Neste final de semana entramos, finalmente, em Junho, mês da Copa do Mundo FIFA 2014. A discussão está em torno das nuances políticas e revoltosas do evento, com vários textos publicados sobre isso aqui no Ouro de Tolo, nesta semana. Nas redes sociais, os que acharam que a Copa seria um Messias que levaria o Brasil ao patamar desenvolvido, sempre imaginado por muitos, neste momento praguejam e usam de argumentos superficiais e vazios para demonizar o torneio, como citei no meu último texto. Enfim, vou sair um pouco desse eixo e tratar de outro assunto.

Não há dúvidas que os três maiores eventos esportivos globais são a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, tanto de Verão, quanto de Inverno. Quando chegarmos em 2022, seis dos últimos 11 eventos do gênero – pelo menos – terão sido sediados em países que formam os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e que são apontados como as nações que mais galgam posições rumo ao topo da hierarquia mundial. E desses cinco países, apenas a Índia não terá sido visitada por FIFA ou COI.

tajmajalAlém disso, a Coreia do Sul, que é considerada acima desses cinco países, mas ainda abaixo das tradicionais “potências”, receberá as Olimpíadas de Inverno em 2018. O Catar, paraíso petrolífero, sediará a Copa do Mundo em 2022, e Istambul, na também emergente Turquia, ficou perto de ser premiada com as Olimpíadas de Verão de 2020.

Curiosamente, em 2008, os países dominantes do cenário mundial entraram em crises econômicas, e outras nações emergiram como possíveis vencedoras deste cenário. Some-se a isso a desculpa de FIFA e COI de difundir o esporte, mais o filão, descoberto nos anos 1990 e começo dos 2000, de construções de faraônicos aparelhos esportivos, que resultam em especulação imobiliária e bons lucros, e temos os grandes eventos saindo do eixo de países desenvolvidos e/ou tradicionais no esporte.

Fora que não é segredo para ninguém que muita gente na FIFA e no COI não são flores que se cheirem. Estas necessidades de construções gigantescas facilitam muitas coisas, se é que vocês me entendem.

Sim, é bom ver o esporte e esses grandes torneios sendo espalhados pelo mundo. Por outro lado, os países emergentes atuais trazem alguns problemas diferentes das sedes tradicionais. São países que tem corrupção permeada, o Brasil é burocrático, Rússia e China não são exemplos de democracia e respeito aos direitos humanos, a África do Sul tem forte desigualdade social, e o Catar, tal como boa parte do “Mundo Árabe” tem características totalitárias, além das previstas milhares de mortes, até 2022, de escravos que trabalham nas construções da Copa.

Outro fator é a tradição esportiva desses países. Tenho uma opinião que este quesito devia ser primordial na escolha de uma sede, principalmente, de Copa do Mundo. Bem, África do Sul, Rússia e Catar (!!!) não são lá os países com mais currículo e destaque do futebol.

O Catar é o elefante numa loja de cristal. Não vai dar certo. Os paraísos petroleiros são sedes de outros eventos importantes e sempre recebem públicos escassos e frios, fora a questão do calor desértico. Enfim, uma lástima motivada pelos petrodólares – que a FIFA deve ter adorado…

Por outro lado, o Brasil, pentacampeão mundial, recebe sua primeira Copa em 64 anos. Em minha opinião, outra lástima. Acredito que, por causa da tradição no esporte, o Brasil já tinha passado da hora de receber outra Copa, sim – acalme-se caro leitor da corrente #NãoVaiTerCopa.

26nov2013---neve-cobre-campo-de-futebol-no-estadio-arena-khimki-em-moscou-na-russia-1385492021633_956x500Apesar disso, é claro que existem problemas como corrupção, superfaturamentos e higienizações reprováveis, mas que são superestimados excessivamente pelo negativismo endêmico do Brasil e, também, pela demonização da Copa por certos setores.

As Olímpiadas também desbravam outros horizontes. Os Jogos de Verão do Rio de Janeiro, em 2016, serão os primeiros em terras sul-americanas da história – considerando verão e inverno. 2008 viu Pequim fazer uma Olimpíada com aparelhos esportivos monumentais.

Porém, como o colunista Rafael Rafic citou, as Olimpíadas requerem um investimento em infraestrutura bem mais profundo que a Copa. Não são poucos que defendem a tese de que os gastos da Grécia, nos Jogos de Atenas, em 2004, foram questionáveis e um prenúncio da crise grave que o país entraria mais tarde. Leve-se em conta que a economia grega é menor que a chinesa e a brasileira.

Os Jogos de Inverno muitas vezes foram realizados em vilas rodeadas por montanhas. Grenoble, nos Alpes franceses; Lillehammer, na Noruega; Lake Placid, nos Estados Unidos; ou Cortina d’Ampezzo, nas belíssimas Dolomitas italianas – aliás, o COI devia voltar àquela região com uma Olimpíada um dia. Aqui também houve um mudança de rumos, para fora dos países, que são os grandes reis na neve.

Par7092301Neste ano, Sochi, na Rússia. A Olimpíada mais cara da história, com 51 bilhões de dólares de custo. Além disso, outra decisão estabanada – mas não inocente. Sochi é um balneário russo, e os Jogos de Inverno de 2014 chegaram a ter 19 graus (positivos) de temperatura. É que tem pouco lugar frio naquele país…

Em 2018, o COI decidiu voltar a uma cidade menor, de 43 mil habitantes, cercada por resorts de esqui. No caso, Pyoengchang, na Coreia do Sul, aqui já citada. Mas os próprios Jogos de Inverno, que têm escolhas limitadas de sede (por motivos lógicos), vão explorando novos lugares, e países emergentes.

Contudo, estas escolhas evidenciam um problema desses grandes eventos. Como são países com pouca estrutura prévia, dispostos a gastar, mais a megalomania criada pelas aberturas cada vez mais bem elaboradas e gigantes, tal como os aparelhos esportivos, as candidatas começam a ficar restritas.

Como FIFA e COI aderiram à megalomania, e fazem exigências cada vez mais minuciosas, fica cada vez mais caro organizar um evento deste calibre. Mais do que as correções econômicas preveriam. Com isso, locais de tradição esportiva, que não querem gastar nessa loucura, ou tem estrutura (e isso não atrai mais), ficam longe destas competições.

Para os Jogos de Inverno de 2022, após várias desistências de países do eixo EUA-Europa Ocidental, as favoritas são Almaty, no Casaquistão (outro emergente), e Pequim, na China, que não é lá um lugar que ofereça resorts de esqui próximos, para as competições do gênero.

Ou seja, entre 2008 e 2022, há uma chance enorme de nove das 12 edições dos supereventos esportivos mundiais terem sido em países considerados emergentes, e algumas vezes, incipientes na modalidade/esporte em geral. O esporte definitivamente segue a lógica mundial e ruma na maré dos emergentes, dos BRICS, dos petrodólares, dos futuros grandes.

Tanto a Copa de 2014, como as Olimpíadas de 2016, são parte dessa história. E acima de tudo, são excelentes oportunidades para a nação se mostrar, já que todo mundo vira seus olhos para a Copa ou Olimpíadas. A África do Sul se beneficiou turisticamente disso. Teve sua imagem melhorada. Por isso, mencionei os possíveis danos de uma revolta violenta e acéfala durante a Copa, na minha última coluna.

Se você acha que o Brasil só tem a perder com os grandes eventos, está redondamente enganado, já que eles não estão aqui por acaso.

4 Replies to “Cartas do Freezer: “O esporte surfa na maré dos emergentes””

  1. COI e Fifa vão atrás de dinheiro… assim como a F1 foi , mas não podemos deixar de ressaltar que a banda toca diferente nesses lugares…. Corrupção , promessas e um nababo incrivel são marcas desses países… veja se na Alemanha e na França se faz estádio que não vai usar depois… mas veja na Grécia e Portugal( Olimpiada e Euro)….

  2. Alemanha teve o caso de Leipzig, que somente agora, oito anos depois, é que começa a ser utilizado

  3. Como uma pessoa que acompanha bids olímpicos diariamente, também já havia percebido essa mudança, especialmente do COI (a eleição de sedes de copa pela FIFA ainda é muito obscura para lervarmos em consideração).
    Esse movimento também já foi percebido pelo novo presidente do COI, Thomas Bach, que já montou uma equipe para estudar o caso e facilitar novos bids.
    As mudanças a serem propostas serão votadas em dezembro. Esperem grandes mudanças nas escolhas de sedes olímpicas.

  4. Texto brilhante. Não é nada de muito importante, mas Índia e China estão no páreo para receber o Mundial de Clubes no biênio 2015/2016.

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