“Dever de Diligência – O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” (art. 153 – Lei 6404/76 – Lei das S/As)

Graça Foster, presidente da Petrobras, vem ocupando o noticiário por conta da doação de imóveis com direito ao usufruto que formalizou, coincidentemente, na véspera da confirmação por parte da Presidente da República de que ela realmente havia apoiado a compra da refinaria de Pesadena, quando exerceu o cargo de presidente do Conselho de Administração da estatal. Dilma afirmou que assim agiu baseada num parecer, que se revelou falho, elaborado pela área internacional da empresa.

Sem entrar no mérito de escândalos envolvendo o governo, forma de cobertura da imprensa, etc., chamo a atenção para um fato muitas vezes ignorado: problemas envolvendo governança corporativa e decisões do Conselho de Administração, que estão longe de ser  exclusivos de uma empresa de economia mista.

sadiaEm 2008, a Sadia, até então considerada modelo de governança, foi incorporada à antiga concorrente Perdigão, após ter ficado insolvente por conta de operações especulativas no mercado de derivativos. Entre os membros de seu Conselho de Administração tínhamos ex-presidentes de banco, da CVM, de grandes empresas e de Conselhos de outras empresas, consultores de gestão renomados e executivos financeiros premiados. No entanto, as investigações da CVM sobre o episódio apontaram que havia por parte dos conselheiros desconhecimentos de aspectos críticos e que, portanto, houve descumprimento do dever de diligência (saiba mais: Caso Sadia – Parte I, Conselho da Sadia na Fogueira, Conselheiros na Berlinda, Extrato da sessão de julgamento do processo administrativo sancionador CVM Nº 18/08).

Também não se trata de nenhuma jabuticaba, como se costuma dizer para as coisas que só acontecem no Brasil. No começo deste milênio, a norte-americana Enron faliu após diversas descobertas de fraudes contábeis. Até então era uma empresa considerada como modelo de sucesso. Os membros do Conselho de Administração foram responsabilizados pelo episódio, juntamente com executivos e outros envolvidos (relembre o caso: Escândalo Enron, Conselho de Administração responsabilizado no caso Enron)

É esse debate que trago aqui: uma avaliação crítica da efetividade dos Conselhos de Administração na garantia de uma boa governança corporativa, seu papel e as dificuldades envolvidas.

um pouco de teoria

 Um Conselho de Administração é um órgão colegiado encarregado de exercer o elo entre os proprietários e os gestores de uma empresa. É o guardião do sistema de governança corporativa, tendo como missão proteger e valorizar a organização, em busca da otimização do retorno sobre o investimento e o equilíbrio entre os shareholders (acionistas) e os stakeholders (demais partes interessadas).

Cabe ao Conselho, entre outras, as funções de: zelar pelos valores e propósitos da empresa, definir as suas diretrizes estratégicas, prevenir conflitos de interesses, gerenciar os riscos corporativos e garantir a sustentabilidade da companhia no longo prazo.

O número de membros recomendado pelo Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa (CMPGC) é de no mínimo 5 e no máximo 11 pessoas, que são eleitos e devem reunir competências tais como conhecimento jurídico, de finanças, de contabilidade, do negócio e do mercado, bem como experiência em participação em outros Conselhos de Administração, como executivo sênior, na administração de crises e de mudanças e na gestão de riscos.

Recomenda-se que cada conselheiro possua: alinhamento com os valores da empresa, disponibilidade de tempo, motivação, interesse na organização, visão estratégica, capacidade de trabalhar em equipe e noções de legislação societária.

Os conselheiros podem ser de 3 classes: internos (diretores ou funcionários da empresa), externos (sem vínculo empregatício, mas não são independentes, como exemplo: ex-funcionários, prestadores de serviços, familiares do controlador, etc) e independentes (sem qualquer vínculo relevante com a companhia ou com o controlador).

 E na prática?

Devido à complexidade das exigências, um bom conselheiro costuma ser alguém altamente preparado, o que restringe bastante a oferta de possíveis elegíveis para o Conselho. Não é difícil a existência de conselheiros que acumulam cargos em órgãos de governança em mais de uma empresa, tanto que até o citado CMPGC possui uma recomendação específica para limitar esse acúmulo. Por exemplo, uma mesma pessoa só poderia participar do Conselho de três empresas, se for presidente do colegiado em uma delas, além do exercício regular de suas próprias atividades profissionais, que imagina-se não serem triviais.

petrobrasAssim, com tantos afazeres importantes, como supor que consigam cumprir a exigência de disponibilidade de tempo para fazerem os “deveres de casa” antes das reuniões, analisando minuciosamente todas as informações sobre a situação da empresa? Seria, portanto, tão incomum que conselheiros façam como no caso citado da Petrobras e votem com base em pareceres técnicos? No caso da Sadia, a baixa dedicação também não pode ter sido uma das causas do problema?

Diante desse cenário, creio ser possível assumir a premissa de que os relatórios técnicos ganham importância. O problema é que esses são preparados por funcionários, executivos ou consultores, que muitas vezes possuem interesses na votação.  Como garantir que não sejam tendenciosos? Fora isso, muitas vezes, as reuniões são exaustivas. As decisões costumam ser precedidas por palestras repletas de slides com informações financeiras ministradas por um executivo, que, como visto, pode ter interesse no resultado. Os conselheiros acabam tendo que deliberar já cansados e pressionados pelo tempo, podendo provocar o “efeito manada”, onde as posições iniciais, tomadas geralmente por aqueles com maior conhecimento no tema, são seguidas pelos demais conselheiros.

Outro ponto é que estamos falando de uma elite empresarial. Logo, é provável supor que exista com relativa frequência algum grau de relacionamento entre os membros dos Conselhos e entre esses e os principais executivos, reduzindo a impessoalidade e a independência na tomada de decisões. Isso sem contar aqueles que dependem de bons círculos sociais (networking) para o seu próprio sucesso, como costuma acontecer com consultores profissionais, que tenderão a evitar conflitos que possam minar seus relacionamentos sociais.

Há ainda o problema da “cascata coletiva” quando algum conselheiro possui muito mais influência e status do que os demais, o que muitas vezes faz com que sua posição conduza o voto de vários membros, anulando, assim, o efeito de um órgão coletivo. Outrossim, atrapalha bastante a formação de conselhos homogêneos seja em faixa etária, gênero, formação ou experiência. Quanto mais plural for a composição, melhor. A diversidade inclusive é recomendada pelo código das boas práticas.

Adicionalmente, pesquisadores de finanças comportamentais têm publicado diversos trabalhos demonstrando que empreendedores natos e pessoas bem-sucedidas, como costumam ser os conselheiros, possuem, em geral, um grau de confiança mais elevado do que a média. Pois esse viés psicológico pode acarretar, especialmente em um ambiente de poder, um otimismo exagerado que, por sua vez, pode levar a uma minimização dos riscos envolvidos e fazer com que as pessoas tendam a superestimar a qualidade e a precisão das informações disponíveis, especialmente por sobrestimarem suas próprias habilidades na interpretação das mesmas. É o que a doutrina tem denominado como “ilusão do controle”. Assim, é possível, à luz dos estudos experimentais organizacionais, que as decisões dos Conselhos tenham menos componentes de racionalidade analítica do que se deveria esperar.

problemas cadmE não para por aí….

Até agora não mencionamos uma variável sempre importante e que costuma provocar conflitos – a recompensa. Pois bem, as formas mais comuns de benefícios a quem integra os Conselhos de Administração são: remuneração fixa (normalmente jetons por seções), mordomias corporativas e status.

O curioso é que nenhum desses itens possui relação com o desempenho da empresa ou da atuação bem sucedida do Conselho de Administração. Portanto, a dedicação acaba sendo algo individual, vinculada mais a algum interesse moral do conselheiro do que a um estímulo por parte das organizações.  Não é incomum que os membros desses órgãos colegiados  já possuam sólida situação financeira e notório status social. Além da remuneração percebida ser considerada não compensatória. Dessa forma, há muito pouco incentivo para um bom desempenho das atividades dos conselheiros.

Não é fácil resolver esse problema, uma vez que atrelar remuneração de conselheiros ao desempenho da companhia pode alinhar suas decisões aos objetivos de curto prazo. Talvez, o caminho passasse por remunerar com ações da empresa que não poderiam ser vendidas dentro de uma carência determinada (e só depois que o detentor das ações se desligasse  do Conselho).

No caso das empresas públicas ou de economia mista aqui no Brasil, há outro componente que pesa na indicação de conselheiros por parte do governo:  garantir uma remuneração mais próxima ao do mercado privado para pessoas de confiança. Por isso, é comum a participação de ministros, secretários estaduais e municipais  e servidores públicos chaves, afinal os jetons não costumam entrar no cálculo do teto do funcionalismo público.  Com isso, acabam nomeando-se os servidores mais ativos e, muitas vezes, mais atarefados.

  Conclusão

Numa gestão cada vez mais profissionalizada (e não poderia ser diferente), os Conselhos de Administração exercem um importante papel para garantir a governança e salvaguardar os interesses dos donos. Porém, os diversos casos de empresas pelo mundo que tomaram decisões erradas de investimentos, gerando prejuízos e algumas vezes chegando até mesmo a colocar em risco a própria sobrevivência da companhia demonstram que ainda estamos aquém da efetividade desejada. Neste artigo, procuramos trazer algumas das razões para isso.  De modo geral, debates como o proposto aqui realizados na academia, em sites especializados e no próprio mundo corporativo vêm melhorando os Conselhos das empresas, mas ainda há muito a caminhar nesse sentido.

 “Todo o conhecimento humano começou com intuições, passou daí aos conceitos e terminou com ideias.” (Immanuel Kant – o Pai do Kritizismus)

Twitter: @Jeffarah