A campanha eleitoral fervia. Dois dias depois, era a vez de Juscelino Kubitschek fazer seu pronunciamento. A comparação da entrevista do governador de Minas com o a do general Juarez Távora era inevitável, segundo Corbisier.

O discurso de Juscelino mereceu elogios: “Uma pessoa normal, equilibrada, lúcida, com excelente memória e experiência administrativa, e amplo e profundo conhecimento”[1]. Já o general, “falara com violência, dera murros na mesa enquanto falava, numa atmosfera de exaltação.”

fotoA adesão do PTB à candidatura de Juscelino à Presidência, com João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Vargas, lançando-se à vice-presidente na chapa, levou o jornal O Correio da Manhã a romper com o candidato do PSD. O jornal havia lutado contra a interferência das Forças Armadas na vida política do país, contra o golpe. Tal atitude era questionada por Corbisier: “Mas então, se não poderiam as Forças Armadas interferir na vida política, por que poderia fazer isso a imprensa, vetando a candidatura?”[2]

A candidatura de Juarez Távora ganhara a antipatia de Carlos Lacerda. Corbisier continuava tentando decifrar o motivo do general não ter se candidatado à Presidência pela UDN, e sim pelo PDC. Pensara na hipótese de que, possivelmente, o general chegara a conclusão de que a candidatura pela UDN representaria uma “condenação à morte”[3], podendo se tornar “um segundo Eduardo Gomes”.[4]

Num programa, Corbisier comentava que o lançamento da candidatura de João Goulart à vice-presidente, na mesma chapa de Juscelino, causara repulsa em alguns setores do PSD.[5] E que o mesmo acontecera no próprio PTB, sendo a composição PSD-PTB bastante contestada. Havia boatos de dissidências: Alberto Pasqualini poderia ser o vice de Juarez Távora e até mesmo Oswaldo Aranha poderia surgir como candidato de conciliação.[6] Para Corbisier, essas insatisfações seriam atos de indisciplina e traição, que deveriam ser repelidos e punidos pela direção do PTB. Afinal, descontentes deveriam sair do partido.[7]

Antonio de Novais Filho, senador do PSD pelo estado de Pernambuco – e um dos fundadores do partido -, fizera uma emenda propondo a reforma eleitoral: a eleição pelo Congresso, do presidente da República, caso nenhum candidato alcançasse maioria absoluta dos votos. Corbisier dedicara três programas de rádio para analisar a proposta do senador. Para ele[8], o político pernambucano, ao adotar essa proposta, mostrava inclinações udenistas. Tratava-se, para ele, de um “golpe legal”, uma clara amostra de desespero político de pessoas que desejavam permanecer no poder.[9]

A candidatura do general Juarez Távora refletia nele a idéia de que a possibilidade de golpe militar estava afastada. Sinalizava-se o desejo dos militares em participar do jogo democrático. Entretanto ele suspeitava das movimentações, nos bastidores, de grupos políticos claramente conspiradores, ligados à UDN e ao Clube da Lanterna. As regras do jogo não podiam ser alteradas faltando apenas quatro meses para as eleições, com os três maiores partidos nacionais – PSD, PTB e UDN -, já com seus candidatos lançados e com compromissos assumidos.[10]

A emenda do senador Novais Filho, do ponto de vista jurídico, invocaria a Constituição de 1891. Ao exigir a maioria absoluta, garantiria ao candidato eleito a base parlamentar necessária para que o presidente governasse de fato. Para Corbisier, não havia sentido resgatar naquele momento a Constituição de 1891, identificada com um “velho Brasil”, agrícola e patriarcal, anterior à industrialização e urbanização do país. O aspecto político seria o ponto mais grave da proposta. Ele achava que por trás do argumento reformista das leis eleitorais, tramava-se uma agressão às instituições, proibindo os eleitores do direito de voto. Era uma proposta claramente com objetivos contrários à candidatura de Juscelino.[11]

Adauto Lúcio Cardoso fora outro personagem citado no programa de rádio de Corbisier. O deputado federal da UDN estava à frente da proposta de se criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os bens dos candidatos à Presidência.

chapaPara Corbisier, Adauto, assim como Carlos Lacerda, deveriam ser investigadores de Polícia, já que tinham a mania de denunciar, acusar, julgar e condenar, sendo nocivos à formação política e moral do país, criando uma atmosfera de terror e sobressalto. Afinal, escândalos não atingiriam apenas as pessoas. Mais do que isso: atingiriam as instituições, abalando a confiança do povo. Corbisier rechaçava a proposta de CPI. Os candidatos não deveriam se submeter a esse tipo de manobra. E caso a proposta fosse realmente levada adiante, a CPI funcionaria como um tribunal, não para fazer justiça, para desmoralizar candidaturas.

No último programa de rádio[12], Corbisier comentava a entrevista concedida por Juscelino Kubitschek ao jornal Última Hora, ressaltando o entusiasmo, a capacidade de crer, o gosto pela realização e o empreendimento, além de sua esperança nas eleições daquele ano. Na entrevista, Juscelino dissera que

“Não há abismo algum capaz de conter o Brasil. O país é maior do que o abismo em que há tanto tempo o pretendem lançar. Um país jovem e com vitalidade do Brasil só precisa que lhe deem os instrumentos para a sua construção. A conclusão que trago dessa peregrinação extensa é de que os governos precisam andar depressa para não serem superados pelas forças espontâneas da terra e da gente do interior”.[13]

 Roland Corbisier fechava, assim, um ciclo iniciado em 20 de dezembro do ano anterior. Os programas de rádio, mais do que constituírem uma plataforma que ecoasse sua voz, em defesa da legalidade do processo eleitoral, deixam transparecer a participação de um intelectual na política. Decerto que Corbisier tivera contato anteriormente com a política, quando brevemente pertencera às hostes integralistas, mas a vivência com a política partidária, que os programas de rádio proporcionaram, era até então fato inédito em sua vida. Nos anos 1950, germinava uma consciência nacionalista em Roland Corbisier, que o acompanharia nos próximos anos, à frente do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e depois como parlamentar do PTB.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CORBISIER, Roland. JK e a luta pela presidência. São Paulo, Duas Cidades: 1976.

Notas:


[1] Programa. 20/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[2] Programa. 21/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[3] Programa. 23/05/1955.

[4] Idem.

[5] Programa. 25/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Programa. 28/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[9] Idem.

[10] Programa. 28/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[11] Idem.

[12] Programa. 02/06/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[13] Última Hora. 01/06/1955.