Neste domingo, o compositor Aloisio Villar aborda as escolas de samba que desfilam na avenida Intendente Magalhães.

O carnaval da Intendente Magalhães

Ano retrasado (a memória falha, mas o Migão não) escrevi uma coluna chamada “As escolas que a mídia esqueceu”, quando falei um pouco das escolas de samba que estão fora do grande carnaval do grupo especial carioca.

As doze da elite já estão com seus carnavais bem encaminhados para realizar o maior espetáculo da Terra. Luxo, beleza, celebridades, mídia. Tudo que faz desse um grande momento do ano.

Mas não é para todas assim.

Existe carnaval fora da LIESA e da LIERJ, que hoje gerencia o grupo principal de acesso com um carnaval cada vez mais parecido com do Especial. Esse carnaval se encontra na Intendente Magalhães, avenida do subúrbio do Rio pertinho de onde o Migão nasceu e foi criado, onde desfilam as escolas da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Os grupos B, C e D.

Acredito que já tenha desfilado mais na Intendente que na Sapucaí e digo que é um desfile simpático. Em ruas normais, utilizadas no dia a dia o desfile é feito e os carros alegóricos são colocados. Enquanto ocorrem os desfiles também acontece o carnaval de rua; então é normal vermos escolas desfilando de um lado e bate-bolas passando do outro.

Pessoas botam cadeiras na frente de casa para assistir e bater papo. Barracas são montadas para vender alimentos e nelas tv ligadas mostrando o grupo especial. Dois mundos completamente diferentes e quando olhamos não dá para lembrar que aquilo ali na tv está tão próximo geograficamente de nós.

Arquibancadas de madeira bem diferentes das frisas e mega camarotes do Sambódromo e pessoas muito diferentes também. Todos ali falam português, alguns bem, outros não e não mostram cara de cansaço ou desinteresse. O sorriso denuncia a felicidade em que vivem. Felicidade que irradiam nos desfiles e recebem de volta daqueles que desfilam orgulhosos representando suas comunidades sem precisar pagar mil reais por uma fantasia e enganar que conhece o samba. De quem olha o público e olha a pista para não tropeçar sem querer em um cachorro que atravessou a avenida.

Como falei, fantasias não custam mil reais. Quase todas as escolas dão fantasias para suas comunidades e mais, dão até mesmo na hora para poder ter contingente. Porque arrumar desfilante pra Sapucaí é mole, para desfilar na Intendente não. Só por muito amor à escola ou ao samba.

Diretores de harmonia chegam a chamar pessoas no público ou simplesmente que estão passando perguntando se não querem desfilar. Praticamente imploram. Alguém que passava pela calçada como quem não quer nada pode parar de repente em cima de um carro alegórico.IMPERIAL 25_crop

Ou até mesmo desfilando de baiana. Um grande drama do carnaval moderno é a falta de baianas, que ocorre por vários motivos como envelhecimento e morte das mais antigas, preconceito das mais novas com a função, perda de integrantes para igrejas evangélicas e a concorrência com o grupo especial.

Uma das coisas mais cruéis que pode ocorrer é a escola pequena da Intendente desfilar no mesmo horário que uma co irmã poderosa da localidade no grupo especial.

Não existe cidade do samba. As escolas se viram como podem em barracões sem o mínimo de infraestrutura. Lugares mal localizados, sujos, com focos de doenças como dengue onde pessoas que vão por amor trabalham horas e horas para colocar uma escola na avenida. Uma enorme dificuldade para levar carros para a Intendente, tendo que fazer “vaquinha” entre dirigentes com um pouco mais de recursos para pagar guincho e empurradores. Fantasias que são terminadas em cima da hora e muitas vezes rolando stress no momento da entrega pois o dinheiro prometido não foi todo entregue a quem realizou o trabalho.

Carro sendo terminado na avenida, fantasia sendo entregue na avenida. Mais uma vaquinha para pagar músicos, mestre de bateria e lanche para as crianças. Subvenção? Subvenção para esses grupos é uma piada. É uma miséria e muitas vezes sai em cima dos desfiles com as escolas tendo que correr para fazer seus carnavais. Não é raro barracões e ateliês só abrirem em janeiro para iniciar os trabalhos.

Isso quando parte da subvenção já não vem comprometida por causa de dívidas anteriores.

Quadras (quando existem) deficitárias. Escolas desses grupos dificilmente cobram entrada, até porque mesmo se cobrarem mísero um real a “comunidade” vai reclamar.

E nesse redemoinho todo o sistema de acesso e descida é cruel. Muitas vezes quatorze escolas desfilando por uma vaga no grupo acima e até seis vagas para descer. Boa parte das escolas já é rebaixada antes mesmo de começar o julgamento graças a “obrigatoriedades” e para aumentar a crueldade às últimas colocadas do último grupo viram blocos.

Sim, blocos. Escolas tradicionais passam pela humilhação de ter que optar entre virar bloco ou enrolar a bandeira, ou seja, fechar. O lema é “O novo sempre vem”. Escolas antigas e mal administradas acabam dando lugar a outras de proveta bancadas por algum município do grupo de pessoas (honestas ou não) que irão inflar essas escolas até onde seus egos tiverem vontade e quando cansarem do “brinquedinho” abandonar até que definhem.

A tradicional Vizinha Faladeira passou por isso e optou (pelo menos por enquanto) pelo fim. As também tradicionais Lins Imperial e Arrastão de Cascadura (esta do bairro de origem do Migão) correm esse risco em 2014. A Vizinha esteve no grupo A no começo do século, a Lins nos anos 90 no grupo especial, mas não há respeito à tradição e a história. Pessoas que comandam o carnaval hoje não veem trajetória e sim números, onde podem ganhar. O show não pode parar.

E pensar que ano que vem pode ser o Boi da Ilha passando por isso dá agonia.

É difícil, é complicado, só louco participa de um carnaval na Intendente Magalhães. Dá o seu suor, seu sangue e sua lágrima muitas vezes afastando amigos e brigando com família.

Conheço bem mais essas escolas que as da Sapucaí e posso dizer que me sinto melhor no meio delas. Mais a vontade, melhor recebido, mais querido. Se é uma loucura vivenciar isso tudo faço parte do “bando de loucos”.

Mas o que seria do carnaval se não fosse a loucura?

E muitas vezes loucura é sinônimo de felicidade.

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