Luiz Felipe Scolari é um homem de sorte. Como diz o ditado, quanto mais ele trabalha, mais sorte dá. O fato é que ele se colocou numa posição relativamente confortável, considerando a pressão a que os técnicos anteriores (inclusive ele) estavam submetidos às vésperas das últimas Copas.

Felipão está tão tranquilo, de bem com torcedores e imprensa geral, que parece que falta mais de um ano para a competição. O fenômeno se torna mais expressivo considerando-se que a Copa é aqui mesmo no Brasil.

Certamente, a pressão aumentará à medida que o Brasil vá cruzando com adversários mais difíceis, mas o clima pacífico, até aqui, é fruto de um pouco de sorte, mas também é resultado de um cuidadoso planejamento.

Comecemos pela pergunta que dá título à coluna. Na maioria dos casos, trocados os nomes dos jogadores solicitados ao técnico, a pergunta se faz meio que na galhofa, talvez na base da leve sugestão e, raramente, em tom de exigência.

cbf3Hernane, o Brocador, manteve uma boa média de gols no ano passado, virou ídolo da maior torcida do País. Em outros tempos, isso poderia ter se tornado um pesadelo para um técnico que não pensasse em chamá-lo. Felipão, manteve a coerência, destacou que teve esta coerência, e prestigiou Fred, seu escolhido. Não apenas chamando-o, dizendo que acreditava em sua recuperação a cada uma das várias vezes em que esteve contundido, destacando sua qualidade técnica mesmo quando passou por momentos negativos. Ora, isso traz a discussão para seu devido lugar: Fred e Hernane, deixadas de lado as loucas paixões clubísticas, pertencem a universos qualitativos diferentes. Fred é jogador de seleção; Hernane passou por uma boa fase.

Felipão manobrou de maneira ainda mais brilhante com outro de seus escolhidos: o goleiro Júlio César. Criticado pela sua idade, por ter falhado num dos gols do jogo fatal contra a Holanda em 2010, por ter deixado de ser goleiro de time grande, Júlio é uma escolha da confiança do treinador. Ambos souberam ser leais ao pacto que fizeram. O goleiro manteve-se em atividade, ainda que tenha que ter ido parar no Canadá. Mas lá, ao menos, ele joga. Por outro lado, o técnico antecipou sua convocação em quase um ano, de forma a blindar, ou ao menos diluir, as possíveis críticas ou clamores por outros candidatos à vaga. Isso isola, por exemplo, o pedido pelo bom goleiro Fábio à torcida do Cruzeiro e parte inexpressiva da imprensa mineira.

Este planejamento da CBF e do Felipão recebe os reforços externos e involuntários de alguns fatores. Não há, no momento, um jogador polêmico em grande fase técnica, como já foram os casos anteriores de Romário, Djalminha, Marcelinho, Renato Gaúcho, Edmundo, Leandro etc. Ou jovens recém-revelados, como Neymar e Ganso há quatro anos. Apesar de haver boas opções para cada uma das posições, também não há excesso de talentos em nenhuma posição específica. Houve uma geração que dispunha, ao mesmo tempo, de centroavantes como Roberto Dinamite, Careca, Serginho Chulapa, Nunes e Reinaldo, todos com seus prós e contras, como no período de 1978 a 1982. Todos eles jogando em clubes de massa no Brasil, o que tornava o corte de qualquer um, uma dor de cabeça para o técnico da seleção. Neste sentido, não deixa de ser um lance de sorte que Adriano tenha abandonado a profissão, que Ronaldo tenha se deixado vencer pelo peso, que a fase de Luis Fabiano seja tão claramente ruim; se todos estivessem jogando em alto nível (e teriam idade para isso) seria mais difícil renovar o ataque do time.

Há também os fatores que impactam no psicológico da torcida. Hoje, a maioria dos grandes jogadores atuam em clubes da Europa, de modo que os vínculos com as torcidas dos clubes brasileiros que os revelaram não são tão estreitos e não carregam níveis de paixão e idolatria. Desta forma, é mais fácil construir uma equipe nacional, sem clubismos para atrapalhar. As polêmicas em torno da organização da Copa, dos prazos das obras, dos movimentos de protestos, do relacionamento com a FIFA, dos custos dos estádios, tudo isso tira a atenção que poderia estar sobre o técnico.

CBF2No entanto, seria um erro supor que a Copa não despertará paixões no momento em que a bola rolar. Felipão tem o crédito das boas atuações da seleção nos jogos preparatórios. Um tropeço na estréia já transformará esta lua de mel em preâmbulo de crise. Um técnico experiente sabe disso. Sabe que a missão obrigatória é levantar a taça. Por isso, apesar de acontecer sob baixa pressão, o anúncio dos convocados, que ocorrerá em breve, é um momento fundamental.

Vamos fazer, em seguida, um breve levantamento, posição por posição, dos prováveis convocados na próxima quarta feira, e das pouquíssimas vagas que restam. Como forma de diluir ainda mais os impactos deste momento, Felipão fingiu cometer uma pequena gafe e adiantou alguns nomes-chave. Vamos considerar estes nomes, e que eventuais contusões de última hora não ocorrerão.

GOLEIROS – Júlio César já está convocado. Pela lógica das últimas convocações, o segundo nome parece certo: Jefferson. Sobra a terceira vaga, que ficaria entre Victor e Diego Cavalieri. Nenhum dos dois fez nada de extraordinário que lhes garantissem ou roubassem pontos nas oportunidades que tiveram. Nem vivem fases especialmente boas ou ruins. O mais provável e coerente é que Felipão escolha entre um dos dois. Meu palpite vai para Victor.

ZAGUEIROS – David Luiz e Thiago Silva firmaram-se como titulares incontestáveis e são grandes destaques nos campeonatos europeus. Dante é respeitado no Bayern e é o reserva imediato na zaga. Sobra a quarta vaga, entre Dedé, Miranda, Marquinhos, Réver e Henrique. Aposto em Miranda, ainda que ele não tenha aparecido em convocações anteriores de Felipão. Mas é um defensor conhecido, experiente, com passagens na seleção e tem tudo para faturar em cima de sua boa fase liderando a defesa do time-sensação da Europa nesta temporada: o Atlético de Madrid. Contribui a seu favor Dedé não ter mostrado novamente o estilo exuberante dos bons tempos de Vasco, apesar de ter se recuperado da péssima fase inicial no Cruzeiro. Marquinhos é promissor, mas ainda jovem demais para a zaga da seleção. Réver volta de contusão e Henrique trocou o Palmeiras pelo Nápoli em péssima hora. Todos têm méritos e chances, afinal, é apenas a quarta vaga e dificilmente entrarão em campo na Copa.

cbf6LATERAIS – Daniel Alves e Marcelo passaram da condição de craques polêmicos a estrelas incontestáveis. O amadurecimento de ambos contou a favor. As vagas dos reservas estão abertas, entre poucos candidatos. Pela direita, Maicon é uma incógnita, por conviver entre altos e baixos nos atributos físico e técnico. Parece que seria a opção natural do treinador, mas Rafinha deixou de ser um reserva de luxo no Bayer e ganhou a titularidade com Guardiola. Ganhou espaço também na seleção, e é minha aposta. Marcos Rocha, em péssima fase, parece descartado, assim como Jean. Pela esquerda, Maxwell parece ser a opção mais coerente com as recentes convocações (e é minha aposta). Adriano levaria a vantagem de atuar pelos dois lados, mas algo pode ter acontecido extra-campo para ele ter perdido a confiança da comissão técnica, ou talvez pelo fato de não ser titular no Barcelona. E Felipe Luis pode voltar a ser lembrado por dois motivos: a fase ganhadora do Atlético de Madrid e pelas suas características mais fortes na defesa.

VOLANTES – Luiz Gustavo mostrou ser um dos trunfos de Felipão. Uma das providências que o técnico tomou ao assumir a seleção foi escalar um volante mais fixo, especialista em marcação, de maneira a fortalecer a defesa. Luiz Gustavo firmou-se como o homem certo para a função, por atuar com responsabilidade tática e dar opções de saída de bola, não tendo as limitações técnicas típicas de cabeças de área fixos. Caso ficasse no Bayern nesta temporada, provavelmente não estaria jogando, já que Guardiola tem boas opções na posição, e tem deixado de fora até o excelente espanhol Martínez. Luiz Gustavo compreendeu o recado de que deveria se manter jogando, transferiu-se, e sua postura adequada garantiu sua convocação. Paulinho é outro confirmado, como segundo volante. A meu ver, tem tudo para ser o grande nome da Copa. Fernandinho e Ramires fecham a posição, já que é ali que Felipão parece querer aproveitá-los como opção. A freqüente utilização que Mourinho faz de David Luiz como volante no Chelsea, com sucesso, tira de Felipão a obrigatoriedade de convocar um segundo volante fixo. Com isso, tornam-se ínfimas as chances de Fernando e Lucas Leiva. Por outros motivos, Sandro e Rômulo já tinham as portas fechadas. Casemiro demorou a estourar na Europa e nem chagou a ter a chance de lutar por uma vaga.

MEIAS – Oscar já era nome certo e William foi confirmado para uma segunda vaga. No esquema que caracterizou esta passagem de Felipão pela seleção, com dois volantes e três atacantes (um fixo na área e outros dois abertos e recompondo o meio), sobra apenas uma vaga de meia de origem entre os titulares. Supostamente duas, entre titular e reserva. Mas é possível – e é aí que reside a única grande dúvida da convocação – que seja convocado um terceiro meia, com a supressão de um atacante reserva. Neste caso, são vários os candidatos e possibilidades. Um deles é Hernanes, O Profeta (nada a ver com o Brocador), valorizado na Itália, mas que parece sempre em descompasso com a CBF, sua comissão técnica e não tem a confiança de Felipão. No entanto, sua qualidade e as opções táticas que dá ao treinador (é volante de origem, atua como meia, chega bem ao ataque, chuta bem de fora, bate faltas) faz com que possa ser lembrado. Outro que pode aparecer de surpresa é Philippe Coutinho, pela excelente fase na Premier League. Kaká recuperou seu bom futebol tarde demais, e a má fase do Milan não ajuda em nada, mas sua experiência, liderança positiva e força de vontade podem contar pontos. Ronaldinho Gaúcho, que já foi visto como principal candidato a preencher esta cota de experiência no grupo parece ter jogado fora todas as suas chances. E Ganso, que poderia ter sido o craque desta geração, infelizmente tornou-se um jogador comum.

cbf4ATACANTES – O trio titular está na ponta da língua dos torcedores: Hulk, Neymar e Fred. São nomes certos. Bernard foi sistematicamente incensado por Felipão, e não há como ficar de fora. Sobram uma ou duas vagas. Se optar por levar um terceiro meia, a única vaga que sobra seria para a reserva imediata de Fred, o atacante fixo que prende a zaga adversária na área. A utilização de um jogador com esta característica foi outra das mudanças implementadas por Felipão ao assumir o time, já que Mano preferia um ataque apenas com os pêndulos Hulk e Neymar. Sendo Fred um jogador de saúde frágil, é inevitável que Felipão leve outro atacante de área. O nome seria Jô, que aproveitou bem as chances que lhe caíram no colo, apesar de não ser nenhuma sumidade técnica. Ao contrário, os então promissores Leandro Damião, André e Alexandre Pato desperdiçaram a chance de estar na Copa. Este último, nos mínimos detalhes da cartilha de como afundar a própria carreira, inclusive ao recusar a oportunidade de atuar mais dentro da área, entre os zagueiros adversários.

 Portanto, somam-se aos candidatos a uma terceira vaga de meia, os candidatos a uma sexta vaga de atacante. Lucas, com a opção que dava de acrescentar velocidade na ligação entre meio e ataque, foi se ofuscando desde que se mudou para a França. No sentido contrário, Robinho recuperou o prestígio quando apareceu numa das últimas convocações, apesar de sua péssima fase em meio à fase ainda pior de seu Milan; suas chances equilibram-se no cabo de guerra entre suas atuais condições e o apadrinhamento do principal nome da companhia: Neymar.

CBF5Assim, Felipão não deixa brechas para grandes surpresas, nem grande expectativas, sendo que a única dúvida gravita em torno do nome que simbolizará sua opção tática guardada na manga para uma situação atípica durante a competição: mais volantes, mais meias, mais atacantes, mais experiência, mais juventude. Apenas uma dessas coisas, apenas um nome. Se fosse o caso de guardar uma surpresa real para última hora, um nome para se tirar da cartola, minha aposta seria em Lucas Piazon, jovem meia-atacante do Chelsea, mas que atualmente tem brilhado por empréstimo na campanha surpreendente do pequeno Vitesse da Holanda. Mas Felipão tem sido muito comedido para vir com surpresas agora.

PS – a Globo.com publicou uma página interativa chamada “você convoca”. Convoque seus 23 jogadores em  http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/vc-convoca.html

Imagens: Rafael Ribeiro/CBF

7 Replies to “Sobretudo: “E o Hernane, Felipão?””

  1. Depois da conquista da Copa das Confederações, o que o Felipão fizer antes de começar a Copa do Mundo, a torcida aceitará!

    1. Como escrevi à época aqui mesmo, sou crítico feroz do Felipão mas ele armou o time muito bem taticamente para ganhar da Espanha

    1. Emerson, perceba que a frase termina com “nas oportunidades que tiveram”. Eu me referia, é claro, às atuações dos goleiros reservas jogando PELA SELEÇÃO. Em seus clubes, todos os candidatos foram bem e justificaram as respectivas convocações. Victor foi fundamental nas Libertadores do ano passado.

  2. Convocação sem sobressaltos, perto do que todo mundo imaginava.
    GOLEIROS
    Jefferson
    Julio Cesar
    Victor
    ZAGUEIROS
    Dante
    David Luis
    Henrique
    Thiago Silva
    LATERAIS
    Daniel Alves
    Maicon
    Marcelo
    Maxwell
    MEIAS
    Fernandinho
    Hernanes
    Luiz Gustavo
    Oscar
    Paulinho
    Ramires
    William
    ATACANTES
    Bernard
    Fred
    Hulk
    Jo
    Neymar

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