Neste domingo o compositor Aloisio Villar conta os últimos acontecimentos envolvendo o Boi da Ilha do Governador.

Reage Boi

Sábado de carnaval acordo tarde devido ao desfile de sexta na Marquês de Sapucaí e decido entrar no Facebook para ver as novidades. Entro e parece que o mundo está acabando. Várias pessoas me perguntam sobre a história do Boi da Ilha não desfilar segunda de carnaval na Intendente Magalhães.

Já falei muito do Boi aqui e devo ser a pessoa que mais fala na agremiação na internet. Sem presunção nenhuma, acredito ser o maior porta voz e embaixador da escola.

O Boi foi fundado como bloco carnavalesco Boi da Freguesia em 1965 e sempre se orgulhou de ser o maior celeiro de sambistas da Ilha do Governador; além de possuir um fenomenal acervo de sambas de enredo assinados, entre outros, por gente como Didi e Aroldo Melodia.

Em 1988 virou escola de samba, o Boi da Ilha e em 1997 ingressei na agremiação fazendo com ela um dos casamentos mais bem sucedidos da minha vida.

Disputei 15 concursos de sambas, fiz 14 finais vencendo 7. Quatro desses sambas foram notas máximas na avenida e ganhei 3 prêmios. SambaNet e troféu Jorge Lafond em 2009 como melhor samba do grupo B. Estandarte de Ouro em 2001, único da história do Boi em um samba que tenho orgulho de dizer que é considerado um dos maiores da história do grupo de acesso em 2001. Estandarte de Ouro de melhor samba do grupo A.

Essa agremiação, esse meu amor que estava morrendo sábado de carnaval.

Não acreditei na história e pedi paciência a todos dizendo que tentaria descobrir a verdade. Liguei para o cantor da escola, meu parceiro Cadinho que disse ter estado no dia anterior com o presidente e não ter sido informado de nada. Disse que ligaria para ele e me retornaria.

Sim. Se vocês me acompanham leram essa história ontem no conto “A escola que ninguém viu”. Ela foi baseada nesse drama do Boi da Ilha. Alguns minutos depois um estarrecido Cadinho me liga e diz que a história era verdadeira. O Boi não desfilaria.

A notícia caiu como uma bomba. Ainda zonzo postei a notícia na internet e meu telefone – além do chat no Facebook – não parou mais. Eu tentava dar explicações sobre o inexplicável. Explicações que não teria que ser eu a dar e sim o presidente que sumira. Tentei ajuda para o Boi com amigos com condições financeiras e políticas, todos disseram a mesma coisa. Faltando dois dias não tinha nada a se fazer. Se fosse um pouco antes dava, não faltando dois dias.

Era a ducha de água fria. Era o fim.

Me informei sobre as punições. O Boi teria que devolver  subvenção e ficaria impedido de desfilar dois anos. Para uma escola em crise financeira e institucional como o Boi era o encerramento de suas atividades.

Com mãos atadas, sem ter o que fazer, entrei no Youtube. Pus o desfile de 2001 para rodar. O grande momento do Boi e meu no samba, compartilhei no Facebook e escrevi “fica o orgulho”. Era inacreditável. O Boi da Ilha tinha acabado.

Até que o Cadinho começou a me ligar, insistir, queria cantar o samba na avenida nem que passasse apenas ele cantando e eu com a bandeira. No começo não dei atenção para aquela ideia, fui contrário, mas pensei “Pelo menos escapa da punição de dois anos e quem sabe não marca um renascimento”.

Sou tímido, não gosto de ser centro das atenções e iria ser terrível para mim desfilar com uma bandeira, um surdo, cantor e atraindo a atenção da Intendente toda, mas pelo Boi valia. Tive a certeza que assim não existiria a punição de dois anos e respondi que topava.

Mas fui além. Escrevi no Facebook que faríamos isso e chamei os boiadeiros e aquelas pessoas que gostam da escola a comparecer e fazer o mesmo. Nem que fosse para desfilarmos de bermuda e chinelo. A ideia teve aceitação imediata e muita gente “comprou nosso barulho”. Muitos se propuseram a comparecer e desfilar sem fantasias, carros, sem locomoção para levar na avenida. Apenas o amor.

Os incansáveis do ateliê e barracão que trabalhavam sem condições nenhuma, sem receber e choravam pelo desperdício de seus trabalhos e pela dor do fim da agremiação decidiram levar o trabalho até o fim, mesmo sem dinheiro. Fantasias seriam entreguem, pessoas compareceriam. A maravilhosa Velha Guarda estaria lá linda como sempre. Essa mobilização toda fez o presidente começar a mudar de ideia.

Mudou em definitivo na madrugada de sábado para domingo enquanto da Sapucaí vendo o Acesso A eu brigava com ele via internet e dizia que não importava o modo. O Boi tinha que desfilar. Desfilou. Estava lá na Intendente Magalhães na segunda de carnaval. Com pouca gente, bagunçado, com um comando frágil, mas estava lá.

Não era nem a sombra da escola que assustou a União da Ilha em 2002. Mas sua essência estava lá. Sua raça, garra, vibração. O desfilante passou com raiva, as fantasias, que eram muito bonitas, ganhavam mais brilho e dessa forma o Boi desfilou.

Caiu como o esperado. Ficou em último graças às obrigatoriedades, onde começou com menos dois pontos e seis décimos (Para quem não iria desfilar e ficaria com menos 400 era lucro). Caiu para o último grupo do carnaval carioca; mas caiu na pista, não se acovardou.

E agora ganha uma nova chance.

Mesmo sendo uma escola pequena o Boi sempre foi uma escola com várias correntes políticas e divergências, mas o grande susto desse ano fez todos se unirem buscando o melhor para o Boi e acima de qualquer vaidade a solução para evitar seu fim.

Criei a página “Reage Boi” no Facebook que já conta com mais de 130 membros. Não sou líder de nada, não pretendo ser presidente. Apenas dei o pontapé inicial de um movimento sem donos e que não pretende fazer caça as bruxas nem ser contra ninguém. Não somos contra, somos a favor. A favor do Boi.

Já temos reuniões marcadas. Grupo para cuidar de planejamento, busca de recursos, gente que quer ajudar no carnaval, escolas que querem ceder fantasias, esculturas e assim continua viva a mobilização iniciada no sábado de carnaval.

Algumas coisas precisam ser acertadas ainda como a situação do presidente Gino, mas como boiadeiro que é espero que a gente chegue em um entendimento e ele esteja conosco nessa missão.

O Acadêmicos do Dendê também caiu para esse grupo, mas sua situação é diferente. O Dendê peca nos detalhes, em situações inacreditáveis como em 2012 não subir por falha de comunicação no mínimo de ritmistas exigido e esse ano cair porque ninguém percebeu um repique com a logomarca da União da Ilha. O que é proibido.

O problema do Boi é pior. É financeiro, estrutural, de gestão e vem desde suas raízes com pouco apoio de comunidade e centralização em tomadas de decisões que impediram a renovação natural que toda instituição necessita.

Mas espero que aquele sábado de carnaval que representaria seu fim tenha sido o dia da mudança, da reação. Que possamos botar na prática o verso de 2009 “boiadeiro tem raça, se esmera”.

A chance é essa. O  momento é esse.

Reage Boi!!

4 Replies to “Orun Ayé – “Reage Boi””

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