A coluna de entrevistas do compositor e advogado Alexandre Valle hoje nos traz Amanda Mattos, Madrinha Eterna de bateria da União de Jacarepaguá.

Sambando com Elas: Amanda Mattos

Vinte e quatro anos de desfile e de muito amor ao samba. Quem passa os olhos nessa informação, não imagina que estamos falando de uma gata de apenas 31 anos. Ela é a Madrinha Eterna da União de Jacarepaguá e Musa da Estação Primeira de Mangueira. Ela é Amanda Mattos que, tão jovem, já tem tanta história pra contar. E é pra sua legião de fãs – e de futuros fãs – que a coluna “Sambando com Elas” dedica a entrevista de hoje.

AMANDA MATTOS CRIANÇAOuro de Tolo: Amanda, com apenas sete anos você já desfilava? É isso mesmo? Como e onde começou?

Amanda Mattos: Bem, Alexandre, comecei na Mangueira do Amanhã e na Ala das crianças da Mangueira (adulta) e logo passei para a Ala de Passistas da Mangueira (mãe), mas tive que me submeter a um concurso na escola para isso. Em 1998, estreei na Ala de Passistas da Mangueira, sendo campeã (sou pé de coelho, viu?) com aquele lindo enredo sobre o Chico Buarque.

Ouro de Tolo: Quais os principais fatos e títulos que te marcaram daquela época aos dias de hoje?

Amanda Mattos: Bem, comecei no carnaval muito novinha, como te disse e logo ganhei o título de “Musa da Mangueira do Amanhã”. Eu era elétrica. Era incrível como bastava ouvir o som da bateria da Mangueira, pra aquela garotinha começar a sambar sem parar. Sou a única passista da Mangueira a integrar a “Corte da Bateria” por três anos consecutivos – disputando concurso com outras passistas – e o mais legal é que foi uma conquista galgada passo a passo Em 2003, fui 2ª Princesa, em 2004, 1ª Princesa e, no ano seguinte, graças ao apoio da comunidade, conquistei a coroa de Rainha da Bateria. Nesse período, ainda fui finalista do Concurso de Musa do Carnaval em 2005 e 2006 no Caldeirão do Huck. Ainda na Velha Manga, desfilei como passista de 2006 a 2011, ano em que deixei a Ala por ter sido eleita ”Musa da Comunidade”. Nesse mesmo ano, fui eleita a “Musa da Nação” no “Prêmio da Torcida Nação Verde e Rosa”. Também já desfilei como “Musa da Unidos de Jacarezinho”, onde tive uma passagem bem gratificante. Na União de Jacarepaguá, fui coroada “Rainha da Bateria Ritmo União” em 2008, permanecendo no cargo até o Carnaval-2013, até que nesse carnaval – de 2014 – fui aclamada como “Madrinha Vitalícia” da Escola, como a Tia Neide dos Santos é na Mangueira.

Ouro de Tolo: Você que já ocupou vários cargos, desde criança, numa escola de samba, o que é o samba e o que é ser passista, na sua concepção. O que acontece por dentro do corpo e no coração de uma passista como você?

Amanda Mattos: Como diz aquele samba, “eu nasci com o samba, no samba me criei e do danado do samba, eu nunca me separei…”. Minha essência vem de berço. Nasci no samba. Quando sambo ocorre algo inexplicável, Sei lá… Dizem que o meu sambar é diferente, incomparável. É amor, é paixão, algo que vem da alma mesmo. Existe uma diferença entre ser passista e “estar passista” que é o que ocorre quando te colocam na ala de passistas, sem se importar se você tem ou não aquela vocação. Ser passista é um estado de espírito… É liberar aquela “entidade” que incorpora quando a bateria começa a tocar. É quase que uma mediunidade. E nem todos são médiuns, né (risos)?

AMANDA MATTOS BATERIA UNIÃO DESFILEOuro de Tolo: A Mangueira é seu berço, como você diz. E como foi e é a sua relação com a União de Jacarepaguá, desde a sua chegada há seis anos?

Amanda Mattos: Não tenho a menor dúvida em dizer que, hoje, o meu amor pela União de Jacarepaguá é imenso. A escola me recebeu muitíssimo bem. Se por um lado, a Mangueira foi quem me projetou e me transformou na passista que sou hoje, foi na União de Jacarepaguá que encontrei o reconhecimento que não esperava. Ser aclamada como Madrinha Vitalícia de uma Bateria tão premiada como a Ritmo União é emocionante. Além do mais, esse cargo – de Madrinha Vitalícia – só foi dado, até hoje, a apenas duas grandes baluartes do Mundo do Samba: Tia Neide da Mangueira e Tia Dodô da Portela. Qual a mulher do samba que, hoje não se sentiria extremamente gratificada em saber que seu samba no pé foi eternizado, ao ponto de fazer parte do estatuto da agremiação? Mas, desde o primeiro carnaval percebi que a escola era acolhedora. Outra coisa que quero registrar é o clima familiar que impera em nossa quadra. É diferente da maioria das escolas. Todos se conhecem, se abraçam e se cumprimentam no maior respeito. Conheço todo mundo. Do moço que tem uma barraca na porta da Escola ao Tio Reinaldo (presidente da Escola), da ala das crianças às baianas. É uma extensão da minha casa e amo muito isso tudo.

Ouro de Tolo: O Carnaval de 2014 já começou. Como está esse coração?

Amanda Mattos: Mais rápido do que pé de passista… (risos). Nervosa, ansiosa, mas com a certeza de que tudo vai dar certo. Esse ano vai ser muito emocionante. Venho pelo quarto ano consecutivo como “Musa da Comunidade na Mangueira” e como Madrinha Vitalícia, na União de Jacarepaguá, na sexta-feira de carnaval.AMANDA MATTOS ATLETA

Ouro de Tolo: O que você tem a nos dizer sobre os projetos sociais da Mangueira?

Amanda Mattos: Na verdade, Eu comecei nos projetos sociais da Mangueira e na Mangueira do Amanhã. Fui atleta do projeto – pouca gente sabe que pratiquei atletismo – e muito me orgulha o fato de ter nascido no projeto e de, hoje, ser professora de Educação Física das crianças da “Escola Tia Neuma”. Cresci ouvindo os seus conselhos – e de outros baluartes também, claro – mas essa coisa de poder retribuir o que recebi no projeto social me emociona até hoje.

Ouro de Tolo: Por falar em retribuir, o que você julga ser mais importante passar para as novas passistas que, hoje, começam no mundo do samba?

Amanda Mattos: Respeito. Essa palavra tem de acompanhar os passistas em todos os momentos. Não é de hoje que a classe luta por mais valorização e união. O que ocorre hoje é que estamos perdendo aquela essência da cabrocha que diz no pé ao som da bateria e do malandro que sabe cortejar a mulata. O carnaval se industrializou e, com isso alguns sambistas foram se afastando e fomos perdendo alguns ensinamentos básicos para manter essa essência. É por isso que digo, a melhor passista não é aquela arrasa no samba no pé e quando acaba o show faz a linha “desinibida”. A melhor passista é aquela que antes, durante e após sua apresentação se dá ao respeito e sabe que vai ser valorizada, diante essa atitude, reverencia seus baluartes e baianas… Ser passista vai além da aparência, ser passista é ser artista. E pra ser artista você tem que ter caráter pra discernir o que é idôneo e correto, do que é supérfluo ou vulgar. Aos que estão começando agora, sigam os passos dos grandes mestres da arte de sambar.

AMANDA SAMBANDOOuro de Tolo: Shows, viagens e apresentações nos órgãos da mídia fazem parte da rotina das passistas. Conte-nos algumas passagens interessantes de sua vida nesse campo.

Amanda Mattos: Ah, tive ótimas experiências, fui passista-show da Mangueira por anos, e tive a oportunidade de conhecer e visitar muitos lugares. Estive no Festival de Verão de Salvador em 2004 com a bateria da Mangueira no encontro da Alcione com a Margareth Menezes. Já participei de muitos programas de TV também, como Caldeirão do Huck, RJ TV, Domingão do Faustão. Inclusive, a Beth Carvalho me convidou para ir à roda de samba do Faustão e acabei aceitando, mas confesso que fiquei muito tímida com as câmeras (acreditem, eu sou tímida). Imaginem a cena: Adriana Bombom e Thalma de Freitas estavam mandando um miudinho e tive de levantar para sambar. Foi um momento diferente, era a única desconhecida e o Fausto não me deu muita atenção, nem sabia meu nome. Mas eu gostei, adoro roda de samba. Frequentei muitas, hoje nem tanto. Tenho muito para contar dessas vivências de apresentações, sou muito grata à Mangueira por ter me proporcionado tantos momentos felizes.

Ouro de Tolo: Já que estamos falando em samba, quais os sambas-enredo que você mais curte, Amanda?

Amanda Mattos: Como memorizadora de letras de sambas, sou uma ótima passista (risos). Não sou daquelas que decoram as letras de todos os sambas enredo do ano. Meu foco é decorar – direitinho – os sambas das minhas escolas: Mangueira e União de Jacarepaguá. Alexandre, você pode não acreditar, achar que estou querendo te jogar confete por ser você um dos autores desse samba, mas, noutro dia, a caminho do trabalho, me peguei cantando o samba da União de Jacarepaguá de 2004 (“Haja luz… Clareou a imensidão… do ventre da mãe-terra, nasce a beleza da criação”) que, todos sabem, é uma obra prima que, justamente por isso ganhou o Estandarte de Ouro, o Prêmio S@mbaNet e Troféu Jorge Lafond, daquele ano, como o melhor samba do Acesso, Na verdade, curto muito, também, os sambas antigos, da década de 80 e 90, aos atuais, talvez por ter sido a época em que comecei a aprender a sambar. Como me esquecer de “Me leva que eu vou, sonho meu! / Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu!” um sucesso da Mangueira, de 1994, que ficou marcado na mente dos apaixonados pelo carnaval, me acabava de sambar nos ensaios.

AMANDA MATTOS ZEBRINHAOuro de Tolo: Amanda, deixe aqui sua mensagem pros leitores, no primeiro dia do Carnaval de 2014.

Amanda Mattos: Amantes do samba e do carnaval brasileiro, desejo um ótimo Carnaval a todos. Tenham consciência e celebrem o Carnaval com muita paz, união – sem trocadilhos (risos) – e alegria. Independente do fato de desfilarem em Escola de Samba ou em um Bloco, honrem o pavilhão, os ensinamentos dos baluartes, sejam foliões que lutam pela diversidade de culturas e ritmos carnavalescos. Quem quiser acompanhar um pouco do meu trabalho no carnaval é só adicionar o perfil Amanda Mattos Súditos no Facebook. Tenham todos um feliz carnaval, com muito samba no pé e no coração.

Ouro de Tolo: Amanda, acredito que teremos, sim, um carnaval “com muito samba no pé e no coração”, como você disse, mas o mais interessante é reparar como você com seus passos encantadores, leva o coração no pé e desnuda sua alma em seu gingado. Desde criança, você já demonstrava ser diferenciada e uma prova viva de que o samba não morrerá jamais. Você traz essa esperança até nas cores que escolheu, seja no VERDE-e-rosa da Estação Primeira, seja no VERDE-e-branco da União de Jacarepaguá. Ainda faltarão muitos anos, mas com a experiência e a vivência que você acumulou e ainda acumulará ao longo do tempo, temos a certeza de que você só entregará o seu anel de bamba a quem mereça usar. Enquanto isso, nós, pobres súditos e mortais, continuaremos apenas te admirando, Madrinha Eterna, continuaremos apenas – e sempre – te amando, Amanda!