Algo curioso e que estamos vendo com maior ênfase nos últimos tempos é o chamado “jornalismo de celebridades” nos grandes portais de internet sobremaneira, mas não somente nestes. Especialmente a “não notícia”, como denomino.

Basta se abrir qualquer destes grandes portais noticiosos para se ver notícias como:

Marquezine embarca para os EUA e devora fritas;

Ticiane Pinheiro faz compras no mercado e mostra em selfie;

Bianca Bin anda de bicicleta na orla da Barra da Tijuca;

Selecionei três notícias, de três portais diferentes – Globo/Extra, R7 e O Dia, respectivamente, sendo a foto do alto do post da terceira – que simplesmente não informam nada de interesse jornalístico, pelo menos em minha leiga visão. Uma atriz comendo batata frita, outra andando de bicicleta e uma apresentadora fazendo compras de supermercado não me parecem, em minha visão de leigo, algo que desperte atenção jornalística. São três “celebridades” fazendo algo que eu, você leitor e qualquer pessoa fazem.

Ou seja: o sujeito faz quatro anos de jornalismo para ficar “noticiando” que a ex-BBB defecou em um bar, que a atriz que saiu com o marido de outra passou a noite em sua casa com ele ou que aquele apresentador hipócrita tomou um suco de frutas – sem açúcar! – em uma padaria do Leblon. Ao mesmo tempo em que temas como política nacional e internacional ou economia, por exemplo, sofrem com a falta de profundidade em suas abordagens. Um paradoxo.

emilinha borbaFAVORITA DA MARINHA 1949Este é um fenômeno bastante representativo destes tempos em que vivemos, onde o efêmero é mais importante que o duradouro, onde a “celebridade” é mais importante que a cultura: a audiência de uma “não notícia” com os personagens citados é maior que uma matéria sobre o conflito em Gaza, por exemplo. Poderia cair na vala comum e escrever que este é um sintoma de inversão de valores; porém, considero a questão muito mais complexa que uma simples valoração do que é e do que não é importante ou capaz de atrair a atenção dos leitores, espectadores e ouvintes.

Um mundo onde a vida se torna a cada dia mais virtual, cada dia mais voyeur, tem como consequência clássica a demanda por se viver a vida das outras pessoas, especialmente se forem famosas ou carregarem o arquétipo de “bem sucedidas”. O conceito de “bem sucedido” mudou bastante nas últimas décadas, mas não podemos atribuir à televisão ou à imprensa a mudança neste conceito. Pelo menos não totalmente, seria atribuir à “caixinha mágica” um papel que ela não tem.

Certamente este interesse no que os ‘famosos’ fazem ou deixam de fazer resulta da tomada destes como “exemplos” por parte da população média.

Por outro lado, o conceito de “famosos” sofreu uma significativa alteração – a meu juízo, para pior – nos últimos anos. Hoje para ser considerado um “famoso” ou uma “celebridade” basta ter participado de um destes “reality shows” da vida ou ter feito um papel de figurante “sênior” – ou seja, com duas falas – em pseudo-séries como “Malhação” ou coisa do gênero.

Outra possibilidade é ser a “carinha bonita da vez” da novela, posar nua “despretensiosamente” em um aeroporto ou ser xingada por um bando de manés em uma universidade de playboys com cérebros de amendoim atrofiado. Quando eu era garoto – e isso não faz tanto tempo assim – para ser considerado “famoso” haveria de se ter uma longa carreira ou, então, ser brilhante em sua área de atuação.

Os atores das novelas poderiam até ter caras bonitas, mas o que importava era o talento. Os jogadores eram conhecidos mais por seus talentos dentro de campo que por suas características fora dele – ou a conquista mais recente. Cientistas, escritores e bons músicos eram as grandes estrelas. Bons tempos.

Neymar-e-Bruna-Marquezine-deixam-balada-juntos-9366E tome “não notícias” como “Neymar beijou Marquezine”, “Neymar brigou com Marquezine”, “Marquezine de cara amarrada após autógrafo de Neymar” e coisas semelhantes. Claro que este tipo de material tem alta demanda, como expliquei acima, mas me parece haver um claro exagero neste tipo de “jornalismo”, ao transformar “não notícias” em espaços em portais, rádios e tvs.

Sem contar os “aspones” – para os leitores mais novos, sigla para “assessores de porra nenhuma” – que cercam estes componentes da indústria de consumo de massa e ficam enviando releases ou provocando este tipo de “situação”, com fotógrafos perto obviamente, a fim de ganhar alguns cliques nestas publicações. Para depois posar de “importantes” e cercear o acesso aos “famosos” que representam. Tudo muito fake, mas que vende.

Este é outro aspecto: a subordinação ao “mercado”. Não é exclusivo deste segmento “não notícia”, mas talvez seja um dos segmentos onde isto é mais escancarado. O importante é inventar a notícia que o mercado quer, ainda que não seja uma notícia “stricto sensu”, pelo menos como os manuais ou o senso comum indicariam.

Complementando – embora não esgotando, longe disso – o tema, sempre ouço dos amigos jornalistas que cobrem carnaval que “o que vende é rainha de bateria”, especialmente em grandes portais. Indo um pouco de encontro ao artigo de ontem, do colunista Leonardo Dahi, fora dos três meses pré carnaval e dos 15 dias pós, o que chama a atenção da imprensa não especializada é a movimentação destas celebridades e sub celebridades que reinam à frente das baterias.

Por outro lado, como ser rainha de bateria é algo que coloca as candidatas em exposição nestes veículos, vemos casos de moças e “financiadores” pagarem valores muitas vezes na casa dos seis dígitos para ocuparem tal posto. Na maioria dos casos é um dinheiro que ajuda a fechar as contas do carnaval, especialmente no grupo de Acesso.

4_4No Especial, em média, é mais na base da troca de exposição entre a escolhida e suas conexões e a escola. Esta, embora não embolse grana direta, em média, se beneficia da exposição alcançada fora do meio carnavalesco, o que sempre ajuda na obtenção de patrocínios. Ainda há casos como o da Portela e o da Mangueira, que são rainhas ou da comunidade ou mantidas por sua ligação com os ritimistas – falo dos dois casos em que conheço, mas certamente há outros.

Tente o leitor se lembrar que fatos referentes ao carnaval chegaram à chamada “grande imprensa” no período entre março e setembro nos últimos tempos fora rainhas de bateria e correlatos. Só citaremos a contratação de Paulo Barros pela Mocidade neste 2014 e, em menor grau, as eleições de Portela e Mangueira ano passado. E olhe lá.

Pretendo voltar ao tema, mas, enquanto isso, leitor, não se esqueça de se solidarizar com o jornalista que é destacado a este tipo de “notícia”…

Imagens: O Dia, Extra, Ego/Paparazzo e reprodução de internet

5 Replies to “O jornalismo da “não notícia” – celebridades, aspones e correlatos”

  1. Eu acho que é uma questão de comodismo – é muito mais fácil se especializar em uma atriz comendo batata frita que no conflito em Gaza – misturada com uma demanda cada vez mais frenética de saber cada passo que o seu ídolo dá. E, pelo menos a curto prazo, não vejo esse cenário mudando muito não.

  2. É questão de audiência.

    Veja vc mesmo, Pedrão. Dedicou um longo tempo de seu dia a escrever sobre isso, inclusive colocando links e etc. Você lê essas notícias, elas lhe atraem de alguma forma. Isso acontece não apenas com você, claro, mas com um determinado mercado.

    Se tem mercado, ajusta-se a oferta.

    E o descrito acima vale identicamente para o BBB.

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