Para o Carnaval paulistano de 1993, houve uma mudança importante no regulamento: o desfile continuaria sendo julgado por 30 jurados – três por quesito -, mas a Liga enfim adotava o sistema de descarte da maior e da menor nota, que já vinha sendo usado no Rio de Janeiro. O sistema, no entanto, tinha um problema grave: como em São Paulo, não haveria nenhum critério de desempate, e a probabilidade de ocorrerem empates era gigantesca.

Para o leitor ter uma ideia, ainda que uma escola recebesse notas 10 de todos os jurados, ela teria de dividir o título com outra que recebeu notas máximas de apenas dois por quesito e teve 10 notas descartadas – a menor de cada quesito. Esse sistema de julgamento, que posteriormente seria levemente alterado duas vezes, provocou uma série de empates na primeira posição e, em anos seguintes, uma confusão bem grande que até “virada de mesa” já causou. Mas isso é papo para semanas futuras.

Foi um Carnaval de novidades interessantes. O Sambódromo continuou em reformas, com a melhoria das estruturas dos Setores A, C, D e E e uma evolução considerável na iluminação da Passarela. As surpresas, porém, ficaram por conta das escolas. A Barroca Zona Sul, tentando se recuperar do desfile ruim de 1992, traria para a Avenida um enredo sobre os quatro elementos, mas surpreendeu mesmo por trazer um Grupo de Pagode, o Arte Final, para a função de intérprete.

A movimentação foi grande nos microfones. Serginho K.T. foi para a Imperador do Ipiranga, Djalma Pires passou a cantar na Tucuruvi, enquanto a Nenê de Vila Matilde montou um trio de ferro com Armando da Mangueira, Márcia Ynaiá e o grande Dom Marcos. A escola da Zona Leste, que traria para a Avenida um enredo sobre a importância da saúde, trocou de carnavalesco, com Renato entrando no lugar de Oswaldinho. Pedrinho Pinotti saiu da Leandro de Itaquera e foi para a Colorado do Brás desenvolver um enredo sobre as máscaras.

Quem mais surpreendeu no Carnaval de 1993, no entanto, foi a Mocidade Alegre que, para homenagear os imigrantes libaneses, contratou um Carnavalesco argentino, José Carlos Gestra, para dividir os trabalhos com Mauricio Bichara. Campeã de 92, a Rosas de Ouro tentaria o tetracampeonato com um enredo sobre as festas, enquanto suas principais concorrentes, Camisa Verde e Branco e Vai-Vai trariam temas bem diferentes: o Trevo da Barra Funda prestaria uma homenagem a seus inesquecíveis Carnavais, enquanto a Vai-Vai prometia muita crítica ao abordar o ouro.

A Leandro de Itaquera escolheu falar da magia do Carnaval, a Peruche sobre mercadores e mercadorias, enquanto a Gaviões da Fiel prometia um grande desfile com o enigmático tema das chaves. Vindas do Grupo de Acesso, Imperador do Ipiranga e Acadêmicos do Tucuruvi falariam sobre assombrações e frutas, respectivamente.

A primeira escola a entrar na Avenida foi a Colorado do Brás, última colocada no Carnaval anterior, e que apresentou o enredo “Mascaradas, Ilusões da Vida”. A Vermelha e Branca não se beneficiou do fato de não ter sido rebaixada em 1992 e, abrindo novamente o Carnaval, fez um desfile bastante inferior ao que havia apresentado no Carnaval anterior.

O enredo sobre as máscaras tinha a pretensão de dizer como elas haviam mudado o Mundo e, como o leitor pode imaginar, elas não mudaram tanto assim. O resultado foi uma apresentação fria, de baixo nível técnico e prejudicada por um conjunto plástico sofrível. As alegorias estavam bastante mal acabadas, as fantasias sem qualquer luxo e também eram pouco criativas. Ainda que outras 11 escolas desfilassem naquela noite, o rebaixamento era praticamente certo para a simpática agremiação do Brás.

A segunda escola a desfilar foi a Barroca Zona Sul, que cantou o enredo “O Senhor dos Elementos”, para falar de água, terra, fogo e ar. A inovação proposta pela Verde e Rosa, de colocar um grupo de pagode para cantar o razoável samba no Anhembi, não deu certo. O grupo era até bem competente, mas não tinha a experiência necessária. Apesar de parecidos, pagode e samba são gêneros bem distintos e o samba-enredo, então, requer todo um trabalho diferenciado para ser cantado na Avenida.

O desfile da Barroca foi ligeiramente superior ao do ano anterior, mas, ainda assim, bastante fraco. A escola tinha limitações financeiras grandes e não conseguiu empolgar a Avenida com um desfile sem luxo. A divisão cromática da escola não mereceu grande destaque e a Barroca passou mais uma vez sem deixar saudades. Havia o risco de rebaixamento, mas ainda tinha muita gente pra desfilar.

Na sequência, desfilou a primeira das agremiações vindas do Grupo 1: a Acadêmicos do Tucuruvi, que contou o enredo “Da fruta que você gosta”. Para animar o público, parte da diretoria distribuiu maçãs para o pessoal nas arquibancadas, para que os torcedores entrassem no clima do enredo que falava sobre as frutas.

Com o perdão do trocadilho infame, o enredo era uma verdadeira salada de frutas. Como não poderia deixar de ser, tudo começou com Adão e Eva, a história da maçã, o pecado e etc. Depois veio a uva, o surgimento do vinho, o deus Baco. Na sequência, a escola da Cantareira conseguiu falar das navegações, que promoveu, por assim dizer, um intercâmbio de frutas entre a América e a Europa. O auge da salada se deu no setor que tratava da miscigenação.

Foi um desfile até bastante simpático, com boas alegorias e um visual que não foi dos piores, mas faltou pé, cabeça e o que mais pode faltar para que haja sentido em um desfile. Pelo desastre que foi a apresentação da Colorado do Brás, o risco de rebaixamento ao menos era bem pequeno.

Voltando ao Grupo Especial, a Imperador do Ipiranga foi a quarta a tomar a pista do Anhembi com o enredo “Assombrações em noite de gala”. A agremiação da Vila Carioca parecia trazer um desfile bastante interessante para a Passarela, mas sofreu com uma série de problemas que comprometeriam toda a apresentação.

Muitas alegorias tiveram imensas dificuldades para entrar, o que estragou toda a evolução da escola. Os problemas foram tantos, que quatro dos dez carros não conseguiram entrar na pista. O espaço entre o pede-passagem e o abre-alas era de pelo menos seis ou sete alas, tamanha a dificuldade de se colocar a alegoria na Avenida.

O que entrou estava até bem bonito. As alegorias eram simples, mas bem acabadas, e embora não tivessem nenhum luxo, as fantasias tiveram bom efeito. O enredo sobre assombrações foi desenvolvido de maneira bastante correta, pendendo para a irreverência e para contos infantis, para os medos no cinema, tudo com muito bom humor, principalmente no setor crítico à política que assombrava o povo.

O animado samba levantou as arquibancadas e, em condições normais, não deveria haver nenhum risco de rebaixamento. Mas, por todos os problemas, a agremiação precisaria de um outro desastre nas demais escolas para se salvar, principalmente porque o espaçamento entre as alegorias e a inversão de alas quebrou a divisão cromática estabelecida pela Imperador. Uma tragédia.

Prometendo voltar aos dias de glória, a Mocidade Alegre entrou na Avenida para superar as dificuldades financeiras que eram cada vez maiores e defender o enredo “Marabha, ‘a pérola do Oriente’”, que falava sobre o Líbano e prestava uma homenagem aos imigrantes que chegaram à capital paulista.

A Morada do Samba fez um desfile muito além das suas condições e surpreendeu a todos com um conjunto alegórico de ótimo impacto e fantasias bastante luxuosas. Achei a divisão cromática um tanto quanto sem criatividade, usando excessivamente do dourado. O samba também não era grande coisa, mas o desfile estava bem bonito e, embora se esperasse mais de outras concorrentes, começava a despontar no Bairro do Limão uma esperança de título.

Só que a partir da metade do desfile, as coisas desandaram de vez. A evolução da escola ficou completamente confusa, alas se embolaram e, aí, deu-se o grande problema: a largura da escola se tornou maior do que a da Avenida e quando a Morada atingiu o setor em que o Anhembi ficava mais estreito, faltou espaço. Um grande quebra-pau se formou entre alguns diretores e a organização da Liga porque o pessoal da Mocidade queria tirar as grades que delimitavam o espaço da Avenida. A partir daí, não havia mais qualquer possibilidade de título.

Para encerrar a primeira metade de desfiles, a Unidos do Peruche apresentou o enredo “Mercado, mercador, mercadoria” e mais uma vez não foi bem. O bom samba que falava sobre o comércio, os mercadores, levantou as arquibancadas e depois de algum tempo enfim fez um desfile tipicamente perucheano ao menos nesse sentido. Os problemas de harmonia de 1992 foram superados e a escola cantou com força.

O conjunto plástico, no entanto, não foi dos mais agradáveis. Pouco criativas, as fantasias não renderam grande impacto e o desfile foi, tal como em 91 e 92, para meio de tabela. A evolução teve muitos problemas, a escola se enrolou e, para piorar, perdeu cinco pontos por estourar o tempo limite de uma hora e 10 minutos. Os problemas ao menos serviram para mostrar que a escola precisava de uma reabilitação e serviu de consolo o fato de que ao menos a empatia com o público estava resgatada.

Registre-se que o enredo foi muito bem desenvolvido. Se alegorias e fantasias não estavam bem acabadas ou mesmo concebidas, representavam pontos importantes. A Peruche se limitou a contar a história do comércio, sem procurar outras ligações ou tentar contar outras histórias. Fez-se o básico e, ao menos nesse sentido, fez-se com muita competência. O que faltou foi dinheiro e um pouco de bom gosto. Importante dizer também que foi um desfile ruim para quem quer ser campeão, mas ainda assim havia sido superior a todas as escolas que haviam desfilado até então, exceção feita à Mocidade Alegre. Era inegável, no entanto, a sensação de que a campeã não havia passado. Aliás, as seis escolas que desfilariam a seguir tinham tudo para ocupar ao menos quatro das cinco primeiras colocações.

Sétima escola a desfilar, a Gaviões entrou cercada de expectativa para apresentar o enredo “A chave do tempo”. Além do talento inegável do Carnavalesco Raúl Diniz, a Torcida que Samba contava com um excelente samba e já estava melhor estruturada ao Grupo Especial. E, na Avenida, a Gaviões não decepcionou, fazendo o primeiro grande desfile de sua história.

O refrão “Me aperta, me enrosca / no vai e vem / me aperta e me chama de meu bem” pegou facilmente e as arquibancadas rapidamente corresponderam ao início da apresentação da Fiel Torcida. Os componentes mais uma vez cantaram forte o samba e garantiram uma das melhores harmonias do ano. A comissão de frente impressionou a todos pelo luxo das fantasias e pela coreografia muito bem ensaiada.

O conjunto plástico foi o melhor a desfilar até então. E com certa folga. A escola veio com carros bastante grandes para os padrões da época e, embora com pouco luxo, estavam muitíssimo bem acabados e garantiram bom efeito. As fantasias também estavam muito bonitas, e, apesar de serem quase totalmente monocromáticas, deixaram visível o bom gosto de Raúl na divisão cromática das alas, que também foi de ótimo efeito. O grande destaque foi o terceiro carro, lindo, com um Pierrot lindo, de quatro metros de altura, acompanhado de Arlequins e Colombinas. Uma das mais belas alegorias de 93.

A escola tinha visivelmente um poderio econômico reduzido em relação as três melhores agremiações do momento, mas fez, com folgas, o melhor desfile da noite até ali. Foi uma apresentação praticamente sem erros. A evolução foi perfeita, talvez a melhor e mais compacta vista no Anhembi até então, e o único ponto negativo talvez tenha sido o enredo, que acabou sendo de difícil compreensão. Para conquistar seu primeiro título, a Gaviões dependeria de um ano de desfiles bastante inferior aos anteriores, mas a escola enfim dava mostras de sua força e de que estava no caminho certo.

Inspirada na Mocidade e com um cenógrafo chileno no posto de Carnavalesco, a Nenê de Vila Matilde foi a oitava a entrar na Avenida para defender o enredo “Primeiro desejo”, sobre a importância da saúde, que, na visão da escola, era o primeiro desejo de todos nós. Apesar do pré-Carnaval conturbado, no qual carnavalesco e barracão não se entendiam muito bem, e das limitações financeiras, a Nenê mais uma vez mostrava sinais de evolução.

O nervosismo bateu nos componentes da Águia da Zona Leste logo no início do desfile, quando o carro abre-alas quebrou e quase comprometeu todo o desfile. Aos trancos e barrancos, ele foi até o fim. O desfile estava bastante simples, mas bem bonito. O enredo foi corretamente desenvolvido e soube dosar bem o que era história e o que era crítica. Mais uma vez, as fantasias foram bem superiores às alegorias, que não estavam muito bem acabadas e, embora o samba não fosse tão bom quanto o de 92, a escola fez uma apresentação ligeiramente superior, embora dessa vez não houvesse praticamente nenhuma chance de levantar o caneco.

Sem o carnavalesco Pedrinho Pinotti, que foi para a Colorado do Brás já sendo uma das maiores revelações do Carnaval Paulistano, a Leandro de Itaquera pisou na Avenida para defender o enredo “Carnaval – alegria do povo” e fez mais um desfile que não deixou saudades na comunidade da Zona Leste.

A começar pelo samba, que era muito longo e tinha quatro refrões, a Leandro não conseguiu empolgar a passarela apesar da temática simples e de fácil entendimento. Com um potencial financeiro reduzido, o Leão Guerreiro apresentou um enredo dividido basicamente em duas partes: a primeira exaltando a própria comunidade e a segunda sobre as transformações que o Carnaval provoca. Aquela coisa do pobre virar Rei, o lixeiro virar Doutor, enfim.

O problema é que, nessa primeira parte resolveu dar um tom crítico para o desfile, e aí perdeu-se o espírito mais alegre do enredo. Além do mais, o sofrimento do pobre que não tem dinheiro e encontra no samba um divertimento já havia passado em algumas escolas no Carnaval anterior e a sensação de mais do mesmo era inevitável.

O conjunto alegórico era até bastante competente, apesar de não ser exatamente um primor em criatividade. As fantasias tiveram um efeito razoável e a escola não corria qualquer risco de rebaixamento, mas também não poderia sequer sonhar com uma boa colocação. Para piorar, a Leandro foi mais uma a estourar o tempo máximo de desfile e seria penalizada em cinco pontos.

camisaverdeebranco1993dDepois do desfile da Leandro era a hora, como se diz, de a onça beber a água. As três últimas escolas eram as três maiores, as três grandes favoritas. A primeira delas a entrar na Avenida foi o Camisa Verde e Branco, já com o dia amanhecendo. Para comemorar os seus 40 anos, o Trevo da Barra Funda levou para o Anhembi o enredo “Talismã”. O título vinha do mais nobre compositor da história da escola, que carregava o apelido.

E o Camisa provou porque era talvez a maior favorita ao título. Para começar, a escola tinha mais um samba histórico. Uma obra-prima em letra e em melodia que conquistou o Anhembi e, mais uma vez, impulsionou a agremiação da Barra Funda para uma apresentação memorável.

O enredo foi muitíssimo bem desenvolvido e não caiu no erro comum em enredos desse tipo, que é se limitar a “passear” pelos desfiles marcantes da história. O lado sentimental, os grandes personagens, a mística do Trevo, tudo foi abordado com correção. Para o meu gosto, o único erro se deu ao falar das cores da escola – o verde e o branco – e encaixar no enredo coisas como a defesa da Amazônia.
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O conjunto alegórico foi mais uma vez de grande impacto, com carros grandiosos, de belo efeito e com a divisão cromática pendendo sempre para o branco, já que o Camisa desfilaria mais uma vez de manhã. As fantasias também foram de ótimo gosto e a escola só não cruzou o portão com a certeza de mais um título porque ainda faltavam as duas maiores concorrentes.

A primeira delas, Rosas de Ouro, tentou o tetracampeonato e fez mais um grande desfile. O enredo “É hoje… Um dia de festa” quebrou uma tradição da escola de adotar temas que exaltassem a cidade de São Paulo. A Roseira, no entanto, desfilou com a empolgação habitual, embora não estivesse mais acompanhada de um grande samba como nos anos anteriores.

camisaverdeebranco1993cO enredo, simples, foi bem desenvolvido e não se preocupou em estabelecer alguma ordem. As festas foram “jogadas” ao longo das alas e alegorias, exceção feita ao primeiro setor, que destacava o surgimento do calendário adotado atualmente na maior parte do Mundo e as origens de algumas festas tão antigas quanto ele. Houve um setor dedicado ao circo, outro as festas no campo, outro para as celebrações religiosas e tudo isso foi feito com extrema clareza.

O conjunto visual, apesar da competência habitual, foi inferior ao do Camisa Verde. As alegorias e fantasias estavam muito bem acabadas, mas bem menos luxuosas e imponentes que as do Trevo da Barra Funda. Foi, sem dúvida, um grande desfile, mas que ainda não parecia o suficiente para bater o Camisa.

vavai1993bPor fim, foi a vez de a Vai-Vai encerrar mais uma vez a jornada de desfiles. O enredo “Nem tudo que reluz é ouro” prometia muita polêmica, em especial pelo anunciado e badalado carro que trazia representações de Fernando Collor de Mello e PC Farias. O primeiro, havia sido deposto da Presidência meses antes. O segundo, tesoureiro da campanha, estava envolvido em toda a confusão e seria encontrado morto três anos depois.

De fato, esta alegoria foi a maior marca de um desfile grandioso da Saracura. O samba-enredo, muito bom, foi cantado a plenos pulmões pela arquibancada e foi, como de costume, acompanhado por um desempenho brilhante da Bateria de Mestre Tadeu e pela maravilhosa interpretação de Thobias da Vai-Vai. As fantasias foram as melhores da noite, com muito preto, branco e dourado. Embora o enredo fosse mais sobre enganações que sobre o ouro, sua cor predominante esteve presente em todo o desfile.vaivai1993

Apesar da fama que o carro de Collor e PC Farias carregou, o abre-alas foi a mais bela alegoria a passar pelo Anhembi em 1993. Grande em altura e largura, trazia uma iluminação pouco usual para aqueles tempos até para quem desfilava a noite. A Escola do Povo usou e abusou do preto e do branco e deixou a Avenida com a certeza de que brigaria ponto a ponto com o Camisa pelo título.

A apuração começou com uma pequena confusão: o Presidente da Leandro de Itaquera, Leandro Alves Martins, não aceitava a perda de cinco pontos por estouro de cronômetro, alegando que quando a escola iniciou seu desfile, o relógio já marcava três minutos. Ele também julgava injusto que a perda de pontos fosse a mesma de anos anteriores agora que havia os descartes, pois era mais difícil de recuperar os pontos perdidos.

Quando as notas começaram a ser lidas, Camisa, Vai-Vai e, surpreendentemente, Nenê, despontaram na frente. Depois da apuração ser paralisada pela briga entre membros da Gaviões e do Camisa, no sexto quesito, melodia, a Nenê levou duas 9 e deixou o caminho livre para a verde-e-branco e a Saracura comemorarem o título com a pontuação máxima, 100. No entanto, o Camisa teve apenas uma nota diferente de 10, enquanto a Vai-Vai levou quatro noves ao longo dos quesitos, todos descartados.

A Mocidade surpreendeu ao terminar em terceiro com 97 pontos, apenas dois a menos que a Rosas de Ouro, vice-campeã, que perdeu seu único ponto no quesito harmonia. A Nenê de Vila Matilde comemorou muito o quarto lugar, com 96 pontos, seguida pela Gaviões da Fiel e pela Acadêmicos do Tucuruvi, que ficaram a frente de Leandro de Itaquera e Peruche por conta das punições sofridas pelas duas agremiações.

A Barroca Zona Sul, com 84 pontos, se salvou do rebaixamento. Caíram a Imperador do Ipiranga, com 82, e a Colorado do Brás, que somou 80. Ao final da promulgação das notas, as diretorias de Camisa e Vai-Vai fizeram uma bonita festa, trocaram abraços e saíram cantando juntas pelo estacionamento do Anhembi.

O que pouca gente sabe, porém, é de uma confusão gigantesca que aconteceu horas antes da apuração. Essa história só se tornou pública em 2010, quando o locutor oficial da apuração, Zulu a revelou no Programa No Mundo do Samba. Nessa época, Zulu era coordenador da Liga e as notas eram recolhidas por um outro membro, que levava as notas para casa, montava uma tabela com os resultados e devolvia tudo no dia da apuração.

Tudo ia muito bem até horas antes do início da divulgação das notas, quando Zulu, já preparado para a leitura, recebeu a informação de que já tinha um pessoal da imprensa com o resultado final na mão. As diretorias armaram uma verdadeira quizomba e, sem dar maiores detalhes, Zulu, que sempre foi ligado ao Camisa, disse que a história – o empate entre Camisa e Vai-Vai – “não foi bem assim” e que a Saracura só se sagrou campeã porque a Presidente Magali optou por dividir o título. Ou seja: o Camisa teria, ao menos segundo Zulu, terminado à frente da Saracura. De todo modo, a Liga aprendeu a lição e, a partir de 1994, passou a guardar as cédulas no Batalhão da ROTA.

De todo modo, no Grupo 1, subiram, como campeã, a Primeira da Aclimação e a Unidos de São Miguel. O leitor que acompanhou o texto de 1992 deve se lembrar que não houve rebaixamento no segundo grupo naquele ano. E, vejam que ironia, a Primeira da Aclimação havia sido a última colocada, salva pela mudança no regulamento, um ano antes de conquistar o inédito acesso ao Especial, assim como a coirmã da Zona Norte. A Pérola Negra ficou mais uma vez no “quase”, terminando em terceiro lugar.

Curiosidades

– Luiz Alfredo mais uma vez comandou as transmissões da Globo junto com Carlos Tramontina.

– Um cameraman que participava da transmissão da Globo, aliás, caiu da grua de onde captava imagens e teve que ser internado. Apesar de não ter corrido risco de morte, ele teve alguns ferimentos e passou o resto do Carnaval no hospital.

– No meio do quebra-pau com o Camisa Verde e Branco na apuração, membros da Gaviões acusaram os jurados de “favorecerem as escolas fortes”. De fato, a Gaviões foi julgada com bastante rigor, mas mal sabiam eles que não demoraria muito para a escola se juntar as que eram então “favorecidas”.

– O Camisa Verde e Branco usou algumas vezes a sua fundação de 1954 para comemorar “datas cheias” em forma de enredo. Em 2014, no entanto, resolveu comemorar seu “centenário”, usando o início do Grupo Barra Funda, em 1914, como ponto de partida para a sua história.

– Foi o último desfile da Colorado do Brás no Grupo Especial até hoje. A escola passou por diversas crises ao longo dos anos e chegou até à penúltima divisão do Carnaval Paulistano, de onde saiu em 2011 para repentinamente voltar ao Grupo de Acesso, onde está hoje.

– Nem o Presidente da Unidos de São Miguel acreditava no acesso da escola. João Bosco Domingues foi pego completamente de surpresa e disse que não havia preparado nada para comemorar o acesso.

– A Folha de S. Paulo do dia 22 de fevereiro de 1993, a edição que trazia os comentários sobre o desfile, destacava que, em São Paulo, ao contrário do Rio, as escolas ainda não haviam perdido o tom crítico em seus enredos.

– A União das Escolas de Samba Paulistanas, Uesp, que organiza os desfiles dos grupos menores, pediu uma verba de 600 milhões de cruzeiros reais para a Prefeitura para trazer a Estácio de Sá, campeã do Rio em 92, para se apresentar na terça-feira de Carnaval em determinado local. Tudo certo, tudo pago e… a Estácio não apareceu, alegando estar “desmotivada” pelo desfile feito na Sapucaí. A Uesp prometeu “tomar as medidas cabíveis”, enquanto a escola carioca disse que havia acertado tudo com a Prefeitura e, portanto, não devia satisfações à entidade.

– No texto anterior, falamos sobre a Acadêmicos do Tatuapé, que estava no Grupo de Seleção B. Em 1993, a escola da Zona Leste já vencia o Grupo IV.

– A X-9 Paulistana, escola que viria a aparecer com muito destaque no fim do Século XX, se aproximou pela primeira vez do Grupo Especial em 1993. Recém-abandonando o nome “Filhotes da X-9”, a escola da Parada Inglesa foi a quinta colocada no Grupo 1.

Links

O desfile da Gaviões
https://www.youtube.com/watch?v=yffsjOFHI98

O histórico samba do Camisa Verde
https://www.youtube.com/watch?v=IW2HE8db6K0

Um trecho do desfile da Vai-Vai
https://www.youtube.com/watch?v=j8cT3aophko

4 Replies to “Bodas de Prata – “1993: vazamento de nota e título dividido entre ‘amigas’ Camisa e Vai-Vai””

  1. Caramba, que história inacreditável, sobre os desfiles assino embaixo tudo que foi escrito.

    A Gaviões foi bem prejudicada pelos jurados, e em 94 também seria.

    A Mocidade apesar da confusão toda, achei justo o 3°lugar

    Sobre o título a Camisa merecia vencer sozinhas, mas se ela aceitou dividir…

    Mais uma vez que história inacreditável, depois vou ver se acho o vídeo do Zulu comentando isso…

  2. Dahi, seria legal se você achasse algum registro dessa declaração do Zulu posteriormente para colocar aqui.

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