Excepcionalmente nesta 2ª feira, a coluna “Made in USA” do advogado Rafael Rafic traz a sua visão sobre o título mundial de handebol feminino conquistada pela seleção brasileira na tarde de ontem.

Handebol: Missão Cumprida!

Apesar do ano pós-olímpico ser tradicionalmente conhecido como o ano da “ressaca olímpica”, os esportes olímpicos brasileiros tiveram um bom desempenho em 2013. Ao todo, foram 27 medalhas em mundiais, contando apenas os das modalidades que pertencem aos Jogos. Mesmo que dentro dessas 27 medalhas algumas sejam de provas não-olímpicas, ainda sim não há como fazer um balanço negativo do ano.

Mas qual foi o maior feito esportivo brasileiro em 2013?

Foi a conquista do eneacampeonato mundial aberto da classe Laser conquistada pelo incansável Robert Scheidt após ficar 8 anos afastado da categoria? Não, certamente não. Apesar do grande feito, o Brasil tem uma tradição de longa data na vela e Scheidt tem nome e estrutura dignos de seu fantástico currículo.

Foi a dupla conquista de Jorge Zarif dos mundiais Junior e aberto da classe Finn, feito que lhe rendeu o título de esportista masculino do ano pelo COB? Não, também não. Apesar da classe Finn ser a classe individual mais técnica do iatismo e do péssimo histórico do Brasil nela há uns 40 anos, Zarif vem sendo tratado como a joia da nova geração da vela brasileira e tem uma preparação especial em um esporte que não faltam referências nacionais.

Foi o inédito título mundial da canoagem conquistada pelo Isaquias Queiroz na categoria C-1 500? Ainda não. Reconheço que o título conseguido pelo Isaquias é épico, não por apenas ser o primeiro da canoagem brasileira, mas por vir de um esporte no qual nossa tradição é tão inexistente que, até esse ano, o único esportista de expressão do Brasil na história foi um “importado” da Argentina: Sebastian Cuattrin. Porém a C-1 500 é uma prova não-olímpica, logo não é tão disputada quanto a C-1-1000.

Foi então a absurda campanha de Poliana Okimoto, esportista feminina do ano pelo COB, no mundial de esportes aquáticos com o Ouro nos 10km, prata nos 5km e bronze na prova por equipes? Seria. Seria se o ano fosse 10 dias mais curto.

Nada, absolutamente nada, se compara ao momento épico e histórico que a seleção brasileira feminina de Handebol promoveu no dia 22 de dezembro de 2013 em Belgrado, Sérvia. Para quem ainda não sabe, nesse dia as meninas do Brasil derrotaram a seleção sérvia por 22 a 20 na final do Mundial Feminino de Handebol e conquistaram o primeiro título mundial do esporte para o nosso país e de maneira INVICTA: 9 jogos, 8 vitórias no tempo normal e 1 na segunda prorrogação.

Era o título mundial em esportes coletivos que faltava ao Brasil, ainda mais para nós adoramos recitar nossa “especialização” em esportes coletivos (para uma crítica a isso, vejam minha coluna antes dos Jogos Olímpicos de 2012). Afinal, dos 4 esportes coletivos com maior base no país (futebol/futsal, basquete, vôlei e handebol) o título mundial do Handebol era o único que nos faltava (apesar de apenas o vôlei ter conseguido o título olímpico). Outra efeméride deste título é o fato dele ser o segundo da história do Brasil em esportes olímpicos coletivos femininos.

Obs: apenas como dado histórico seguem os títulos mundiais no vôlei e no basquete:

Vôlei: 2002, 2006 e 2010 (todos no masculino)

Basquete: 1959, 1963 (masculino) e 1994 (feminino)

Mas não é apenas isso que torna esse título especial. Esse título é histórico não só para o Brasil, como para o Handebol como esporte. O handebol sempre foi amplamente dominado pelos países europeus. Asiáticos e, especialmente, americanos só olhavam de longe e recebiam bailes (nem contarei os africanos, ainda piores) dos europeus nas raras vezes que se enfrentavam.

Para exemplificar apenas digo que desde o primeiro mundial feminino, em 1949, por apenas 3 vezes um país não-europeu rompeu a barreira das quartas de final: a Coréia do Sul em 1995 (campeã) e 2003 (terceiro lugar) e este Brasil de 2013.

Nem no masculino a situação melhora: desde 1938, apenas Egito em 2001 (uma zebra histórica) e a Tunísia em 2005 (dona da casa) chegaram às semifinais. Ainda sim, ambos ficaram em 4° lugar ao final.

Também não adianta apelar para os Jogos Olímpicos: salvo a honrosa exceção da Coreia do Sul (1 prata no masculino e 5 semifinais no feminino, com outras duas medalhas no sistema “todos contra todos”), nunca um time não-europeu chegou às semifinais.

Conseguiram captar a magnitude do título? Por isso a frase do técnico do Brasil, o dinamarquês Morten Soubak (o careca do centro na primeira foto) , após o título: “Meu Deus, o Brasil, um país das Américas, campeão do mundo de handebol”.

Ressalte-se que o trabalho feito pela Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) não é recente nem começou com o projeto Rio 2016. Ele vem de muito antes; data de 1999 quando o Brasil conquistou o Pan-americano pela primeira vez e daí nunca mais perdeu a hegemonia do handebol feminino americano.

O trabalho foi intensificado com a aprovação da Lei Agnelo-Piva em 2001 e o handebol foi um dos esportes que melhor usou o dinheiro investido na transformação por resultados. O esporte sempre foi muito praticado nas escolas (atire aqui a primeira pedra quem nunca jogou ou viu sua turma jogar handebol nas aulas de educação física), mas sempre se perdia nessa base sem qualquer trabalho.

Por isso, além de trazer técnicos estrangeiros gabaritados para treinar as seleções principais (inicialmente o espanhol Jordi Ribera no masculino e Juan Oliver no feminino), a confederação focou no trabalho de base e mais do que comandar a equipe principal, esse treinadores vieram para modificar o trabalho de base feito no handebol brasileiro e aproveitar melhor essa grande quantidade de jogadores escolares que nós temos.

Obs: tive o prazer de conhecer e conversar bastante com 2 técnicos de confiança do Jordi Ribera, que treinaram minha irmã por 3 anos. Por intermédio deles pude conhecer o trabalho feito com alguns detalhes.

Se no masculino houve alguns problemas que não permitiram que os talentos revelados explodissem, problemas esses que não cabem explicar aqui (Ribera, após 4 anos fora, voltou este ano para seguir ate 2016), no feminino tudo caminhou bem e aos poucos as jogadores brasileiras foram criando uma boa reputação.

Os resultados foram melhorando e, desde que a seleção contratou o atual técnico, o mesmo Soubak supra citado, em 2009, a melhora é visível. Até uma jogadora brasileira, a incrível ponta direita Alê, foi escolhida pela Federação Internacional de Handebol a melhor jogadora do ano em 2012.

Para não me alongar demais, ressalto mais quatro pontos:

  • esse resultado mostrou que, apesar das dívidas contraídas, foi um tiro certo o fato da CBHb sediar o mundial feminino de 2011 no Brasil.
  • Também mostrou que o 5° lugar obtido nesta ocasião não foi apenas um resultado isolado que aproveitou o fator casa.
  • Para quem disse que o grupo inicial do Brasil (Brasil, Servia, Dinamarca, Japão, China e Argélia) era de dificuldade apenas mediana, digo que o pódio foi inteiro deste grupo: Brasil, Servia e Dinamarca.
  • Por fim, tenho que ressaltar a vitória pessoal da nossa pivô Dani Piedade. Ela nos deu um susto um setembro de 2012 ao sofrer um seríssimo Acidente Vascular Cerebral (AVC) no aquecimento de um jogo do seu clube esloveno (cheguei a temer, inicialmente, pela vida dela, depois pela continuação da carreira), mas se recuperou muito bem e foi uma das principais jogadoras nessa conquista.

Parabéns Dara (capitã), Alê, Samira, Dani Piedade, Amanda, Fê, Ana Paula, Babi (eleita melhor goleira da competição, fundamental na semi contra a Dinamarca), Elaine, Mayssa, Karol, Duda (MVP da competição), Hannah, Mariana, May e Deonise.

Comemorem, comemorem muito. O planeta é de vocês!

 

Fotos: EFE (capa) e divulgação do Mundial de Handebol Servia 2013 (corpo de texto)

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