Já disse aqui, dezenas de vezes, que fui criado na vizinhança do Maracanã (o ex-maior do Mundo), só que volta e meia aparece leitor novo, vou precisar repetir. Para quem morava ali na Rua Dulce e arredores, ir ao Maracanã era a maior e mais barata diversão possível, virtualmente de graça até: pouca gente sabia, mas os portões abriam no intervalo do jogo e era possível assistir ao segundo tempo sem pagar.

Nasci e cresci assim, vendo um jogo atrás do outro. Eu e todos os meus amigos, viciadíssimos em futebol. E ninguém ia para casa quando terminava o jogo, o mais divertido era justamente esperar os derrotados chegarem do Maracanã e poder sacanear até o cara não aguentar mais. Eu tantas vezes quis fugir nos dias mais sombrios do Flamengo, mas não tinha como, a concentração era na Pracinha, bem em frente à casa onde eu morava.

Copa do Mundo sempre foi animada por ali, a gente pintava as ruas (o micro bairro era uma confluência de três ruas), uma vez aparecemos no Fantástico, em 1982 fizemos um bloco e desfilávamos pelas ruas da Tijuca, eu com 14 anos, descobrindo a vida. Mas o Brasil sempre ficava pelo meio do caminho, paciência.

Eu tenho um projeto de livro pela metade, com o título provisório “Nós que Odiávamos Tanto a Seleção”. Nunca vi, desde 1974, quando debutei em Copa do Mundo (1970 não vale né, ainda dormia de fraldas), uma seleção tão divorciada do torcedor e da imprensa. Agora mesmo, com todo esse mau humor que nos assola e faz com que gente até ameace torcer contra o Brasil, o sentimento não chega nem aos pés do que acontecia em 1994. Existia uma certeza, inabalável, de que o time fracassaria e voltaria dos EUA com um vexame na bagagem.

Brasil 94 2Foi a primeira vez que eu vi gente torcendo por suas próprias convicções, ao invés de torcer pelo time que diziam amar. Para desespero dos futuristas de ocasião, a Seleção Brasileira ia desdizendo em campo as previsões sombrias.

Havia mesmo algo de muito esquisito naquele time. Ao invés dos frangueiros de sempre, um goleiro que era apenas mediano no seu clube de origem, mas na seleção era um monstro. No lugar de laterais brilhantes e decisivos, os comuns Jorginho e Branco (antes, Leonardo). Zagueiros que apenas zagueiravam, como Marcio Santos e Aldair. Dois atacantes geniais, ok, Romário e Bebeto, esses ninguém discutia.

Mas o meio campo…

Mazinho, Mauro Silva, Dunga e Zinho (com algumas aparições de um apagado Raí) era um tapa na cara do orgulho brasileiro, acostumado a desfilar a exuberância da beleza plástica de seu futebol.

Parreira e Zagalo perceberam, um pouco antes que o resto do país, que desde que a Holanda encantara o mundo em 1974 (e misteriosamente fracassara), o talento individual raramente bastava para formar um time campeão – a menos que você se chamasse Diego Armando, lamentavelmente nascido na margem de lá do Rio Uruguai. E resolveram montar uma equipe cujo objetivo não era encantar, mas sim conquistar. O que dá alegria, de verdade, é a vitória, a taça guardada no armário. Simples, mas de difícil compreensão para uma nação que dá pouco valor à marcação e ao posicionamento tático.

Quanto mais a Seleção avançava, maior a raiva dos seus detratores e dos que previram seu fracasso de véspera. Isso, claro, na imprensa. Porque na torcida a evolução foi rápida, da desconfiança à euforia em questão de dias. E foi assim, nesse clima de perplexidade, que comecei a me preparar para a grande final.

Brasil 94 3A casa dos meus pais era uma das maiores da rua e tinha um pequeno quintal, que a gente quase não usava, mas naquele dia resolvi fazer um churrasco. Acordei cedo e encontrei alguns vizinhos mais chegados, que toparam o convite. Desci minha pequena TV de 21 polegadas para o quintal, ajustei a antena (claro, TV a cabo ainda não tinha chegado à Tijuca) e fui comprar a carne. Acendi o fogo por volta de meio-dia, o plano era reunir umas 10 pessoas.

Só que não parava de chegar gente. Mesmo sem me perguntar, conhecidos passavam no supermercado, compravam meio quilo de carne, uma caixa de cerveja e se juntavam. Duas horas antes do jogo começar já éramos umas 50 pessoas se espremendo em um espaço pequeno. Eu olhava a quantidade de botafoguenses, vascaínos e tricolores por ali e me dava conta que era a primeira vez que estávamos em absoluta trégua – porque em outros anos jogos da Seleção sempre eram motivo de clubismo.

Na hora dos pênaltis, a catarse máxima: homens feitos, todos chorando antes da hora, efeito das muitas cervejas e de uma tensão ímpar de um jogo que insistia em não sair do zero a zero. Li outro dia que já foram batidos 204 pênaltis decisivos em Copa, mas apenas 19 bateram na trave ou foram para fora. Pois não é que naquele dia o pênalti mais importante passou bem por cima do gol?

Não vi Galvão gritando, não vi Pelé comemorando, não vi absolutamente nada. Eu vi uma montanha de amigos berrando e se abraçando como nunca tinha visto e nunca mais voltei a ver. Foi, sem sombra de dúvidas, o dia mais feliz da minha vida, esportivamente falando – e olha, como eu lembro o Mundial que o Zico foi buscar, afinal tinha 14 anos naquele dia mágico. Mas nada, nada mesmo, foi tão marcante como aquela tarde de 17 de julho.

brasil 94 4E o jogo? Ora, do jogo não me lembro nada, tem aí no YouTube, tem 1 milhão de resenhas sobre ele, algumas até mal humoradas, porque até hoje ainda se acha quem lamente aquela vitória, do futebol “feio”, como se pudesse haver feiúra no triunfo. Vai lá e confere, prefiro nem lembrar ao certo o que ocorreu.

O que me emociona é atmosfera. Se passaram só 20 anos, mas a gente via TV de tela pequena com antena comum, comia churrasco no quintal, bebia cerveja sem se importar com a marca, aparecia na casa dos vizinhos sem pedir licença e amávamos aquela Seleção como ninguém mais amava. Era tanta felicidade concentrada que fica difícil acreditar que alguém pudesse amaldiçoar o futebol ou detestar a Copa.

Quando foi que viramos uma nação de mal-humorados? Não lembro mais. Só sei que eu vim do passado, onde a gente era obrigado a ser feliz. Tô fechado com o Felipão e a Seleção. Corvos, fora do meu quintal!

http://www.youtube.com/watch?v=UXsiv77DkP0

One Reply to “Meu jogo Inesquecível: “Brasil x Itália, 1994 – O Mundo em Meu Quintal””

  1. Perfeito, Waltinho!
    Tivemos uma infância ímpar “onde a gente era obrigado a ser feliz”.
    Inesquecível, Brasil x Itália – 1994, na nossa saudosa Rua Dulce.
    Marcinha.

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