por incrível que pareça, isso, anos mais tarde, mostrar-se-ia benéfico para a trajetória da escola. [1]

Os anos 2000 são, principalmente em sua segunda metade, muito difíceis para a escola. Após bons desfiles até 2005, onde através de enredos e sambas mais populares, a Imperatriz resgata uma parcela da simpatia e admiração, e chega perto até mesmo da disputa do título. Mas os anos seguidos de Rosa Magalhães mostram um certo desgaste e a queda de rendimento da escola tornam-se uma combinação perigosa. A escola, 8 vezes campeã, que mudou de rumo para ser popular novamente, perde o norte. Sai do patamar da luta pelo título, para flertar perigosamente, durante dois anos (2006/2007) com a parte de baixo da classificação e o, até então impensável, risco de rebaixamento. A receita precisava mudar, mais uma vez.

Os anos de 2008 e 2009 marcam os últimos carnavais da era Rosa na escola. Marcam também a volta da escola aos bons sambas, ano após ano. De 2008 em diante, os olhos dos admiradores do carnaval voltam-se para Ramos novamente. Era esse o momento ideal de renascer. Ainda que frágil na parte plástica, o mundo do samba volta a ver a Imperatriz com carinho. A disputa para a escolha de samba ganha destaque, aos poucos a escola é apontada como àquela que tem a melhor disputa, a mais equilibrada e a mais coesa ala de compositores. Sim, era algo ainda fora da Marquês de Sapucaí, mas de certa forma, a escola voltava a ser exaltada depois dos “anos de chumbo”, pelos quais havia passado.

A década atual prova isso logo de cara. Dois Estandartes de Ouro de melhor samba, em 2010 e 2011. E a virada mais sensacional acontece. Todos voltam a esperar a Imperatriz. Todos comentam, todos querem saber. Aos poucos ela volta a ser amada. Mas na avenida essa mudança não consegue ser refletida em números. A escola amarga colocações ruins, como o inesperado 10º lugar de 2012, com alguns problemas ocorridos na pista.

imperatriz2E mais uma mudança torna-se necessária. Desta vez, parece que o rumo está correto. Presente no desfile das campeãs nos últimos dois anos, a escola até tripudiou, no bom sentido da palavra, do direito de ser popular, e homenageou Zico em 2014. A relação público-escola estava selada de novo. A escola agora é aplaudida e volta a lutar pelo título como fez desde que conheceu Arlindo, lá atrás.

Para 2015, exaltará negros de luta e seu passado de glórias. E o samba escolhido reflete o primor do enredo. O refrão ecoado como um mantra parece hipnotizar o torcedor da escola e também o amante do carnaval, independente de camisa. A cada vez que um componente da Imperatriz repete “Mandela, Mandela, num ritual de liberdade, lá vem a Imperatriz, eu vou com ela. Eu sou Madiba, sou a voz da Igualdade…”, parece gritar para o mundo o orgulho de ser Leopoldinense e a felicidade por ser mais uma vez amado e sentir que pode escrever mais um capítulo brilhante.

Hoje, a Imperatriz não se preocupa com o “tecnicamente perfeito” de outrora, admite errar, ser falível. Importa-se em ser raiz de bom samba, ter sua quadra repleta de gente que a ama e admira. Importa-se em fazer grandes desfiles, ter grandes sambas, se possível o melhor. Importa-se em ser tão somente Imperatriz, ou seja, grande e campeã. E isso diz muito, diz que mais do que nunca, está pronta para voltar a ganhar, como a escola de Arlindo, de Rosa, do Carnaval.

Boa sorte Imperatriz, de volta, para onde nunca deveria ter saído, à vitrine do samba.

[N.do.E.: vale lembrar que o episódio se repetiria em 2002, mas no desfile oficial. PM]

One Reply to “Imperatriz, a escola que todos adoram amar, novamente – Parte II”

  1. Eu, como leopoldinense, fico com os olhos marejados ao ver tamanha declaração de amor. Parabéns pelos dois textos.

    Obrigado, Rodrigo, por nos brindar com esse sentimento, de maneira tão doce e orgulhosa.

    Saudações gresilenses.

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